Ed. 85 – Aprendizagem ao longo da vida e a educação não formal para as pessoas idosas

16/01/2024

Compartilhe:

Ilustração: Rômolo D’Hipólito

Resumo 

O processo de aprendizagem é um fenômeno central na vida dos seres humanos, o qual ocorre constantemente e ao longo do ciclo vital. De maneira didática, a expressão de aprendizagem ao longo da vida reflete a sinergia entre as modalidades educativas formais, não formais e informais. Neste artigo, apresentamos a terminologia da educação não formal e a compreensão deste conceito nas propostas de aprendizagem para as pessoas idosas. Destacamos a trajetória histórica, as principais características e as pesquisas relacionadas aos programas de educação não formal
para as pessoas idosas, considerados pioneiros e de grande referência no contexto internacional e no Brasil.

Palavras-chave: aprendizagem ao longo da vida; educação não formal; pessoas idosas; longevidade.

Por esta perspectiva, é possível compreendermos que o processo de aprendizagem e do envelhecimento, ambos complexos, se entrelaçam ao longo de toda a vida, promovendo experiências pessoais únicas. Como aprendizes, as pessoas assimilam valores e se integram às situ- ações e vivências que permitem o seu aprimoramento, apresentando diferentes recursos pessoais e perspectivas de vida que influenciam no curso de seu desenvolvimento ao longo da vida (CACHIONI, 2018). Contudo, não apenas a aprendizagem transforma as pessoas, mas por meio delas também afeta e provoca mudanças nas organizações e instituições das quais fazem parte (RASMUSSEN, 2018). 

O aprender por toda a vida é uma necessidade humana, a qual ocorre desde antes o nascimento (com aprendizagens pré-conscientes no útero materno) e continua até a perda da consciência, antes de morrer. Para Jarvis (2013), a aprendizagem é um processo pessoal, tanto do ponto de vista existencial quanto experiencial, fruto da relação entre a pessoa e o mundo (aspectos culturais e sociais). Assim, a aprendizagem ocorre em uma situação social, em que é a pessoa inteira (corpo e mente) que aprende, assumindo novas possibilidades de pensar e agir. Os fatores que compõem o processo de aprendizagem – conhecimentos, habilidades, atitudes, valores, crenças, emoções, sentidos, senso de identidade, entre outros – são modificáveis através do tempo e promovem a transformação total da pessoa (JARVIS, 2013). 

Neste artigo, apresentamos o conceito amplo da aprendizagem para subsidiar a análise sobre a educação não formal. De maneira mais específica, daremos enfoque às atividades educativas não formais direcionadas às pessoas idosas, com a apresentação de pesquisas referentes à temática e exemplos de programas pioneiros no mundo e no Brasil. 

APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA 

A expressão “aprendizagem ao longo da vida” (lifelong learning) é am- plamente aceita e utilizada em contextos variados. De forma flexível e adaptada, a terminologia está presente nas áreas educacionais, polí- ticas, econômicas e culturais, entre outras (DEHMEL, 2006). O termo é abrangente e advém dos debates sobre a relevância da educação de adultos, reafirmando a compreensão de que o processo da aprendizagem está presente em todas as fases do ciclo vital. Segundo Delors et al. (1996), a aprendizagem ao longo de toda a vida consiste em um processo continuum de emancipação política e social, com impactos no desenvolvimento dos indivíduos e de suas comunidades. Portanto, a essência da aprendizagem ao longo da vida está no aprimoramento das capacidades individuais e competências pessoais de aprender.

Neste sentido, cada pessoa trilha o próprio percurso de aprendiza- gem, adequando-o às suas necessidades e interesses em todas as fases da vida. Por esta compreensão, a aprendizagem não ocorre apenas vinculada à educação institucionalizada, desde a pré-escola até a educação de adultos (preparação para o mercado de trabalho), mas também em diferentes contextos, dentro e fora das instituições.

