CIDADE PELA VIDA | entrevista com Raquel Rolnik

31/03/2022

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Leia a edição de abril/22 da Revista E na íntegra

QUESTÕES COMO ACESSO À MORADIA E MOBILIDADE PODEM SER RESPONDIDAS POR OUTRO MODELO DE ESPAÇO URBANO, SEGUNDO A ARQUITETA E URBANISTA

A cidade é um organismo vivo. Forjada por decisões políticas e econômicas, ela está em constante processo de transformação. Ao produzir conflitos e desigualdades, o espaço urbano constitui uma sociedade e seu tempo. Em São Paulo, por exemplo, durante a pandemia da Covid-19, espaços públicos e áreas verdes passaram a ser ainda mais valorizados por alguns estratos da população, a vulnerabilidade a que estão expostos os usuários do transporte coletivo ficou evidente, bem como o quadro de emergência habitacional.

Afinal, é possível mudar os rumos de uma cidade? Para a elaboração de novos caminhos, em seu mais recente livro, São Paulo: O planejamento da desigualdade (Editora Fósforo, 2022), com prefácio do rapper Emicida, a urbanista e arquiteta Raquel Rolnik nos convida a olhar para o passado e questionar quais decisões de política urbana e planos que estruturam a cidade mais populosa do país – com mais de 12 milhões de habitantes – precisam ser revistos. Para Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), é imprescindível pensarmos num modelo de cidade que proteja a vida. “Para termos uma cidade voltada para a promoção e proteção da vida é preciso uma política urbana que promova a experiência de sermos corpos saudáveis: na moradia, na circulação, nos espaços públicos. Parece óbvio, mas precisamos ter isso como parâmetro para repensar as nossas cidades no próximo milênio ”, destaca.

Centro e periferia. Há uma definição específica para cada um desses espaços na cidade quando há uma população em estado de vulnerabilidade em todas as regiões do espaço urbano?

Podemos responder essa questão usando muitas escalas. Nós, Brasil, somos a periferia do capitalismo em relação à Europa, aos Estados Unidos. Então, centro e periferia compõem uma relação multiescalar. Dito isso, a gente tem uma explicação histórica, uma descrição histórica do modelo de desenvolvimento urbano no Brasil mostrando que este modelo marca-se predominantemente pela concentração da qualidade urbanística, da infra-estrutura, dos maiores valores e das populações de mais alta renda em áreas mais centrais e uma expulsão permanente dos setores de menor renda para fora dessas áreas, portanto para as áreas periféricas. É preciso pensar também que isso foi marcado desde os anos 1940, e que coincidiu com o período de grande migração do campo para as cidades brasileiras, num processo marcado pela autoconstrução da própria casa e do próprio bairro pelos trabalhadores e moradores de menor renda. Essa é uma diferença base porque, enquanto nas áreas urbanizadas melhor servidas você tem primeiro um processo de urbanização e de preparação onde depois vem a moradia, a periferia é também definida por um processo de urbanização ex post [após o fato], ou seja, ela vem depois que as pessoas já estão ali e durante um longo período de consolidação do habitat, o que envolve muita luta, muita reivindicação, muita negociação política. Posto isso, hoje é necessário complexificar esse modelo e essa descrição de periferia.

De que forma? 

É necessário complexificar esse modelo e essa descrição de periferia porque periferia não é homogênea. Pelo contrário. Hoje, na cidade de São Paulo, nós temos muitas centralidades nas periferias que se constituíram: centralidades comerciais, centralidades de serviços, de emprego, de oferta cultural. Então, esse modelo não consegue mais descrever tão claramente esse processo, porque a periferia é extremamente heterogênea  e não pode ser enquadrada como cidade dormitório e também porque esse processo invisibiliza a presença de um território popular em áreas centrais. A gente se acostumou a pensar: território popular na cidade de São Paulo é igual à periferia sem ver que, por exemplo, o centro da cidade de São Paulo é uma área em disputa porque ali existe – e resiste – um território popular histórico permanente e que ainda luta pela sua possibilidade de continuidade Então, acho que é importante complexificar esse modelo centro/periferia.

