A poesia como arte e empoderamento de corpas dissidentes

08/02/2022

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Imagem: Unsplash – Getty Images

Por Jennifer Rabelo de Almeida* e Monise Berno**

A poesia falada vem ganhando as ruas da cidade: são os slams – uma espécie de competição, na qual as pessoas apresentam poesias feitas de improviso ou previamente criadas sem acompanhamento musical e recebem notas de jurados e do público presente.

O slam tem como origem o poetry slam, que significa batida de poesias – um formato criado pelo poeta estadunidense Mark Kelly Smith, na década de 1980. No Brasil, uma das precursoras do formato é Roberta Estrela D’Alva – atriz, MC, pesquisadora, cantora e apresentadora do programa Manos e Minas, da TV Cultura. Para Roberta, o slam “também é meio um programa de auditório, uma diversão, uma roda, um acontecimento, um encontro, sobretudo.”

As batalhas acontecem no mundo todo, algumas em lugares fechados, outras a céu aberto, em praças e outros espaços públicos. Até 2020 Roberta Estrela D’Alva contabilizava aproximadamente 100 slams no Brasil, sendo 98% deles feitos na rua, periodicamente. O sucesso do slam por aqui é tão grande que foi retratada no documentário “Slam – Voz de Levante” e tema de pesquisas acadêmicas, além de vir sendo usada como ferramenta pedagógica nas escolas.

Os eventos costumam atrair pessoas de diferentes realidades, gêneros, territórios e perfis sociais, em especial a juventude, que encontra representatividade e acolhida para dialogar e criar laços usando uma linguagem artística que entende e na qual é ouvida.

Em São Paulo, o slam vem se popularizando nos últimos anos e ocupa tanto bairros periféricos quanto o Centro da cidade. Entre os mais conhecidos estão o Slam da Guilhermina, na zona leste, o Sarau da Cooperifa e o Sarau da 13, na zona sul, o ZAP! Zona Autônoma da Palavra e o Sarau das Mina, ambos itinerantes, a Batalha Dominação, no Centro, o Slam da Norte e o Slam Marginália, o qual pudemos conhecer acompanhando o encontro da ação Juventudes: arte e território, do Sesc São Paulo, pelo eixo palavra.

Slam Marginália é o pajubá tomando de assalto as batalhas de poesia, corpos trans, travestis, não-bináries e todas as identidades dissidentes. Um espaço de reconhecimento, afeto e fortalecimento, pra desakuendar o CIStema valorizando nossa arte babado, marginal e monstruosa.

“Rimando com os marginal

Fumando com a gentalha

O cistema vai cair

No Slam Marginália!” – página do Marginália no Facebook

Ativo desde 2018, o grupo de poesia falada organizado hoje por Abigail Campos Leal – a Bibi –, Carú de Paula, Uarê e Preto Theo é composto por pessoas trans e não-bináries e vai além da arte: o coletivo se tornou uma rede de apoio e empoderamento para seus integrantes.

Antes da pandemia, o Slam Marginália, a batalha de poesia de corpas dissidentes que não sentiam receptividade em outros slams, se reunia semanalmente no Centro da cidade de São Paulo. Com a emergência sanitária, o universo digital tornou-se território aberto para as batalhas e para outras atividades artísticas e educativas promovidas pelo coletivo em parceria com outras instituições, como o zine “Revidar”.

No encontro, jovens participantes do programa foram convidadas(os) a compartilhar poesias enquanto discutiam a diversidade e a arte falada:

“Mas ae

Enquanto a Cássia não aprendeu amar

Eu amo exagerado igual Cazuza

Amor!

Peço desculpas

Por esses versos rasos

Pelo atraso

Te fiz esperar

Igual passageiro

Espera o armênia em dia de feriado”  – por Tauane Ferreira

Fazendo a cobertura educomunicativa do encontro dos jovens do Programa Juventudes do Sesc com o Slam Marginália, pudemos perceber como em cada poema existem histórias já vivenciadas ou imaginadas por pessoas que lutam e resistem todos os dias para sobreviver em um dos países que tem maior índice de assassinato de pessoas LGBTQPIA+, pessoas trans, travestis: só no primeiro semestre de 2021, foram 80 pessoas transexuais mortas no Brasil, segundo relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Pessoas de pele negra ou parda têm mais do que o dobro de chance de serem assassinadas apenas pela cor da sua pele no Brasil; esse grupo representa 77% das vítimas de homicídio no país, segundo dados do Atlas da Violência 2021.

Diante desse cenário estrutural chocante, acompanhar o encontro tornou-se ainda mais marcante, pois conseguimos perceber que em cada poema existe um sentimento e uma emoção diferente, como um grito coletivo que revela, através da poesia, o desejo de chamar a atenção da sociedade para a necessidade de caminharmos juntes rumo a construção de um mundo com mais igualdade e respeito.

*Jennifer Rabelo de Almeida tem 18 anos, é travesti, PCD e mora em São Paulo. Ativista e militante em prol da luta contra a LGBTQPIA+fobia! @jhennystar no Instagram.

**Monise Berno é educomunicadora, mestre em história social, feminista, antirracista, aliada LGBTQIA+ e um ser em constante desconstrução. Cozinheira amadora e pesquisadora autodidata em temas sociais, de política e tecnologia.

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Esse texto faz parte da cobertura educomunicativa da edição 2021 da ação Juventudes – Arte e Território do Programa Juventudes do Sesc São Paulo. Um grupo de jovens da Viração Educomunicação acompanhou a série de encontros virtuais com artistas e coletivos proposta e compartilhou algumas das reflexões e atravessamentos provocados a partir destes encontros em textos e peças gráficas.

Veja mais sobre o juventudes Arte e Território.

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