Este debate marca o movimento da “educação para a aprendizagem”, o qual obteve maior ênfase entre as organizações intergovernamentais na década de 1990 (CACHIONI; FLAUZINO, 2022). Embora encontramos uma tendência comum em utilizar o termo da educação ao longo da vida (lifelong education) como sinônimo de aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning), é importante destacar que, apesar da similaridade, os dois termos possuem diferenças conceituais. Enquanto o primeiro refere-se à provisão de oportunidades de aprendizagem vinculadas ao ensino sistemático e intencional, mantido e regularizado por órgãos políticos e deliberado aos níveis local, nacional e global, o segundo termo apresenta a compreensão ampla da aprendizagem, a qual não se restringe aos períodos iniciais de vida ou de preparação para o trabalho, sendo incorporada em distintos contextos educativos – formal, não formal e informal (JARVIS, 2005).

Assim, o processo de aprendizagem acontece por variadas formas, em diferentes espaços e o tempo todo (FERNANDES; GARCIA, 2019). A Figura 1 demonstra o modelo das dimensões da aprendizagem ao longo da vida, reunindo a dimensão temporal (lifelong, representado pela linha vertical) e a diversidade de contextos educativos (lifewide, representado pela linha horizontal).

Contudo, Delors et al. (1996) reforçam a necessidade de uma cultura educacional que integra e complementa os contextos da aprendizagem (formais, não formais e informais), superando a limitação de idade cronológica. Assim, a separação entre a formação profissional da aprendizagem geral ou a de educação de pessoas idosas e adultos para aquela voltada aos jovens perde o sentido, pois cada tipo de aprendizagem influencia e complementa a outra.

Porém, para alcançar a conectividade e sinergia entre os contextos educativos, torna-se necessário distinguir e demarcar as principais diferenças entre eles; pois ainda se tem a representação dominante no senso comum de que a aprendizagem é restrita ao processo escolar e ocorre apenas em instituição de ensino (GOHN, 2020). As características inerentes de cada contexto educativo que compõe a aprendizagem ao longo da vida podem ser resumidas conforme Gohn (2006) e Gadotti (2005) apresentam:

• a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas e universidades, com conteúdos previamente demarcados, com objetivos claros e específicos. O currículo é definido por uma diretriz educacional cen

tralizada, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas a nível nacional;

• a educação não formal é aquela que se aprende via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. É mais difusa, menos hierárquica e burocrática, desta maneira, pode ou não seguir um sistema sequencial ou conceder certificados de aprendizagens. A duração é variável e flexível, respeitando as diferenças e capacidades de cada educando;

• a educação informal é aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – na família, no bairro, no clube, com amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados.

A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL

No cenário internacional, o uso da terminologia educação não formal pode ser encontrado nas publicações de estudos realizados por teóricos e educadores no início do século XX, antes mesmo de o termo ser cunhado (GOHN, 2020). A educação não formal ganhou maior popularidade após a Segunda Guerra Mundial, quando a utilização conceitual da nomenclatura non formal education foi apresentada na conferência educacional realizada em Virgínia (Estados Unidos), patrocinada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para discutir os problemas oriundos do contexto escolar no final dos anos 1960.

Em anos posteriores, o campo da educação não formal passou a ser apoiado por agências intergovernamentais de desenvolvimento – como o Banco Mundial, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Unesco – por entender como o processo educativo pode ser vantajoso economicamente. Após os Estados Unidos, a discussão sobre a terminologia da educação não formal seguiu para a Europa e, tempos depois, surgiu nos debates e produções acadêmicas brasileiros (FERNANDES; GARCIA; 2019).

No Brasil, os processos educativos em contextos não formais ob- tiveram maior visibilidade com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996. De acordo com Gohn (2020), a referida lei abriu caminhos para o debate institucional de reconhecimento da educação não formal ao apresentar o conceito de educação como:

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da socieda- de civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996, art. 1o).

Porém, o termo educação não formal se espalhou pelo país a partir dos anos 2000, quando instituições, organizações e associações passaram a utilizar o conceito para se referir a programas e ações educativas junto às comunidades, relacionadas às temáticas de cidadania, partici- pação, inclusão social, entre outros (GOHN, 2020). Para a pesquisadora Gohn (2020) – uma das pioneiras nos estudos da educação não formal no país –, o conceito da educação não formal está atrelado à aprendizagem que ocorre no “mundo da vida”, por meio de compartilhamento de experiências em espaços e ações coletivas, como nas organizações sociais, movimentos e associações.