Não há levantamentos estatísticos precisos, mas é notório o aumento de famílias vivendo sob viadutos, nas calçadas, em marquises de prédios. Que modelos ou soluções vêm sendo pensadas por arquitetos e urbanistas para essa crescente faixa da população? 

Antes da pandemia, a gente já estava vivendo o que já chamamos de emergência habitacional. A combinação da financeirização do espaço construído que é o que a gente vê, esse boom imobiliário, esse boom em São Paulo teve muito mais a ver com a disponibilidade de capital financeiro que não encontrava remuneração em função da taxa baixa de juros em outros setores e que, assim, corre para o setor imobiliário e vai tomando a cidade. Soma-se ainda uma perda de renda a partir de 2014 e nos anos seguintes, com o aumento da crise econômica, maior desemprego, subida inclemente do preço dos imóveis tanto para compra quanto para aluguel. Então, renda baixando e preço dos imóveis subindo é um coquetel molotov de crise habitacional. Cada vez mais gente tem menos capacidade de arcar com as despesas do aluguel ou da compra da casa. Junto a isso, a gente teve desde 2016/2017 zero política habitacional, especialmente para os setores de menor renda. Então, não tem política habitacional, não tem oferta possível no mercado para aumento ou distribuição da renda e assim, o que vimos aumentar? A população na rua. Famílias inteiras na rua e ocupações de novas áreas – uma expansão de fronteiras com ocupações muito precárias como não se via desde os anos 1990 em São Paulo. Evidentemente, a única resposta, além de distribuição de renda de maneira ampla na sociedade, para que mais gente possa participar do mercado habitacional – só que isso não acontecerá em curto prazo. Precisamos de uma política pública de moradia para promover o acesso à moradia para quem tem menos recursos. Infelizmente não temos nem uma coisa, nem outra.

“UMA CIDADE QUE É MAIS DESCENTRALIZADA DO PONTO DE VISTA
DE OFERTA DE SERVIÇOS, DE EMPREGOS E DE OPORTUNIDADES
CULTURAIS TAMBÉM VAI EXIGIR MENOS DESLOCAMENTOS RADIAIS”

Outra consequência da pandemia da Covid-19 foi a possibilidade do teletrabalho ou do trabalho híbrido. Isso também deve mudar a forma como nos relacionamos com a cidade? 

Eu sempre faço o seguinte alerta: o percentual da população da cidade que migrou para o teletrabalho é pequeno. A gente tem uma visão “classe médiocêntrica”, então, dentro dos espaços de trabalho da classe média ampliou o teletrabalho, mas isso não é uma realidade para a maior parte da população nem antes, nem durante e nem depois da pandemia, que continuou se deslocando e trabalhando presencialmente. Portanto, quando se fala: “Agora vai todo mundo morar na praia ou na montanha”; “Não vai ter mais ninguém na cidade”. Quem, cara pálida? Essa é uma visão muito restrita do processo da cidade. Pode haver um efeito sobre os bairros de classe média, mas a cidade continua sendo tocada presencialmente na maior parte das atividades que ela tem. É uma pena, porque é exatamente essa visão “classe médiocêntrica” que, por exemplo, não previu nenhuma proteção para quem usa o transporte coletivo durante a pandemia, porque a classe média está isolada. Mas, e as pessoas que estão circulando? Como protegê-las? Em vez da pergunta principal na estratégia de proteção na pandemia ser como proteger quem está circulando, a proposta é: “Fica em casa”. Só quem pode ficar em casa é um número determinado de pessoas que executam determinadas tarefas, quem tem uma boa internet, um bom equipamento…

Arquiteta e urbanista Raquel Rolnik é entrevistada pela Revista E - foto: Adriana Vichi

E em relação a uma maior ocupação das ruas, de áreas ao ar livre e de espaços públicos, como praças e parques. Isso de fato vem acontecendo?

