Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Semana 22
Marco zero

Arrigo Barnabé, Tim Rescala e Guto Lacaz criam 22, Antes e Depois, uma "quase ópera", na definição dos autores, para celebrar os 80 anos do movimento modernista comandado por Mário de Andrade

O movimento modernista é considerado a grande mudança de rumo na arte brasileira. Música, pintura, arquitetura e literatura - com reflexos posteriores no teatro e na dança - assumiram novas cores e novas propostas, ressaltando a essência genuinamente nacional ao devorar influências estrangeiras (leia-se européias) e devolvê-las com leituras bem brasileiras.
Sem exagero, o Brasil nunca mais foi o mesmo: dali seriam colhidos, ao longo dos anos, frutos como a antropofagia, o movimento concretista, a Jovem Guarda, o tropicalismo e outros. Entre os principais nomes que surgiram durante o evento iniciado em 13 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, estão Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Victor Brecheret, Heitor Villa-Lobos, Ronald de Carvalho e Manuel Bandeira. Sem esquecer, é claro, da figura do escritor Monteiro Lobato, que, ao achincalhar o trabalho de Anita, só fez voltar todas as atenções ao modernismo.
Eis que passados oitenta anos, toda essa efervescência de pessoas e idéias retorna em forma de música e teatro no espetáculo 22, Antes e Depois, criado pelos compositores Tim Rescala e Arrigo Barnabé a pedido do Sesc Ipiranga, com concepção cênica do artista plástico Guto Lacaz. Esse espetáculo, que está em cartaz desde 28 de fevereiro no teatro da unidade, é, por assim dizer, uma espécie de teatro musicado ou uma "quase-ópera", como a definiram Tim e Arrigo. "Tem roteiro, mas não tem história", começa a explicar Arrigo. "Tentamos resgatar o espírito do que existia na época. Estudamos uma série de coisas, lemos os livros deles e pusemos a cabeça para funcionar tentando entrar em sintonia com as idéias. Mas tudo bem livre." Arrigo esclarece que não houve a preocupação de trazer nada de modernista para as composições, seja na maneira de escrever as letras seja compondo as músicas. "É claro que há coisas ligadas como, por exemplo, a idéia das máquinas, de trabalhar com elas de forma musical - que é uma coisa modernista -, mas não houve preocupação de fazer as coisas à maneira deles." "Foi uma opção nossa fazer uma celebração da Semana de 22 em vez de contar a sua história", emenda Tim Rescala. "É um espetáculo acerca de 22 e, sobretudo, ao que ela gerou. Por isso é um trabalho bastante aberto em termos de forma e conteúdo." Aliás, no que diz respeito à forma, a liberdade foi a matéria-prima de trabalho, ainda que, evidentemente, fosse respeitada a época. "Se quiséssemos colocar um raio laser no palco estava valendo", diz Guto Lacaz ao explicar o processo de concepção cênica de 22, Antes e Depois. "Bolamos um título que ressalta que o espetáculo é sobre as épocas anteriores e posteriores, tendo o ano de 1922 como um marco." Guto acrescenta que para ele não foi difícil criar, foi preciso apenas pensar em objetos que atendessem às necessidades das cenas. "Cada situação pedia o apoio de objetos que localizassem o momento histórico. Então, usei gramofones, telefones antigos e máquinas de escrever antigas, mas tudo para mostrar a modernidade tecnológica auxiliando na produção da modernidade artística." Como não poderia deixar de ser, quadros, esculturas e painéis de artistas plásticos surgidos na época também são usados como elementos de cena. "É claro que incluímos reproduções de quadros da Tarsila do Amaral e de esculturas de Brecheret", conta Guto. "Há até uma cena que se chama Exposição de Anita." Porém, complicado foi "colocar tudo para funcionar". "O problema foi materializar todas as idéias, colocar todo mundo no palco e promover a interação do cenário com os personagens, mas tudo deu certo."
Uma coisa é inegável. Toda essa liberdade de concepção e essa livre associação de idéias na composição dos esquetes e dos números musicais reproduzem - como frutos ou como outra geração artística - o movimento radical que acordou o público para os valores da nova cultura de uma nova nação.