Assim, a educação não formal está presente nas formas colegiadas e conselhos gestores de representação da sociedade civil; nos programas de formação sobre direitos humanos; nas aprendizagens de habilida- des e desenvolvimento de competências para o trabalho; na educação na e pela mídia; nas práticas identitárias, com objetivos comunitários, de cidadania e de participação. Como a autora observa, na educação não formal o educador é o outro, ou seja, a pessoa com quem se interage; e os espaços educativos estão envolvidos nas trajetórias individuais e grupais durante a vida, em locais informais.

Contudo, o aspecto principal da educação não formal consiste na presença da intencionalidade pelo ato de aprender, participar, tro- car e transmitir saberes por meio dos processos interativos sociais (GOHN, 2006). Compreende-se, desta maneira, que a educação não formal é “(…) um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de for- mação para a cidadania, entendendo o político como a formação do

indivíduo para interagir com o outro em sociedade” (GOHN, 2020, p. 12). Portanto, essa modalidade educativa é construída por escolhas ou sob certas condicionalidades, e não é algo naturalizado, espontâneo ou dado por características na natureza (GOHN, 2014). O conceito reme- te à formação do ser humano em geral, sendo um direito social para todos, em qualquer idade, com o principal objetivo de uma educação para a cidadania, a qual abrange os seguintes tópicos (GOHN, 2006):

• educação para justiça social;
• educação para direitos (humanos, sociais, políticos, culturais etc.); • educação para liberdade;
• educação para igualdade;
• educação para democracia;
• educação contra discriminação;
• educação pelo exercício da cultura e para a manifestação das diferenças culturais.

De acordo com Fernandes e Garcia (2019), torna-se possível verificar algumas características inerentes do campo da educação não formal tendo como base as organizações e os movimentos sociais e populares: a) apresentar caráter voluntário; b) promover a socialização; c) promover a solidariedade; d) visar o desenvolvimento; e) preocuparse essencialmente com a mudança social; f) ser pouco formalizado e pouco hierárquico; g) favorecer a participação; h) proporcionar inves- tigações e projetos de desenvolvimento; i) serem, por natureza, formas de participação descentralizadas.

Conforme reforça Gohn (2014), a essência da educação não formal é a intencionalidade na ação, ou seja, a existência de uma vontade, umatomada de decisão e a busca de procedimentos para realizá-la. Desta maneira, tornam-se mais evidentes as diferenças conceituais entre a educação não formal e a formal, as quais não se contrapõem e nem são intercambiáveis ou substituíveis (GOHN, 2020; GADOTTI, 2005). Ambos os campos educativos são autônomos e independentes, os quais se relacionam, interpenetram, tangenciam com mobilidade e fronteiras indefinidas, buscando a integração e a valorização das diferentes for- mas de praticar a educação (FERNANDES; GARCIA, 2019).

Em uma análise histórica, o interesse para a promoção de aprendizagens com pessoas idosas surgiu em decorrência da maior compreensão do processo de envelhecimento e das mudanças presentes no curso da vida, principalmente as que se referiam ao trabalho e ao período da aposentadoria (WITHNALL, 2012). Bélanger (2016) acrescenta que o colapso na identidade social e a retomada de investimentos na traje- tória educacional foram os principais fenômenos que impulsionaram a procura por aprendizagens. Como resultado, as oportunidades de aprendizagens não formais direcionadas aos idosos obtiveram grandevisibilidade na segunda metade do século XX, por meio de programas vinculados às universidades e associações.

A educação não formal é a modalidade educativa com maior inves- timento para as pessoas idosas (FLAUZINO et al., 2022), promovendo conhecimentos e informações, ao mesmo tempo em que possibilita e legitima o exercício da cidadania (CACHIONI, 2018). No estudo de revisão organizado por Bortoli e Marchi (2022), as autoras assinalam que as principais motivações das pessoas idosas pela busca pela educação não formal estão vinculadas ao envelhecimento bem-sucedido, ao engajamento, à integração social e ao aprimoramento de capacidades e habilidade; e, de maneira mais específica, à aprendizagem das tecnologias digitais, ao desenvolvimento cognitivo e às práticas de cuidado.

