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P.S.

Revista maio - 2006

 

 

Abra os olhos e apure os ouvidos

por Andréa de Araujo Nogueira



"Você testemunha grandes e pequenos episódios
que estão acontecendo a sua volta.
Um dia será chamado a contar também.
Então, verá que o tecido das vidas mais comuns
é atravessado por um fio dourado:
esse fio é a história."

BOSI, E. Velhos Amigos. Cia das Letras, 2003, p. 10.


Deparei com a minha ao deslizar pelas irregulares e estreitas ruas da cidade de Amparo, interior de São Paulo. Terra do café, estagnada pela perda da Mogiana, era no Museu Bernardino de Campos, com peças familiares, e nas contações do meu avô que eu encontrava acolhida. Nas nossas tardes, o "seu" Horacílio, com os olhos azuis do infinito, voltava às memórias de prefeito, contando os percalços políticos dos tempos de Getúlio Vargas. A história, para mim, estava ali, em casa. Tempos depois, era natural me achar entre papéis e documentos talhados pelo pó, buscando registros que oferecessem elementos para as pesquisas. Sem glamour algum, o trabalho do historiador é movido pela curiosidade, feito de pequenas alegrias, quando finalmente conseguimos alinhavar os documentos e objetos na teia humana do cotidiano.


Entre todos os estudos humanos, a história realiza o diagnóstico de nossa permanência. Enquanto disciplina, deixou há muito de ser pensada como mera seqüência de episódios, para se constituir nas percepções do saber humano, contribuindo para a capacidade que os homens têm de se orientar e conviver socialmente.


As relações estabelecidas entre ficção e história, tão em voga ultimamente, constroem mecanismos de alusão recíproca, segundo Júlio Pimentel Pinto (2006). Sem o rigor dos laços com a veracidade, tão cara à história, a ficção sintoniza os elementos que possam atualizá-la, ao nos identificar afetivamente com os indivíduos que a fizeram, ou com seu contexto. O cinema recorreu muitas vezes aos entraves da história para produzir de clássicos, como Ben-Hur (1959), O Incrível Exército de Brancaleone (1965), Danton, o Processo da Revolução (1982), Gladiador (2000), a nacionais, como Xica da Silva (1976), Mauá, o Imperador e o Rei (1999) e Olga (2004). A história permeou temas de romances, como O Chalaça (José Roberto Torero) e Agosto (Rubem Fonseca), passando por Império (Gore Vidal) e Memórias de Adriano (Marguerite Yourcenar), entre tantos outros. Atualmente, os acontecimentos históricos popularizam-se e são argumentos de novas publicações, aproximando o público interessado tanto dos fatos significativos e transformadores da humanidade - como as grandes guerras e biografias - quanto das pesquisas acadêmicas contemporâneas, que recorrem a diversas fontes como objeto de estudo, entre eles, os aspectos da história cultural brasileira.


Ao encontrar nas vertentes do trabalho no Sesc São Paulo a memória preservada na produção cultural - desde a caipira em Terra Paulista: Histórias, Arte, Costumes, exposição realizada no Sesc Pompéia, e Luzes do Império: D. Pedro II e o Mundo Judaico, realizada Sesc Vila Mariana, aos projetos musicais que tratam da cultura popular, como o trabalho do grupo A Barca, que refez o caminho trilhado por Mário de Andrade em seu O Turista Aprendiz, e o atual Obra Viva, no Sesc Pompéia, que visita a obra de grandes músicos, como o compositor e maestro gaúcho Radamés Gnattali e a musa da fossa, a cantora Maysa -, descortinam-se diferentes instrumentos de pesquisa e de escrita histórica, presentes nos hábitos urbanos, como a imprensa, a música, a iconografia (charges, fotos e ilustrações), almanaques, imaginário e os depoimentos orais, remetendo sobretudo a um desejo de uma perspectiva crítica desarraigada da historiografia tradicional, ao abrir possibilidades a todas as camadas sociais de integrar os fragmentos que constituem a história.


A história sempre esteve na moda.


História nossa.

Andréa de Araujo Nogueira é historiadora, doutora em comunicação e técnica do Sesc Pompéia




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