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Um olhar poético do Sesc Interlagos sobre a quarentena

Pôr-do-sol no Sesc Interlagos
Pôr-do-sol no Sesc Interlagos

Desde 17 de março de 2020, eu e todas as outras unidades do Sesc São Paulo estamos de portas fechadas. A medida foi tomada para prevenir riscos de transmissão do coronavírus.

Durante esses dias aqui de solidão, tenho pensado na beleza dessa reclusão social difícil, porém necessária. Ficar sem sair de casa não é muito legal. Mas, neste momento, é muito importante. E enfatizo: estar em quarentena não é estar em férias. Precisamos agir com responsabilidade para sair logo desse isolamento que, para nós brasileiros - calorosos que somos -,  é especialmente duro. Ficar sem um abraço pode ser um desafio, não? Embora não estejamos de férias, essa missão de isolamento não precisa ser chata, muito menos robótica. E isso me fez pensar em ideias para aproveitar esse momento como se você estivesse aqui comigo ou eu aí, com você. 

Umas das coisas que sempre cultivei (e que é um dos motivos da minha existência), é a importância de estar junto e de confraternizar com a família e amigos. Para isso tenho tantos espaços de convivência, onde vocês se encontram para trocas de saberes e momentos despretensiosos de diversão. Foi aí que pensei: que tal se você fizer a sala de sua casa se tornar, de fato, também um espaço de convivência? E curtir um momento longe dos aparelhos eletrônicos e coexistir com quem realmente importa? Estou me referindo apenas às pessoas que vivem na mesma casa, tá? Dá uma segurada nos encontros! Quando esse pensamento me veio a cabeça, imediatamente lembrei da música “Efêmera”, da Tulipa Ruiz. Ela tocou no meu palco numa tarde chuvosa de março de 2015, aquele show não me saí da lembrança.

Essa música me fez pensar o quanto podemos tornar esse tempo infinito:

“... congela o tempo pr'eu ficar devagarinho
com as coisas que eu gosto
e que eu sei que são efêmeras
e que passam perecíveis
que acabam, se despedem,
mas eu nunca me esqueço.
Vou ficar mais um pouquinho
para ver se eu aprendo alguma coisa
nessa parte do caminho.

Martela o tempo pr'eu ficar mais pianinho
com as coisas que eu gosto
e que nunca são efêmeras
e que estão despetaladas, acabadas
sempre pedem um tipo de recomeço."


Outra coisa que bateu forte esses dias foi ver o Café da Roça sem o cheiro de pão, de bolo, de chá e, principalmente, com o fogão a lenha apagado. Esses cheiros me fazem tanta falta... Fiquei imaginando como deve estar difícil para os avós e também para os netos não poderem se ver, né? Mas existem outras maneiras de estar perto de quem a gente ama. Um simple gesto de passar um café já nos leva ao encontro de alguém que gostamos. Então, eu te proponho a aproveitar esse tempinho e aprender aquela receitinha da vovó ou do vovô. O que acha? Além de uma baita homenagem, é uma maneira de estar junto. É exatamente assim que eu me sinto quando aquele fogo acende: perto de você. 

Outra ideia é preparar uma receitinha junto das pessoas que você ama. Deixo aqui minha sugestão: uma receitinha do Café da Roça, pão caseiro de cará com gergelim preto. Assim, ficamos juntinhos pela memória afetiva da comida: 

A solidão traz desafios, eu sei. Mas a poesia está aqui, se soubermos reconhecê-la. Basta olhar cuidadosamente para cada situação; nos detalhes, ela aparece. Isso me fez pensar também na solidão das letras, dos livros, do BiblioSesc. Quanta falta eles sentem dos seus leitores e leitoras - e as pessoas dos livros também. Quem gosta de ler, se preenche a cada página. E o que a quarentena pode trazer pra você? Bem, que tal revisitar aquele livro que está guardado há um tempo e que você sempre pensa em avivar? Seria lindo - assim, você continua pertinho de mim por meio da literatura. 

Podemos matar essa saudade toda também por meio da natureza. Sabe aquela plantinha que você tanto ama? Aproveita essa oportunidade para acompanhar o desenvolvimento dela. Ou, se você não tem plantas, que tal começar? Lá no meu Viveiro de Plantas, temos uma hortinha - e você pode começar a sua também. Temperos como alecrim, manjericão e orégano, que fazem parte de muitos pratos deliciosos, podem ocupar um bonito espaço na sua janela também. O importante é se conectar com a natureza para continuarmos a nossa conexão abrindo caminhos para novos tempos. 

Eita, que o saudosismo me pegou de novo! Lembrei da música “Rito de Passá”, da MC Tha. Lembra quando ela se apresentou aqui? Foi lindo demais! 

“... Cantar e dançar pra saudar
o tempo que virá
que foi que está
tocar pra marcar
o rito de passá…" 

Ah! Que esses dias passem logo e a gente volte a se ver, a escorregar no Jacaré, a passear pelas Alamedas, pelo Bosque das Araucárias, tomar banho no Recanto Infantil ou nas piscinas, jogar e se divertir nas quadras, dançar na Praça Pau-Brasil assistindo a um show, se emocionar no teatro assistindo a uma peça ou a um filme. São tantas possibilidades!

Vamos, enfim, fazer a nossa parte. Espero ansiosamente que você possa ocupar logo todos os espaços e fazer meu coração pulsar - é pra isso que fui criada!

Nesses dias de solitude, penso e repenso sobre o valor das coisas. Se não fosse a arte em todas as suas manifestações, expressões e formas - a música, a dança, a pintura, a escultura, o teatro, a literatura, o cinema, a fotografia, a história em quadrinhos e tantas, tantas outras... se não fosse a arte, como seriam nossos dias?

Por isso, convido você a também voltar um olhar poético para esse período: abrace a arte, defenda a cultura. Essa quarentena traz tantas lições duras e doces... Lembremos do quanto a vida é mais bonita quando estamos juntos, criando.

Um aceno (enquanto não podemos nos abraçar) e até breve!

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