Um país com rica tradição na oferta de programas de educação não formal para as pessoas idosas é os Estados Unidos, com a inaugu- ração dos Institutes for Learning in Retirement, em 1962; seguido por diversas outras organizações americanas, as quais replicaram ou adaptaram o modelo inicial, como o Elderhostel (Road Scholar, desde 2011), fundado em 1975, e o Osher Lifelong Learning Institutes, em 1977 (FOR- MOSA, 2019). Na Europa, as oportunidades de programas deste tipo estão concentradas nas Universidades da Terceira Idade, a qual detalharemos a seguir.

AS UNIVERSIDADES DA TERCEIRA IDADE

O movimento das Universidades da Terceira Idade (U3A) está em operação há mais de 45 anos e representa um marco mundial no que se refere às oportunidades de aprendizagem para os idosos (FORMOSA, 2019). As U3A caracterizam-se como um programa educacional de modalidade não formal direcionado à população de adultos e idosos (CACHIONI, 2018) e podem ser definidas como:

(…) centros socioculturais onde as pessoas idosas adquirem novos conhecimentos sobre temas significativos, ou validam os conhecimentos que já possuem, em um ambiente agradável e de acordo com métodos fáceis e aceitáveis, com o objetivo de preservar a sua vitalidade e a participação na vida comunitária (FORMOSA, 2019c, p.1).

As primeiras U3A surgiram na França, impulsionadas pela promulgação de lei francesa (Lei no 68-978, de 12 de novembro de 1968) que tratava da orientação do ensino superior, obrigando as universidades a serem provedoras e responsáveis pelo processo educativo ao longo da vida. Nesta perspectiva, em 1972, o professor Pierre Vellas coordenou um programa de verão na Universidade de Toulouse com atividades culturais, palestras e visitas guiadas destinadas às pessoas aposentadas. O programa obteve grande repercussão positiva entre os participantes e, no verão de 1973, Vellas planejou uma nova série do programa, sob a denominação de Universidade da Terceira Idade.

Os principais objetivos do programa eram oferecidos aos adultos maduros e idosos um ambiente de aprendizagem culturalmente estimulante, com incentivos ao diálogo entre os pares, exercício da cidadania, ocupação do tempo livre e ampliação das redes sociais (CACHIONI, 2018). Apenas três anos depois de sua fundação, o modelo de U3A de Toulouse já se encontrava estabelecido em diversos países, como Bélgica, Suíça, Polônia, Itália, Espanha e na região de Quebéc, no Canadá (FORMOSA, 2019).

A proposta inicial das U3As gerou uma série de desdobramentos quanto à sua organização e princípios, ocorrendo adaptações de acor- do com as peculiaridades regionais e continentais. Encontramos as U3As divididas em dois modelos principais: o modelo francês e o modelo britânico (inglês ou anglo-saxônico), sendo que este último teve início na década de 1980, especialmente, no Reino Unido (FORMOSA, 2014). No entanto, a miscigenação entre as duas propostas e o desenvolvimento de modelos de U3A alinhados às particularidades políticas e sociais de cada país geraram modelos híbridos e modelos próprios. O Quadro 1 reúne os objetivos gerais de cada modelo, suas principais características e os países que o adotam.

A proposta do programa de U3A chegou à América Latina no início dos anos 1980, por meio da Universidad Abierta (UNI3) no Uruguai, com sede no Instituto de Estudos Superiores de Montevidéu, a qual tomou como base os princípios da UNI3 de Genebra. As UNI3s espalharam-se, primeiramente, pelo Uruguai e depois por outros países da América, como Paraguai, Argentina, Chile, Panamá, Venezuela, México e Brasil (CACHIONI, 2018).