Se você for olhar a periferia, a vida na rua sempre foi absolutamente presente em função até da exiguidade do espaço doméstico, ou seja, em função do fato de o espaço doméstico ser pequeno. Então, quem viveu enfiado dentro de um condomínio fechado, all inclusive, é a classe média que descobre a rua agora num movimento que é importante, mas, de novo, não é um movimento da totalidade. Uma parte importante da cidade sempre viveu na rua e as atividades são na rua, como os bailes funk. No meu livro São Paulo: O planejamento da desigualdade, eu conto um pouco essa história de como ao longo dos anos 1990 a cidade foi se fechando em condomínios, em shopping centers e como foi que se deu um movimento de ruptura disso no sentido de apropriação do espaço público, de praças etc. Uma parte da classe média rompeu com a ideia do enclave, foi procurar esses espaços e fez esse movimento que, inclusive, se tornou uma política pública. Isso tem a ver com cicloativismo também, com a ideia do uso da bicicleta como meio de transporte. São mudanças que já estavam em curso na cultura urbana.

Ainda sobre espaços públicos, vêm-se discutindo muito a implementação de hortas urbanas como forma de abastecimento local de alimentos e como solução para graves questões como alagamentos, por exemplo. Como você vê esse movimento? 

Não há a menor dúvida de que o modelo de cidade que temos, totalmente impermeabilizado, coberto de concreto, com o viário coberto de asfalto, estrangulando os rios em canais fechados, limitando a presença da natureza na cidade tem contribuído para a piora e para a provocação de desastres a cada chuva mais intensa. A culpa não é da chuva. A culpa é a forma de ocupação da cidade e já está mais do que na hora de repensá-la na direção de outro tipo de relação com a natureza e, sobretudo, considerar a presença dos rios, das águas, a presença das áreas verdes.

Não resta a menor dúvida de que áreas verdes impactam tremendamente não só na temperatura da cidade como também na capacidade de absorção de água da chuva, no controle da poluição e em muitas outras coisas. Quando a gente fala do modelo de ocupação da cidade, esse modelo totalmente baseado na rentabilidade do espaço e que estrangula o rio para sobrar mais área para lotear, que asfalta tudo para o carro correr bem rápido, para aumentar a velocidade da circulação do capital, enfim, estamos falando desse modelo, ele é irmão do modelo de ocupação do campo e de produção do alimento em enormes latifúndios, da mobilização do veneno e do alimento transgênico para aumentar a produtividade.

Tudo isso também gera impactos enormes no meio ambiente e na saúde. Então, repensar a questão do alimento também faz parte de repensar como é que a gente pode se reorganizar como humanos na relação com o território e aprender, inclusive, outras formas de se relacionar. Acho que é menos relevante a discussão “Seriam hortas urbanas capazes de alimentar todo mundo?”, e mais relevante a questão: “Como as hortas urbanas questionam o modelo atual [de produção de alimentos e de cidade] e como elas trazem outra resposta?”.

“A PERSPECTIVA DO DIREITO À CIDADE É UMA PERSPECTIVA MAIS IGUALITÁRIA
NO SENTIDO DE QUE AS CONDIÇÕES DE VIDA, INCLUSIVE AS CONDIÇÕES
MATERIAIS DE VIDA NA CIDADE, NÃO DEVERIAM SER TÃO DESIGUAIS”

Pensar em soluções para a mobilidade urbana, especialmente num contexto de grandes centros urbanos como São Paulo, é importar propostas de outros países, como França e seu de Cidade de 15 minutos, defendido pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo? Ou estaríamos apenas vislumbrando um cenário que não se ajusta à realidade das cidades brasileiras?

