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Um futuro desejável

Suzana Garcia

"A obra de arte - e paralelamente qualquer outro produto - cria um público sensível à arte e capaz de desfrutar a beleza. A produção não elabora, pois, somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto".
Karl Marx, "Introdução à Crítica da Economia política"

Crédito: Marcos Garuti

Inúmeras pesquisas desenvolvidas no campo das artes plásticas nascem do desejo de entender o artista e sua obra de arte. O estudo a respeito de sua inserção na cultura e sociedade; sua conexão com outras expressões; os diferentes estilos, influências e análises, tanto estéticas quanto éticas, são algumas das abordagens relevantes que demonstram que o assunto pode ser analisado sob uma vasta gama de perspectivas, inclusive, aquela que se propõe aparentemente utópica.
Num futuro desejável, onde já teríamos desenvolvido mecanismos para transformar as necessidades em possibilidades, estas importantes pesquisas emitiriam sinais reais de sua aplicabilidade no campo da aprendizagem estética, sonora, literária e visual, independente do contexto em que ela se situa.
Em qualquer lugar estaríamos expostos à contaminação pela arte. Artistas "significativos" em seus mais diversos estilos, artistas "emergentes", artesãos e pesquisadores se deixariam observar em seu processo de criação. O acesso do público seria irrestrito também ao conhecimento. A um outro tipo de conhecimento, fragmentado, aberto. Tanto a obra de arte, quanto o processo artístico seriam absorvidos gradativamente pelo pedestre que por ali caminha.
Nas ruas, praças, escolas, hospitais, galerias, fábricas, shoppings, casas de cultura, estações de metrô, poderíamos ver numa tarde de sol, quadros do provocativo Klimt ou do revolucionário Kandinsky. Logo mais adiante, sentaríamos em um banco para ver um artista pintando paisagens bucólicas que refletiriam o desejo de calmaria dos nossos sentidos. Encontraríamos ali, para uma conversa sempre interessante, Ivald Granato envolvido em tintas e em energia criadora e Vitória Basaia com suas sementes da fecundidade. Dentro de uma tenda o circo encantaria as crianças que não mais seriam de rua. A música, a dança e a literatura se fundiriam num só ato. O ato de transformar. O teatro brincaria com nossa emoção.
Conviveríamos todos, com diferenças e igualdades, mas sempre com generosidade. Nesta época, leríamos em alguma escola qualquer de um bairro também qualquer a mensagem: "Senhores pais, nesta escola só ensinamos matemática por meio da arte. Não insista."
Sendo a espécie humana a única capaz de projetar o futuro, neste futuro desejável com certeza já teríamos extrapolado a função da arte enquanto entretenimento ou abordagem estética restrita a grupos selecionados e poderíamos ir para além, compreendendo seu significado social - dialeticamente constituído - e sua imensa possibilidade enquanto prática educativa e social.
Ouso dizer que neste novo tempo, nossas escolas e universidades serão livres, acessíveis e de qualidade e que nosso modo de pensar já terá ultrapassado as fronteiras do pensamento mecanicista para pensar o homem em sua totalidade, compreendendo a realidade e a natureza de forma integrada, onde a arte e ciência caminham juntas sob a ótica da ética.
Neste futuro não haverá espaço para o ostracismo. O acesso do público à arte e a experimentação artística será condição sine qua non para o exercício da própria existência. Os sentidos deste público ativo, ávido e receptivo, serão alimentados de conhecimento. Sem imposição, a arte desse novo tempo será como um vírus benéfico do qual todos - artistas e público - gostariam de se contaminar, se embriagar e onde as pessoas passarão da condição estéril de espectador contemplativo para a condição de cidadão capaz de responder a problemas da realidade na qual está inserido.
Poderíamos dizer que para extrair esta resposta é preciso que a arte questione a realidade, seja provocativa, que exprima e transmita inquietações não somente estéticas, mas conceituais e principalmente ideológicas. No entanto, como artistas, é preciso também estarmos de olhos bem abertos para observar de maneira despretensiosa e desarmada a pintura ao vivo de uma paisagem singela. Esta pintura pode trazer consigo nosso futuro desejável que insiste em se confundir com o passado. Abramos os olhos para enxergar seu verdadeiro significado...

Suzana Garcia é Artista Plástica e Supervisora do Núcleo da Imagem e da Palavra do Sesc Vila Mariana