Apesar de contextos sociais distintos entre os países europeus e o Brasil, a internacionalização dos conhecimentos em gerontologia oportunizou o interesse das universidades brasileiras sobre a temática, importando e incorporando a expressão “terceira idade” nas denominações de grupos, centros e programas nacionais para os idosos. Além disso, diretrizes políticas – como a Política Nacional do Idoso (Lei no 8.842, de 4 de janeiro de 1994) e o Estatuto do Idoso (Lei no 10.741, de 1o de outubro de 2003) – reforçaram as competências dos órgãos públicos quanto ao incentivo e fomento de ações educativas direcionadas às pessoas idosas. Dentre as últimas alterações realizadas no Estatuto do Idoso (Lei no 13.535, de 15 de dezembro de 2017), ressalta-se a inclusão da nova redação do artigo 25, com intuito de garantir aos idosos a oferta de cursos e programas de extensão pelas instituições de ensino superior:

Art. 25. As instituições de educação superior ofertarão às pessoas ido- sas, na perspectiva da educação ao longo da vida, cursos e programas de extensão, presenciais ou a distância, constituídos por atividades formais e não formais. Parágrafo único. O poder público apoiará a criação de universidade aberta para as pessoas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de conteúdo e padrão editorial adequados ao idoso, que facilitem a leitura, considerada a natural redução da ca- pacidade visual (NR).

Conforme o disposto no artigo 207 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), as universidades brasileiras possuem autonomia didática-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e devem obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Deste modo, as universidades são responsáveis pela integração entre a apropriação do conhecimento, a produção de novos conteúdos e a intervenção na realidade social. Os programas das U3A vinculados aos espaços universitários representam uma iniciativa importante de aprendizagem não formal para as pessoas idosas, sendo reconhecidos nacionalmente como estratégias de promoção do envelhecimento bem-sucedido.

Embora não se tenha dados recentes sobre o número total destes programas no território brasileiro, o último registro, do ano de 2000, indica 200 unidades (CACHIONI, 2018; PALMA, 2000). Sob a análise das universidades públicas federais, dados mais recentes do levantamento organizado por Silva, Silva e Rocha (2017) sinalizam que do total de 63 universidades, 36 destas apresentavam programas de U3A no ano de 2015.

A dificuldade em mapear as U3A brasileiras está na ausência de um sistema nacional que permita identificar localização, características das equipes, números de alunos matriculados e metodologias aplicadas por estes programas (NASCIMENTO; GIANNOULI, 2019). Cabe ressaltar a existência de duas organizações que congregam as U3A no território brasileiro: a Associação das Universidades e Faculdades Abertas para a Terceira Idade (Aufati) – que registra as U3A vinculadas às instituições de ensino superior localizadas no estado de São Paulo – e a Associação Brasileira de Universidades da Terceira Idade (Abrunati), que congre- ga as U3As em nível nacional e apresenta como finalidade valorizar a pessoa idosa e sua inclusão na sociedade por meio das ações univer- sitárias. Porém, a busca pelo fortalecimento dos programas das U3As e a necessária rede de informações capazes de contextualizar o pano- rama atual das U3As brasileiras são temas recorrentes de discussão e debates em fóruns e encontros nacionais sobre a temática, como ocor- reu no IV Seminário Internacional da Abrunati, realizado em 2019 na cidade de Aracajú (SE).

No âmbito acadêmico, diversos estudos têm constatado a diversi- dade de atividades educativas não formais ofertadas nos programas da U3A, as quais seguem organizações administrativas e finalidades próprias, alinhadas aos objetivos de cada instituição provedora (CA- CHIONI; FLAUZINO, 2022). Pesquisas demonstram a existência de diversas formas de delinear, planejar e estruturar os programas da U3A no contexto brasileiro, principalmente no que se refere à metodologia e aos recursos físicos, humanos e materiais (OLIVEIRA; WANDER- BROOCKE, 2021).

Várias pesquisas transversais já evidenciaram a importância das U3As para as condições de saúde e qualidade de vida dos seus participantes, embora não existam pesquisas longitudinais que comprovem a relação causal entre a adesão às U3As e a melhoria no bem-estar físico e cognitivo (FORMOSA, 2019c). No contexto brasileiro, pesquisas demonstram a influência positiva na avaliação da sintomatologia depressiva e na percepção de qualidade de vida – domínios físico, psicológico e relacionamentos sociais – com o tempo de participação superior a um ano no programa da U3A (IRIGARAY; SCHNEIDER, 2008); e, ainda, diferenças positivas nos escores da qualidade de vida dos participantes quando comparados aos idosos não participantes desses programas (INOUYE et al., 2018; ADAMO et al., 2017).