Em termos de dimensão e de densidade, você consegue comparar a cidade de São Paulo com Tóquio e com algumas cidades chinesas, mas não dá para compará-la com Paris. É totalmente diferente não só em dimensão, como em densidade de circulação, nível de desigualdade etc. A gente tem que pensar a partir da nossa realidade. O bom e velho trem, metrô, ou seja, o transporte sobre trilhos é essencial numa cidade como São Paulo, considerando as distâncias que a gente percorre. Uma cidade que é mais descentralizada do ponto de vista de oferta de serviços, de empregos e de oportunidades culturais também vai exigir menos deslocamentos radiais. Mas você vê que o próprio modelo de circulação na cidade de São Paulo reforça a concentração. Nosso sistema de circulação inteiro é radial: é levar do bairro para o centro. Ao fazer isso, você concentra o que já está concentrado. Se houvesse mais ligações entre os bairros, você fortaleceria muito mais a centralidade dos bairros. Estou falando de uma forma da gente repensar esse modelo e intervir sobre ele.

“PRECISAMOS DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE MORADIA PARA PROMOVER
O ACESSO À MORADIA PARA QUEM TEM MENOS RECURSOS”

Está em evidência um debate sobre novos modelos de cidade, como Cidade Educadora e  Cidade Amiga da Criança. Qual sua reflexão e análise sobre esses modelos? 

A gente tem movimentos que vêm de vários lugares. Então, a turma da segurança alimentar e nutricional pensa a cidade a partir da ideia do alimento e começa a trabalhar a horta. A turma das áreas verdes repensa a cidade a partir da infra-estrutura verde, a turma da educação coloca para gente que não tem mais sentido pensar a educação como uma coisa confinada no prédio escolar e imagina a possibilidade de todo espaço urbano ser educador. Então, acho que o que estamos vendo e vivendo são questionamentos e experiências práticas que vêm de vários lugares, de vários pensamentos nesse momento. O que elas têm em comum é mostrar a falência de um modo hegemônico de organizar o território e a relação das pessoas com o território, e a partir disso levantar a proposta de rever esse modelo e imaginar outros futuros possíveis.

Arquiteta e urbanista Raquel Rolnik é entrevistada pela Revista E - foto: Adriana Vichi

No final, todos esses modelos acabam falando (cada qual em seu espectro) do direito à cidade?

Não necessariamente. A perspectiva do direito à cidade é uma perspectiva mais igualitária no sentido de que as condições de vida, inclusive as condições materiais de vida na cidade, não deveriam ser tão desiguais. E quem pensa o direito à cidade pensa por um lado nisso: em não haver tanta desigualdade nas condições materiais de vida, como moradia, circulação, usufruto do espaço público. Mas, há uma outra dimensão do direito à cidade que é uma dimensão política, que tem a ver com protagonismo e processo decisório. É um pouco a discussão de quem são os sujeitos no processo de definição do destino da cidade. Porque a cidade é algo que vai se transformando e a gente tem políticas públicas que incidem sobre esses processos de transformação e também tem iniciativas individuais e coletivas que vão incidir.

Do ponto de vista da política pública, o que dá para a gente dizer é que esse modelo atual é um modelo pensado por e para homens brancos de classe média. Então, a perspectiva feminista, ou a perspectiva de gênero, de pensar uma cidade para todos do ponto de vista de outros modos de se apropriar da cidade, ou também pensar a cidade do ponto de vista racial e de outras culturas de como a gente pode ter uma cidade antirrracista, tudo isso pressupõe um processo de decisão sobre as políticas públicas em que os sujeitos possam ser aqueles que foram historicamente excluídos do modelo atual. Quem inventou esse modelo de asfalto, esse modelo de encanar rio, de montar uma superestrutura de concreto para cuidar do saneamento, de circular por meio de automóvel queimando óleo diesel? Quem quer isso? A história do direito à cidade tem muito a ver com o que os moradores, os residentes na cidade podem fazer, como podem participar muito mais da definição tanto de seu destino individual quanto de seu destino coletivo. 

Estamos vendo, atualmente, o bairro de Pinheiros passar por um processo de demolição de casas e construção de prédios e condomínios, mas a história se repete nos últimos anos em outras regiões da cidade. É possível evitar esse processo de gentrificação? Ou esse é um caminho sem volta para as grandes cidades?

