Mais
que um meio de lazer, a bicicleta conta pontos para o bem-estar físico
e mental, e ainda pode ser uma alternativa para os problemas do trânsito
"Sou eu que te levo pelos parques a correr/Te ajudo a crescer e em
duas rodas deslizar/Em cima de mim o mundo fica à sua mercê/Você
roda em mim e o mundo embaixo de você/Corpo ao vento, pensamento
solto pelo ar/Pra isso acontecer basta você me pedalar." A
visão mais que poética com a qual os compositores Toquinho
e Mutinho descreveram a "magrela" na música A Bicicleta,
composta em 1983 para o álbum Casa de Brinquedos, ajudou a tornar
a canção eterna - e entrar para o time daquelas que, assim
como História de Uma Gata, de Chico Buarque, é tida como
música de criança, mas muita gente grande canta até
hoje. Na verdade, a perenidade da canção reflete a eternidade
da própria "musa inspiradora" da obra: a bicicleta. Afinal,
entra ano, sai ano, surgem videogames com interatividade que beira a realidade,
celulares que tiram fotos e baixam filmes, e tocadores de mp3 que guardam
milhões de músicas, mas ainda não inventaram uma
criança ou um adulto que não goste de andar de bicicleta.
Ah, sim, existem os que não sabem, mas esses, certamente, morrem
de vontade de aprender.
É sempre bom lembrar que, além do prazer e da ludicidade,
a bicicleta está ligada à qualidade de vida e pode significar
uma alternativa para o caos no trânsito das grandes cidades. "Se
no princípio a bicicleta foi inventada com a finalidade de proporcionar
uma atividade de lazer, ao longo do século 20 ela se transformou
em um importante meio de transporte, e, mais recentemente, em um mediador
de saúde", explica Katia Rubio, professora do Núcleo
de Psicologia do Esporte da Universidade de São Paulo (USP) e uma
das participantes do Seminário Ciclovida, realizado pelo Sesc Santos
em abril (veja boxe Duas rodas,
muitas possibilidades). "A necessidade de ação do usuário
retira-o de uma condição passiva a que outros meios de locomoção
movidos a motor obrigam, afastando-o do sedentarismo e dos problemas físicos
dele advindos." Entre os benefícios físicos que o uso
da bicicleta traz, a professora ressalta ainda que, por implicar movimento,
pedalar torna-se um exercício constante de atenção
e equilíbrio, que pode proporcionar bem-estar psicossocial por
incentivar a sociabilização.
"O mundo embaixo
de você"
Se existe uma pessoa que pode falar sobre a satisfação de
andar de bicicleta, esse alguém é Argus Caruso, o ciclista
que deu a volta ao mundo sobre duas rodas. "Como toda criança,
eu sempre gostei de bicicleta", conta. "Mas só acreditei
que realizaria uma grande viagem quando fiz minha primeira pedalada longa,
em 1997, percorrendo Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Foi quando percebi que, tendo tempo, conseguiria chegar a qualquer lugar."
E chegou mesmo. De 2001 a 2005, divulgando seu projeto Pedalando e Educando
- por meio do qual levou fotos, vídeos e histórias de suas
viagens a mais de 100 escolas -, o ciclista, que também participou
do Ciclovida, visitou 28 países. Em suas andanças passou
por regiões do mundo em que a magrela é muito usada como
meio de transporte. "São muitos os exemplos bem-sucedidos",
conta. "Kuala Lumpur, capital da Malásia, possui vias exclusivas
para motos e bicicletas. Já em Paris, na França, nas áreas
onde não existe ciclovia, as bicicletas dividem o espaço
com os ônibus. Em compensação em Liubliana, capital
da Eslovênia, praticamente toda a cidade possui ciclovias usadas
por famílias, trabalhadores, estudantes, crianças e idosos."
O ciclista diz estar convicto de que, para isso acontecer por aqui, "basta
a criação das ciclovias pelos governantes, que o resto a
população fará naturalmente".
A hegemonia do
automóvel
Mas por que será então que em São Paulo essa moda
não pega? "O grande obstáculo é que há
uma forte economia baseada no automóvel", responde o arquiteto
e urbanista Antonio Miranda, assessor do Ministério das Cidades,
palestrante do Ciclovida. "E isso é difícil reverter
em curto e médio prazo, mas é preciso começar."
Mesmo reconhecendo os problemas que caracterizam uma megalópole
como São Paulo, Miranda pode ser considerado um otimista: "Não
existe cidade perdida para uma causa", afirma. "No momento em
que os congestionamentos forem se tornando insustentáveis do ponto
de vista de tempo, custo, estresse humano e causa de fortes danos à
saúde, e houver aumento substancial da infra-estrutura para as
bicicletas, as pessoas irão racionalizar mais o uso do automóvel."
Entre as cidades onde a bicicleta conquistou terreno, o arquiteto cita
Tóquio, capital do Japão, em que 25% das viagens por motivo
de trabalho são realizadas de bicicleta; Moscou, capital da Rússia,
onde o percentual é de 24%; Copenhagen, na Dinamarca, que mostra
impressionantes 35%; e até Nova York, mais especificamente na agitada
Manhattan, onde 6% das viagens são feitas de bike, como se chama
a magrela em inglês. Aqui, segundo dados da Associação
Nacional de Transportes Públicos (ANTP), a bicicleta é responsável
por 7,4% dos deslocamentos urbanos... só que em todo o país.
Ou seja, temos chão pela frente ainda.
Saiba mais:
www.antp.org.br
www.cidades.gov.br
www.viaciclo.org.br
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Duas
rodas, muitas possibilidades
Seminário no Sesc Santos analisa as várias facetas
da bicicleta
Instrumento
de lazer, mediador de saúde, meio de transporte, brinquedo
de criança. A bicicleta, e todas as suas utilidades, foi
o centro das discussões no Seminário Ciclovida, realizado
pelo Sesc Santos em abril. A ocasião reuniu diversos usuários
ou entendidos na magrela. Entre eles, o jornalista Ruy Castro -
ciclista de carteirinha -, que abriu o evento falando do papel da
bicicleta na sociedade, os cicloturistas Argus Caruso e José
Antonio Ramalho, que já giraram pelo mundo em duas rodas,
a coordenadora da Viaciclo, a Associação dos Ciclousuários
de Florianópolis, em Santa Catarina, Giselle Xavier, e o
arquiteto e urbanista Antonio Miranda, assessor do Ministério
das Cidades. O objetivo do evento foi discutir a utilização
da bike na era dos automóveis, assim como as necessidades
imediatas para a expansão de espaços especialmente
reservados para ela. Entre os temas abordados, a relação
histórica entre o homem e a bicicleta e os significados de
sua utilização no cotidiano das cidades e do campo.
Além disso, foram discutidos o planejamento cicloviário
da região metropolitana da Baixada Santista, o uso da bicicleta
para além do transporte e relatos de experiências com
a bicicleta. Além das palestras, o Sesc Santos realizou uma
programação paralela com intervenções
artísticas, oficinas e uma exposição com imagens
do fotógrafo Araquém Alcântara (foto).
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