Outro estudo com 265 idosos revelou que os participantes veteranos com participação igual ou superior há um semestre letivo apresentaram altos níveis de afetos positivos, ficaram mais felizes e menos desmotivados que os idosos iniciantes no programa da U3A. A pesquisa sugere que a frequência dos idosos no programa pode gerar índices maiores no nível de bem-estar subjetivo, propiciado por situações sociais e educativas significantes (CACHIONI et al., 2017). Conforme destacam Webber e Celich (2007), é possível verificar contribuições positivas da frequência nos programas da U3A na vida pessoal, familiar e nos relacionamentos dos participantes, além de favorecer a maior conscientização do exercício pleno de cidadania, ampliando as possibilidades de participação e engajamento social.

Os motivos que levam as pessoas idosas a ingressarem em programas de aprendizagem são variados e podem estar associados à sobrevivência diante das mudanças complexas do mundo ou à maior satisfação e autorrealização na vida. Em uma pesquisa realizada com 306 pessoas com idade de 50 anos ou mais, os principais fatores motivacionais para a matrícula no programa da U3A foram: aprimorar conhecimentos gerais, investir em desenvolvimento pessoal, aumentar a interação social, aprender mais para ajudar o próximo e empregar o tempo livre de forma lucrativa (CACHIONI et al., 2014). Outros pesquisadores relatam que o cuidado com a saúde, a busca por convívio diário, bem-estar e lazer constituem as motivações principais para participar de práticas de atividade física regular, vinculadas ao programa da U3A (RODRI- GUES; FERNANDES, 2016).

De maneira geral, encontramos nas U3As brasileiras a predominância do modelo francês, embora existam iniciativas pontuais seguindo o modelo inglês, como por exemplo, a experiência da Universidade Sênior de Bagé Dr. Álvaro José de Godoy, no Rio Grande do Sul. Inaugurada em 2016 em um centro para idosos, a Universidade Sênior de Bagé reúne características semelhantes às propostas da maioria das U3As de Portugal, nas quais os professores são voluntários, os componentes curriculares são livres e não há exigências de qualificações, tanto para os professores como para os alunos idosos (GOMES, 2017).

Em comum com esta iniciativa, para além do contexto universitário, verificamos uma série de ações educativas voltadas às pessoas idosas. Destacamos a seguir o programa pioneiro de educação não formal para este público no Brasil.

O Programa Trabalho Social com Idosos (TSI) do Sesc

O processo de internacionalização da gerontologia promovido pelos países que estavam na ponta dos estudos gerontológicos contribuiu para a emergência do interesse pela velhice no Brasil antes que o envelhecimento da população começasse a criar demanda por políticas, serviços e informação nos âmbitos científico e tecnológico, e muito antes que a velhice se configurasse como questão social, acadêmica e profissional (NERI et al., 2010).

Pensar sobre a evolução do campo gerontológico no Brasil exige a consideração da influência do Serviço Social do Comércio (Sesc). No início dos anos 1970, as unidades de São Paulo e de Campinas começaram a desenvolver cursos de preparação para a aposentadoria e de divulgação científica sobre cuidados com a saúde e o envelhecimento, bem como atividades educacionais, de lazer e esportivas nos mesmos moldes das Universidades do Tempo Livre, recém-criadas na França, para amparar as necessidades sociais do então emergente segmento idoso (NERI et al., 2010).

Os primeiros programas educativos para o público mais velho no Brasil foram liderados pela atuação da entidade privada Sesc aproximadamente no mesmo período de surgimento das universidades da terceira idade europeias. O Sesc objetivou favorecer a participação social das pessoas idosas em espaços adequados à convivência, com a inauguração do primeiro grupo de convivência em 1963, nomeado Carlos Malatesta. A iniciativa pautou-se nas experiências educativas americanas, as quais apresentavam grande expansão em seus programas educativos e centros sociais neste período.

Nos anos seguintes, com a sistematização dos métodos e dos objetivos, ocorreu a expansão do trabalho, definido a partir de três propostas principais: o surgimento de novos grupos, que passaram a ser chamados de “centros de convivência”, o oferecimento dos cursos de Preparação para Idade Avançada e Aposentadoria e a criação das Escolas Abertas da Terceira Idade (SESC, 2021).