Não tem caminho sem volta e a gente tem que acreditar nisso. Essa minha observação é empírica, não é teórica. No livro [São Paulo: o planejamento da desigualdade], eu retomo os momentos de inflexão e de mudança de modelo de cidade que aconteceram na história de São Paulo. Por que aconteceram naquele momento? Quais eram as opções e por que foi tomada essa opção? Por quem? A cidade de São Paulo no começo do século 20 até os anos 1920 era uma cidade densa e compacta que só se movimentava a pé e sobre trilhos – bondes e trens. Isso foi radicalmente transformado na direção do modelo rodoviarista. E essa foi uma opção. Houve uma discussão e se tomou a decisão, num determinado momento, numa conjuntura que alinhou determinados interesses. Por que eu coloco isso? Porque a cidade já deu muitas viradas e ainda vai sofrer muitas outras. Não é São Paulo. Há histórias incríveis de cidades que se reinventaram completamente.

Então, eu acredito que São Paulo possa se reinventar, mas essa é uma questão política, não no sentido partidário. E sim, quais movimentos terão força suficiente para exigir, demandar e impor uma mudança radical em outra direção. Então, a pergunta central que a gente tem que fazer é: Quem manda na cidade hoje? Se a gente mudar esse eixo de poder, a gente é capaz de mudar o modelo de cidade sim. E São Paulo tem uma dinâmica tão forte, tão intensa, que eu acredito, inclusive, que uma mudança pode ser rápida. Essa é uma cidade muito dinâmica não só porque ela concentra capital, imaginações, especialidades, capacidades, mas também porque é uma cidade que tem uma dinâmica de transformação muito forte e a gente vê isso. Dito isso, como é que a gente trabalha essa questão de Pinheiros e que também vem acontecendo na Vila Mariana? A mudança que está acontecendo hoje nessas regiões é fruto de um projeto que foi discutido amplamente e que foi votado. Chama-se Plano Diretor de São Paulo. O que está acontecendo não é decorrente da falta de um plano, mas da presença deste plano que concentrou e ofereceu para o setor imobiliário altíssimos potenciais construtivos em determinados locais. 

Mesmo que esses locais não comportassem esse processo de verticalização?

A ideia original desse plano era de que seria muito bom criar mais espaços de moradia por neles haver uma infraestrutura de transporte coletivo de massa – leia-se metrô e corredor de ônibus exclusivo. Para isso formulou-se a ideia de que nesses locais, esses prédios não teriam garagem e os apartamentos deveriam ser muito mais baratos e acessíveis. Mas,  infelizmente, o que foi feito não foi isso. Por várias razões, entre elas porque na aprovação do zoneamento se permitiu  os apartamentos com garagens. Essa é uma tese que eu defendo no livro: as coisas que vemos em São Paulo são fruto de política pública e não da falta dela, o que abre a seguinte questão: outras políticas públicas são possíveis. E mesmo em relação a Pinheiros. Agora vamos ter uma revisão do Plano Diretor, e se tiver acontecendo alguma coisa descontrolável, ela tem que ser interrompida. E isso é totalmente possível. É lei. Então, é possível que a gente possa barrar esse processo [de gentrificação]

“EU ACREDITO QUE SÃO PAULO POSSA SE REIVENTAR”

Há também o desafio na questão da moradia para uma população que vem envelhecendo dado o aumento da expectativa de vida no país. Que análise você faz desse cenário?

Já estamos vivendo uma transição demográfica bem clara: muito menos crianças e cada vez mais idosos. Vou dar o exemplo da política de moradia. O imaginário da política de moradia é: papai, mamãe e filho na casa. A realidade da moradia hoje tem pouco a ver com esse cenário. Isso existe, é verdade, mas está longe de ser o único modelo. A gente começa a ver milhares de famílias monoparentais especialmente lideradas por mulheres sozinhas, bem como muitas famílias extensas cujos arranjos de moradia, a sogra com a tia, a mãe e tal, que às vezes é lido como a falta de moradia, mas ali há uma dimensão da organização do cuidado: quem sai para trabalhar, quem fica com criança etc. Além disso, há muitos idosos morando sozinhos. Sobretudo mulheres idosas.

