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A história é pop

A consolidação do mercado editorial em torno de fatos do passado, assim como sua forte presença na TV e no cinema, faz dessa área do conhecimento uma paixão nacional

Foi-se o tempo em que figuras e períodos históricos eram "propriedade" dos livros escolares ou de teses acadêmicas. De uns anos para cá, tanto personagens de eras longínquas, como dom Pedro I, quanto protagonistas de uma história mais recente, como o presidente Juscelino Kubitschek, pularam dos arquivos para as telas da televisão e do cinema, e para as páginas de revistas especializadas, livros, reportagens e biografias. A TV Globo, por exemplo, achou no baú da história mais uma de suas fórmulas de sucesso. Afinal, o que há de comum entre personalidades como os escritores modernistas Oswald e Mário de Andrade e os revolucionários Anita e Giuseppe Garibaldi, senão o fato de que todos foram transformados em personagens da teledramaturgia nacional? Os primeiros apareceram na minissérie Um Só Coração (2004), que recriou a época de ouro do modernismo brasileiro, na década de 1920; os segundos, que lutaram na Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul no século 19, ajudaram a compor o pano de fundo de A Casa das Sete Mulheres (2003). O exemplo mais recente desse filão de popularização de figuras e eventos históricos foi Juscelino Kubitschek, o presidente que construiu Brasília, que deu origem à minissérie JK. "Há uma espécie de valorização da história que se dá em função das próprias mudanças históricas, como o fim da ditadura, e do aumento de volume dos trabalhos sobre história do Brasil", explica a professora Yone de Carvalho, do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "E esses fenômenos têm uma dimensão que está ligada a interesses em períodos anteriores, e que foram atualizados, mas têm também uma dimensão social importante: mudaram os estratos sociais interessados por história. Eu acho que esse fenômeno merece ser estudado." Ainda, segundo a professora, esse aumento de interesse é mais um reflexo do eterno ciclo da galinha e do ovo que rege a indústria cultural: a mídia capta um interesse, elabora produtos para atender a ele e, fazendo isso, cria novas demandas. E, no caso dessa relação entre a história e a mídia, há prós e contras. "De um lado, a mídia produz um mercado e seu objetivo é ganhar dinheiro com isso, criando uma forma de interesse que ela possa pasteurizar", afirma a professora. "Esses produtos podem não só levantar questões importantes, mas principalmente pasteurizar respostas, e com a autoridade da história isso fica bastante complicado." No entanto, pode ocorrer também a ampliação do debate sobre os fatos narrados. "Mesmo quando a mídia se apropria de períodos ou cenários históricos para ambientar temas de novela das 8, o que isso gera - as informações de jornal, a discussão nas revistas, a participação de intelectuais na mídia televisiva etc. - vai ajudando a constituir a cultura histórica de uma época", afirma.(veja boxe: Baú aberto)

Liberdade jornalística
Mas não é só na televisão que isso tem acontecido. O mercado editorial também ganhou fôlego novo graças à velha e boa história. "Sempre existiram leitores apaixonados por esse assunto", conta o jornalista Domingos Meirelles, apresentador do programa Linha Direta, da TV Globo e autor de As Noites das Grandes Fogueiras (Editora Record, 1995), sobre a Coluna Prestes, movimento político-militar que, entre 1925 e 1927, se deslocou pelo interior do país pregando reformas políticas e sociais e combatendo o governo do então presidente Arthur Bernardes e, posteriormente, de Washington Luís, e 1930 - Os Órfãos da Revolução (Editora Record, 2005), sobre o movimento que determinou o fim da Primeira República. "O que se observa, atualmente, é o alargamento e a consolidação desse interesse entre outras faixas sociais, antes refratárias a esse tipo de leitura." Segundo Meirelles, as pessoas estão cada vez mais lendo livros de história na tentativa de entender o mundo em que vivem. "Os jornalistas desempenharam um papel extremamente importante nesse processo de democratização do conhecimento do passado, ao dissecar os fatos históricos através de um texto claro, envolvente e de fácil percepção para o leitor comum."


