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O custo da corrupção

CECÍLIA ZIONI

A corrupção desperdiça de 5% a 10% do Produto Interno Bruto brasileiro, calculam especialistas, embora a clandestinidade de atos nesse campo não permita estimativas muito exatas de sua amplidão e incidência. Mesmo assim, esses US$ 4 bilhões a US$ 8 bilhões perdidos são provavelmente o problema menor. Mais que gastar improdutivamente, a corrupção custa muito à sociedade, pois reduz a eficiência na economia, entrava a concorrência leal, solapa a confiança em sistemas políticos, favorece o crime organizado e ainda aumenta os custos de capital por baixar o retorno dos investimentos - sejam públicos ou privados.

Um conceito da nova economia política, ramo recente dessa área de estudos, diz que o índice de corrupção é inversamente proporcional ao nível de investimentos e de crescimento econômico. Já se estabeleceu até uma equação para calcular esse estrago: se o índice de corrupção se aproxima 1 ponto do padrão de desvio normal (2,38%), a taxa de investimentos sobe mais de 4 pontos percentuais e a de crescimento anual da renda per capita aumenta pouco mais de meio ponto percentual.

O cálculo é de Paolo Mauro, economista do Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional (FMI), formado por Oxford e Ph.D. por Harvard. Ele explica, em recente estudo divulgado pelo FMI: um país que consegue reduzir sua classificação no ranking da corrupção digamos de 6 para 8 (lembrando que tem nota zero o país mais corrupto e 10, o menos) vai se beneficiar de um acréscimo de 4 pontos percentuais no seu investimento, com conseqüências positivas no emprego e na expansão econômica. No recém-divulgado ranking da corrupção, calculado pela ONG alemã International Transparency a partir de entrevistas com empresários, o grau atribuído ao Brasil é sofrível, embora esteja um pouco melhor que nas avaliações anteriores. Dentre os 85 países estudados desta vez - o maior conjunto de países desde a instituição do ranking -, o Brasil ficou na 46a colocação, com nota 4 - contra os 3,56 de 1997 e os 2,96 de 1996.

Há movimentos internacionais, liderados pelo FMI, pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), para combate à corrupção. O Brasil participa dessas iniciativas.

Em 1999 deve entrar em vigor a Convenção de Luta contra a Corrupção em Transações Comerciais Internacionais, firmada sob a égide da OCDE em 1996 pelos 29 países membros e outros cinco, entre eles o Brasil. Essa é a primeira convenção negociada pela OCDE com países não membros. Seus signatários se comprometem a preparar legislações nacionais para reduzir a corrupção, a começar, por exemplo, por proibir a dedução fiscal de pagamentos a funcionários públicos estrangeiros para favorecer negócios internacionais (ver adiante).

O Brasil aderiu formalmente à convenção em dezembro de 1997, e esse ato está no Congresso, para ratificação. A convenção entrará em vigência quando formalizada em países que representem um determinado percentual do comércio exterior - o que deve acontecer em 1999, segundo comentário do conselheiro Paulo Roberto de Almeida, chefe da Divisão de Política Financeira e de Desenvolvimento do Itamaraty. O embaixador do Brasil na França, Celso Azambuja, diz que o Brasil tem muito interesse na rápida entrada em vigor dessa convenção, que foi assinada também por Madeleine Albright, secretária de Estado dos EUA, e Dominique Strauss-Kahn, ministro das Finanças, Economia e Indústria da França. "A transparência nas relações internacionais é fundamental", diz ele, acrescentando que serão definidas as penalidades a que devem ser sujeitos funcionários envolvidos em fraude ou corrupção em concorrências internacionais.

Alguns movimentos vêm sendo feitos pelo Brasil no sentido proposto. Dois exemplos citados por Almeida: o país participa, por meio do Ministério de Relações Exteriores, do comitê da entidade que trata da punição de crimes de corrupção; o Ministério da Justiça já criou coordenadorias específicas para assuntos relacionados ao tema, como a de crimes financeiros e a de agiotagem. Está, também, tramitando no Congresso a chamada lei da lavagem de dinheiro.

No começo de setembro, o secretário de Direito Econômico, Ruy Coutinho, foi a Buenos Aires participar de reunião da OCDE sobre o tratamento legal em caso de pagamento de propinas a funcionários públicos. Estiveram também nesse encontro representantes da OEA e da Usaid, a agência governamental dos EUA para desenvolvimento internacional.

Cultura do despachante

O que se faz no país ainda é pouco, comenta Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, doutor em economia pela Universidade de São Paulo e professor da Fundação Getúlio Vargas e PUC (Pontifícia Universidade Católica), de São Paulo. Ele coordena um estudo sobre a corrupção e a burocracia, e é dele a informação de que o Brasil perde 5% a 10% de seu PIB com a atividade dos corruptos e corruptores. Marcos espera, com seu trabalho, iniciado no ano passado, colaborar no combate ao problema fornecendo sugestões para mudanças práticas, uma delas, por exemplo, o aperfeiçoamento da Comissão de Orçamento do Congresso, cuja atuação deve ser transparente e fiscalizada pela sociedade. O professor considera adequada a legislação brasileira, mas absolutamente insuficientes os mecanismos para seu cumprimento.

"Não há cultura para fazer cumprir a lei nem pressão da sociedade civil, da imprensa, entre outros segmentos", diz ele, citando como exemplo a indicação de membros de tribunais de contas, feita pelo Executivo, sujeito desse controle. O estudo do pesquisador está, agora, na fase de identificação de técnicas para mensuração de custos da corrupção.