Então, é como se tudo isso não existisse e a gente, de novo, volta à questão da visão “classe médiocêntrica”, que trabalha um modelo único, um paradigma que não se relaciona com as necessidades reais. Acho que quando você pergunta: Será que todos esses modelos – Cidade Educadora, Cidade Amiga da Criança – não estão procurando a mesma coisa? Acho que se a gente quiser sintetizar isso numa frase, eu diria: Cidades que Protejam a Vida, cidades que promovam a vida. Se usarmos isso como paradigma, poderemos estendê-lo para todos os campos. Por exemplo, a circulação sobre pneus provoca acidentes e poluição. Temos aí uma das causas mais importantes de morte na cidade de São Paulo, que são as causas respiratórias em função da poluição e a poluição hoje não é mais a poluição industrial, mas a poluição de carros, ônibus e caminhões. Então, quando você fala de uma Cidade de Proteção à Vida, você não pode mais continuar com a mesma matriz de circulação, porque essa matriz atual é contra a vida. Quando você fala do alimento, comer algo transgênico que te provoca doenças, isso também não é defesa da vida.

A política da vida é ter um corpo saudável numa cidade que te permita isso tanto do ponto de vista do espaço, quanto do ponto de vista da moradia e da circulação. Parece óbvio, mas precisamos ter isso como parâmetro para repensar as nossas cidades no próximo milênio. E, claro, pensar quais são os requisitos para a vida autônoma e prazerosa dos idosos e das idosas. Acho que essa é uma reflexão fundamental nesse momento.

ENCURTAR DISTÂNCIAS

Como a cidade pode ser continuamente transformada pelos seus atores e se expandir para além das fronteiras físicas? E como o exercício do direito à cidade nos ajuda a imaginar e construir coletivamente os nossos diversos territórios? Essas e outras questões são norteadoras para as reflexões da mostra Cidade para pessoas, realizada no Sesc Bom Retiro até 28 de maio. A mostra faz parte do projeto Isto Não é um Mapa, em curso desde 2020, e que traz, dessa vez, uma série de cartografias afetivas, poéticas, sociais e micropolíticas em múltiplas linguagens, que exploram e refletem sobre os diferentes desdobramentos temáticos sobre a cidade. Com um olhar atento para a diversidade de raça, de gênero, e também territorial, o projeto busca conectar o público com diferentes espaços da cidade a partir de uma programação que reúne debates, espetáculos teatrais e musicais, exibições de cinema e outras ações. Confira!

A EDIÇÃO DE ABRIL/22 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!

Nas páginas deste mês, você descobre maneiras de alcançar qualidade de vida e bem-estar a partir de iniciativas que defendem a desaceleração da sociedade do desempenho e o estímulo à reconexão humana e com o meio ambiente. Aproveite para conhecer o projeto Inspira – Ações para uma vida saudável, com ações em diversas unidades do Sesc São Paulo.

Além disso, a revista de abril traz outros destaques, como o projeto Quadro a Quadro, que ocupa as redes sociais do Sesc Pompeia com HQs inéditas; um apanhado visual das obras que compõem a 30ª edição da MAJ – Mostra de Arte da Juventude, do Sesc Ribeirão Preto; um passeio poético por fotografias de janelas da capital paulista; um depoimento da cantora Fernanda Takai sobre o disco recém-lançado, pandemia, fake news, processo criativo e maternidade; um perfil de Mário de Andrade (1893-1945), vanguardista paulistano que foi um dos protagonistas do movimento modernista; uma entrevista com a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik sobre mobilidade e acesso à cidade; o relato de Eduardo Góes Neves, arqueólogo e historiador que conduz pesquisas na região amazônica e que, neste mês, estreia uma série no Sesc TV; e dois artigos que, no mês em que se celebra o Dia Mundial da Saúde, refletem sobre a questão social das drogas.  

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