Esse é também o objetivo do jornalista Eduardo Bueno, que encontrou no exercício de recontar a(s) história(s) do Brasil uma fonte inesgotável de inspiração. "É só passar nas bancas de jornal e dar uma olhadela em quantas revistas de história estão expostas", comenta o autor de Brasil - Uma História (Editora Ática, 2003) e Pau-Brasil (Editora Axis Mundi, 2002), entre outros. "E quantas existiam há, digamos, cinco anos? Nenhuma. Então, felizmente, acho que dá para dizer que a história está na moda." Mesmo não sendo unanimidade, principalmente entre os historiadores, Bueno atrai leitores e mais leitores com sua maneira, digamos, despretensiosa de narrar fatos históricos. "Adoraria que meu trabalho pudesse ter uma dose ainda maior de 'romance de aventura' no sentido do apuro da linguagem literária, no ritmo narrativo, no 'suspense' e na emoção", conta. "Tudo isso sem perder o factual, a citação da fonte, a análise historiográfica. Mas não é fácil conseguir essa simbiose. De todo modo, minha ambição é ainda maior: queria que a história pudesse adquirir a mesma leveza transcendente de uma linda canção pop." (veja boxe: Passado revelado)


Outro campo de divulgação para essa área do conhecimento que cresce sem parar é o que narra eventos da vida de personalidades. E, quando o assunto é agitar a poeira da memória cultural do Brasil por meio de reveladoras biografias, o jornalista Ruy Castro é citação obrigatória. São dele livros como O Anjo Pornográfico (Companhia das Letras, 1992), sobre a vida do escritor Nelson Rodrigues; Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha (Companhia das Letras, 1995), que narra a história do famoso jogador de futebol; e, mais recentemente, Carmen - Uma Biografia (Companhia das Letras, 2005), com fatos da vida e da obra da cantora Carmen Miranda. "A história está sempre na moda", afirma. "A novidade entre nós é o formato biografia, pelo menos da maneira como tem sido feita." Quando indagado sobre as diferenças entre o seu trabalho e o de um historiador tradicional, Castro responde que, no seu caso, o que muda é a liberdade de que ele desfruta ao escrever. "Se eu respeitar as informações, posso tratar os fatos com um pouco mais de 'molho' ou de humor do que o historiador, que tem responsabilidades acadêmicas." E esse estilo livre tem agradado ao público. Ruy Castro é considerado sucesso de vendas na editora pela qual publica. O Anjo Pornográfico já vendeu 80 mil exemplares; Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha, 77 mil; e Carmen - Uma Biografia já conquistou 15 mil pessoas até agora. Não são números de Harry Potter, é verdade, mas em se tratando de mercado editorial no Brasil não deixam de ser dignos de nota.


Histórias de banca
Os interessados em aumentar o conhecimento histórico sem precisar freqüentar novamente a sala de aula - ou quem quer complementar o que aprendeu na escola - encontram atualmente nas bancas de jornal uma espécie de versão fast-food do que a biblioteca costumava significar para os famintos por história. Publicações como as revistas Nossa História, da Editora Vera Cruz, Aventuras na História, da Editora Abril, e História Viva, da Duetto Editorial, formam um filão no qual leitores dos 12 aos 50 anos se unem em torno do interesse e da curiosidade que os fatos históricos provocam. "A gente tem a preocupação de não ser exclusivo em um assunto ou outro e de não privilegiar assuntos que possam interessar mais uma faixa etária ou outra", explica Celso Miranda, editor de Aventuras na História. "Uma vez, conversando com dois rapazes de uns 19 anos, num encontro com leitores que a gente promoveu, eu perguntei que matéria eles queriam ver publicada e eles disseram que queriam uma matéria da era Collor. Mas aí eu pensei: era Collor para mim ainda não é história. Só que, para os meninos, sim. Ou seja, história não é só o descobrimento do Brasil." Os leitores aprovam essa abordagem. Dos 70 mil exemplares de tiragem da revista, que é distribuída para todo o país, mais de 50% têm venda garantida por meio do sistema de assinaturas.


Miranda explica que existem algumas particularidades em fazer uma revista na qual as notícias mais quentes podem ter facilmente 2 mil anos. A primeira delas é que, ao contrário do que se poderia imaginar, tudo pode ser assunto. "Tudo tem uma boa história por trás", afirma Miranda. Ele cita como exemplo uma seção da revista chamada Como Fazemos Sem. "Quando a gente pergunta 'como fazemos sem sobrenome', por exemplo, tem a chance de explicar que sobrenome foi algo que as civilizações foram usando em determinados momentos de seu desenvolvimento, como na Europa, onde foi preciso identificar as pessoas na hora de cobrar os impostos."



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Saiba mais:
www.historiadoreletronico.com.br

www.historia.abril.com.br

www.nossahistoria.net

www.museudapessoa.com.br

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Baú aberto


Alguns historiadores e instituições têm se encarregado de democratizar as bases sobre as quais se constrói o conhecimento histórico


Por parte da universidade, os próprios historiadores, ou ao menos uma parcela deles, mudou sua postura no que diz respeito à pesquisa histórica. Isso vale também para algumas instituições que, indo além, buscam incluir pessoas comuns no registro de nossa época. "Existem pessoas na academia que estão tentando popularizar a reflexão histórica e não somente meia dúzia de verdades ou informações", conta a professora Yone de Carvalho, do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Por mais próxima que a história seja de uma ciência, deve haver uma preocupação com o que você investiga e com o modo como isso pode estar acessível para quem vai ler sua obra." Junto com tudo isso, ainda segundo a professora, o que tem ocorrido é a valorização de sujeitos que antes não faziam parte da história oficial. "As minorias, os marginais, a própria mulher, enfim, esses grupos vão funcionar como figuras importantes no processo de divulgação do saber acadêmico. E foi essa renovação historiográfica que ajudou a reeducar a chamada elite intelectual, democratizando o conhecimento histórico."


