Abra
os olhos e apure os ouvidos
por Andréa
de Araujo Nogueira
"Você testemunha grandes e pequenos episódios
que estão acontecendo a sua volta.
Um dia será chamado a contar também.
Então, verá que o tecido das vidas mais comuns
é atravessado por um fio dourado:
esse fio é a história."
BOSI, E. Velhos Amigos.
Cia das Letras, 2003, p. 10.
Deparei com a minha ao deslizar pelas irregulares e estreitas ruas da
cidade de Amparo, interior de São Paulo. Terra do café,
estagnada pela perda da Mogiana, era no Museu Bernardino de Campos, com
peças familiares, e nas contações do meu avô
que eu encontrava acolhida. Nas nossas tardes, o "seu" Horacílio,
com os olhos azuis do infinito, voltava às memórias de prefeito,
contando os percalços políticos dos tempos de Getúlio
Vargas. A história, para mim, estava ali, em casa. Tempos depois,
era natural me achar entre papéis e documentos talhados pelo pó,
buscando registros que oferecessem elementos para as pesquisas. Sem glamour
algum, o trabalho do historiador é movido pela curiosidade, feito
de pequenas alegrias, quando finalmente conseguimos alinhavar os documentos
e objetos na teia humana do cotidiano.
Entre todos os estudos humanos, a história realiza o diagnóstico
de nossa permanência. Enquanto disciplina, deixou há muito
de ser pensada como mera seqüência de episódios, para
se constituir nas percepções do saber humano, contribuindo
para a capacidade que os homens têm de se orientar e conviver socialmente.
As relações estabelecidas entre ficção e história,
tão em voga ultimamente, constroem mecanismos de alusão
recíproca, segundo Júlio Pimentel Pinto (2006). Sem o rigor
dos laços com a veracidade, tão cara à história,
a ficção sintoniza os elementos que possam atualizá-la,
ao nos identificar afetivamente com os indivíduos que a fizeram,
ou com seu contexto. O cinema recorreu muitas vezes aos entraves da história
para produzir de clássicos, como Ben-Hur (1959), O Incrível
Exército de Brancaleone (1965), Danton, o Processo da Revolução
(1982), Gladiador (2000), a nacionais, como Xica da Silva (1976), Mauá,
o Imperador e o Rei (1999) e Olga (2004). A história permeou temas
de romances, como O Chalaça (José Roberto Torero) e Agosto
(Rubem Fonseca), passando por Império (Gore Vidal) e Memórias
de Adriano (Marguerite Yourcenar), entre tantos outros. Atualmente, os
acontecimentos históricos popularizam-se e são argumentos
de novas publicações, aproximando o público interessado
tanto dos fatos significativos e transformadores da humanidade - como
as grandes guerras e biografias - quanto das pesquisas acadêmicas
contemporâneas, que recorrem a diversas fontes como objeto de estudo,
entre eles, os aspectos da história cultural brasileira.
Ao encontrar nas vertentes do trabalho no Sesc São Paulo a memória
preservada na produção cultural - desde a caipira em Terra
Paulista: Histórias, Arte, Costumes, exposição realizada
no Sesc Pompéia, e Luzes do Império: D. Pedro II e o Mundo
Judaico, realizada Sesc Vila Mariana, aos projetos musicais que tratam
da cultura popular, como o trabalho do grupo A Barca, que refez o caminho
trilhado por Mário de Andrade em seu O Turista Aprendiz, e o atual
Obra Viva, no Sesc Pompéia, que visita a obra de grandes músicos,
como o compositor e maestro gaúcho Radamés Gnattali e a
musa da fossa, a cantora Maysa -, descortinam-se diferentes instrumentos
de pesquisa e de escrita histórica, presentes nos hábitos
urbanos, como a imprensa, a música, a iconografia (charges, fotos
e ilustrações), almanaques, imaginário e os depoimentos
orais, remetendo sobretudo a um desejo de uma perspectiva crítica
desarraigada da historiografia tradicional, ao abrir possibilidades a
todas as camadas sociais de integrar os fragmentos que constituem a história.
A história sempre esteve na moda.
História nossa.
Andréa de
Araujo Nogueira é historiadora, doutora em comunicação
e técnica do Sesc Pompéia
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