Os grupos de convivência do Sesc centraram-se na busca por uma efetiva inclusão e valorização social, por meio da melhoria da qualidade de vida (abrangendo todos os domínios) e o exercício pleno da cidadania, composta de direitos e deveres junto à coletividade (FER- RIGNO, 2006).

Nos anos posteriores, a proposta expandiu para as demais unidades do Sesc e, com o aumento da demanda por atividades educacionais diversificadas, houve a criação das Escolas Abertas da Terceira Idade, sendo a primeira inaugurada na cidade de Campinas (SP), no ano de 1977 (SESC, 2021). As atividades socioeducativas tiveram como objetivo a atualização de conhecimentos, mediado por cursos, palestras, seminários, oficinas de música, teatro, dança e pintura. Nas décadas de 1980 e 1990, o programa aprofundou suas preocupações quanto à questão da velhice e da garantia de seus direitos, acompanhando a criação de conselhos estaduais e municipais de idosos e estabelecendo parcerias com universidades.

O início dos anos 2000 foi marcado por eventos científicos, tais como o Encontro Internacional de Gerontologia, em parceria com a Universidade de Barcelona, e o Encontro Nacional de Idosos; e pela parceria com a Fundação Perseu Abramo, que originou a pesquisa Idosos No Brasil – Vivências, Desafios e Expectativas na 3a Idade, cujos resultados inspiraram a criação do projeto Era Uma Vez… Atividades Intergeracionais. O Sesc São Paulo incrementou a iniciativa ao implantar o programa Sesc GerAções, com o objetivo de promover a coeducação entre gerações (SESC, 2021).

No final de 2019, a pesquisa Idosos no Brasil recebeu seu segmento apresentando um comparativo com as informações colhidas em 2006,mas acrescentando 40 entrevistas qualitativas em profundidade para investigar questões que não estavam presentes na edição anterior, tais como moradia, sexualidade, relações familiares, hábitos de consumo, inclusão digital, entre outras.

O programa Trabalho Social com Idosos (TSI) do Sesc desempenhou, ao longo dos anos, uma iniciativa inovadora no país ao contribuir para o desenvolvimento de um novo olhar acerca da velhice e do envelheci- mento. Atualmente, o TSI caracteriza-se como:

(…) um programa de educação não formal e permanente, que tem por principal finalidade a valorização da pessoa idosa por meio das práticas de sociabilidade, da reflexão acerca do envelhecimento, da potencialização e partilha de saberes e da integração com as demais gerações (SESC, 2021, p. 68). As ações do programa organizadas em rede possibilitam a integração, o convívio entre as diferentes gerações e a sensibilização da comunidade, de profissionais e dos próprios idosos para temas relacionados às vulnerabilidades que permeiam a velhice – como por exemplo, a Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa e a Semana de Prevenção de Quedas em Pessoas Idosas.

Ao completar 60 anos de existência, o TSI alia o comprometimento com a luta por direitos das pessoas idosas com atividades caracterizadas pela educação não formal. Importante destacar que este trabalho possui uma trajetória de relevância na gerontologia nacional, podendocontribuir ainda mais com avanços específicos no campo da gerontecnologia, investindo efetivamente, por exemplo, na inclusão e no letramento digital, na gamificação e na robótica como recursos educa- tivos. A necessidade e o interesse pela inclusão digital entre o público idoso representam parte dos resultados apontados pela pesquisa Ido- sos no Brasil de 2019.

Propiciar discussões e ações concretas relativas à Década do Enve- lhecimento Saudável pode ser uma outra importante ação do TSI. Esteprograma concentra-se em quatro áreas de ação específicas de ambientes amigos do idoso, preconceito de idade, cuidados integrados e cuidados de longo prazo. Combater o preconceito, com trabalho qualificado a partir de conhecimentos gerontológicos, é fundamental para que o TSI siga com excelência em suas ações educativas.

Baixe a edição 85 completa da revista Mais 60 aqui.

Clique aqui para ver edições anteriores da Revista Mais 60.

Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.