Um dos exemplos dessa nova maneira de contar e fazer história se traduz no trabalho do Museu da Pessoa, uma organização da sociedade civil criada em 1991 que tem como principal interesse valorizar e preservar a história de vida de todos - dos súditos, e não somente dos reis; e dos soldados, e não somente dos generais. "Quando falamos em preservar histórias de vida - e afirmamos que todos têm direito de ter sua história registrada e preservada -, estamos criando uma base múltipla para essa memória social", afirma a historiadora Márcia Ruiz, uma das pesquisadoras do museu. "Acreditamos na democratização dessa memória social e que existem múltiplas vozes para essa história." No Museu da Pessoa, o registro das histórias é feito por meio da oralidade, ou seja, quem estiver interessado em ter sua história guardada para a posteridade procura a instituição e grava um depoimento - que irá se juntar ao acervo de mais de 6 mil registros que o museu possui. "Toda pessoa é autora da própria história", afirma Márcia. "E, quando falamos de grupo, cada um de nós passa a ser autor da história social. É esse o caminho para a construção do respeito e da consciência do contexto histórico no qual se vive."


 

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Passado revelado


Projetos de diversas unidades do Sesc divertem e ensinam com informações históricas


Enquanto a história da chita pode contar muito do processo de industrialização do Brasil, relatos e costumes do interior do estado de São Paulo se encarregam de flagrar a multiplicidade de povos que constitui o Brasil. São muitos os projetos e programações especiais realizados nas unidades do Sesc São Paulo que tiveram a pesquisa histórica como ponto de partida. No final do ano passado, o Sesc Belenzinho abriu suas portas para a exposição Que Chita Bacana, na qual 4.500 metros quadrados do tecido se espalharam pela parte interna da área de convivência da unidade, mostrando a rica história por trás do tecido que chegou ao Brasil na época do descobrimento. Além de apontar os mais variados contextos em que o tecido é utilizado - uma das peças mais pitorescas foi o casaco usado pelo apresentador Chacrinha (1917-1988) -, a mostra, de quebra, revelou a trajetória da indústria têxtil no Brasil.


Já o Sesc Pompéia abrigou, também em 2005, a exposição Terra Paulista - Histórias, Arte, Costumes (fotos à direita), parte de um grande projeto que percorreu cinco séculos de história do interior do estado, uma região marcada pelo cruzamento de vários povos. Logo na entrada da mostra um grande painel perguntava "Quem é o paulista?", enquanto lá dentro era possível voltar à época da chegada dos portugueses e imaginar-se parte do histórico e fatídico encontro entre o homem branco e os nativos do Novo Mundo. Entre as curiosidades históricas reveladas ao visitante, a descoberta de que algumas das importantes rodovias do estado hoje já eram caminhos utilizados pelos índios muito antes de os europeus chegarem à região. Ainda no Pompéia, em março deste ano, o grupo A Barca realizou shows e oficinas que mostraram o resultado de quase dois meses de viagem pelo Brasil. Do Pará a São Paulo, percorreram 10 mil quilômetros e passaram por nove estados. O grupo começou seus estudos sobre o Brasil pela obra de Mário de Andrade e, no fim de 2004, visitou quilombos, aldeias indígenas, periferias de grandes capitais e pequenas cidades, como parte do projeto Turista Aprendiz, título de um dos livros de Mário.


Outro exemplo é a exposição Cinema em Cartaz, realizada pelo Sesc São Caetano até 31 de maio. Na mostra, 25 cartazes de filmes brasileiros feitos entre os anos de 1950 e 1970 - trabalhos que vão de obras dos cartunistas Ziraldo e Jaguar a de artistas plásticos como Lygia Pape - contaram um pouco da história do cinema nacional. Quem passar por lá poderá conhecer, ou rever, as peças feitas para filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, Os Cafajestes (1962), de Ruy Guerra, e Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade. Os cartazes fazem parte do acervo da Cinemateca Brasileira. Também contando um pouco da história do cinema, será realizada no Sesc Pompéia, a exposição Cinemateca Brasileira - 60 Anos em Movimento. A visitação vai até o dia 28 de maio.




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