Os economistas Marcos Fernandes, de São Paulo, e Paolo Mauro, do FMI, têm percepção semelhante quanto às causas da corrupção. Para Marcos, a "cultura do despachante", muito forte no Brasil, é uma delas. Essa cultura "desempenha atividades que os economistas políticos chamam de 'caçadoras de renda' (rent-seeking), e que se fortalecem quando o mercado doméstico é fechado ou muito controlado", explica. Isso propicia a formação de lobbies em todos os níveis, desde o público até o privado. "Quanto mais centralizado o Estado, menor é a capacidade gerencial de os próprios órgãos públicos fiscalizarem o comportamento dos funcionários. Quanto mais descentralizado, quanto mais a comunidade quiser e puder controlar o posto de saúde, a escola, o estoque dos remédios do hospital, melhor", acrescenta.

Mauro indicou, no estudo do FMI, uma série de ações de política que criam ambiente favorável à ação de corruptores: restrições comerciais, com excessiva proteção à indústria local (reservas de mercado), subsídios governamentais, incluindo tratamento especial para a área de recursos naturais (petróleo, ouro, etc.), controle de preços, política de taxas cambiais múltiplas. O economista incluiu nessa lista mais dois itens: a diferença salarial entre funcionalismo público (mais baixo) e empregados privados, e a estratificação da sociedade em etnias.

Vito Tanzi, diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, diz que regulamentações excessivas, centralização na decisão de gastos, política de subsídios no fornecimento de determinados produtos e serviços formam, também, um quadro propício à ação de corruptores e corruptos. Funcionários públicos tendem a ser mais ou menos sujeitos a desvios de conduta dependendo da qualidade da burocracia, do nível salarial dos servidores e burocratas, do sistema de punições a transgressões e da transparência de normas e procedimentos.

Amostra do excesso de regulamentação é, por exemplo, um estudo do Banco Mundial, examinado pela Confederação Nacional da Indústria, há dois anos, em que se calcula como perda de tempo para atendimento de normas legais 14% da jornada diária de trabalho de um empregado em indústria de vestuário brasileira. A esse índice se juntam mais 5% do dia perdido pelos executivos da mesma empresa.

A pesquisa do Banco Mundial comparou custos de transações comerciais em três países latino-americanos: Chile, Brasil e Peru. É nessa ordem que eles se classificam quanto à média de custos para transações comerciais do mesmo tipo. Outra indicação do estudo: no Brasil, há demora de dois meses para abrir e registrar uma empresa, no Peru, o tempo dobra (quatro meses). Tem vantagem o empresário chileno, que também espera dois meses para abrir sua empresa, mas gasta em taxas e impostos cerca de 20% menos que o brasileiro.

Têm origem nessa custosa burocracia dois fatos: a crescente informalidade da economia e a irresistível tentação pela corrupção, pela "caixinha", pelos "pagamentos informais". É por isso que viceja tanto no Brasil - embora não seja essa uma exclusividade nacional, absolutamente - o que o professor Marcos Fernandes da Silva chama de "cultura do despachante".

Herança dos colonizadores ibéricos, diz o professor, a presença do despachante em todos os níveis de atividade no Brasil cria clima favorável à corrupção, desde as suas formas mais simples. Marcos se pergunta qual é a consistência lógica de manter, por exemplo, o serviço de despachante para licenciamento de carros novos, quando seria extremamente simples criar um mecanismo para que o veículo já saísse licenciado da loja.

"Cervejinha" paga imposto?

O Conselho da Europa constituiu, em 1996, o Programa de Ação contra a Corrupção, e a OCDE aprovou a convenção que estabelece normas para adoção de leis nacionais contra a corrupção. Entre essas ações está, por exemplo, a decisão de não mais permitir a dedução fiscal de comissões pagas a funcionários públicos estrangeiros para encaminhamento de concorrências internacionais.

O entendimento dos países que firmaram a convenção da OCDE é que, até 1999, devem estar encaminhadas legislações específicas ou modificadas determinações legais que permitem a dedução dessas comissões, os pot-de-vin, ou "cervejinha". Isso é permitido em um bom número de países, ainda que sob certas condicionantes.

Na Alemanha, por exemplo, essas comissões não são dedutíveis por não serem consideradas encargos funcionais normais, os quais podem ser descontados. Mas, para definir melhor o assunto, está em curso uma proposta de emenda ao Código Penal para incriminar esses atos, que passam a ser tidos como formas de corrupção de agentes públicos estrangeiros.

Na Bélgica, a dedução é permitida desde que as despesas possam ser consideradas necessárias para grupos do país vencerem concorrentes internacionais e desde que esses pagamentos sejam tidos como prática comercial comum no país estrangeiro. Há, ainda, necessidade de pedir autorização para o desconto ao Ministério das Finanças - que recebeu, em cinco anos, 109 dessas solicitações.

Nos Estados Unidos, o Foreign Corrupt Pratices Act, de 1997, definiu o assunto. A Dinamarca está aprovando lei para não permitir o desconto, antes aceito se o pagamento de comissão fosse considerado prática comercial comum no país estrangeiro. Na Suécia, onde até este ano se permite desconto desde que a comissão paga se enquadre como algum tipo de honorário, deve entrar em vigor, em 1999, uma lei para suspender a dedução. A Suíça autoriza a dedução desde que se justifique às autoridades fiscais o pagamento feito, com identificação do beneficiário. No entanto, uma nova lei foi aprovada este ano para suspender essa dedução e entrará em vigor assim que for regulamentada.

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