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Vida de cinema

Livro registra a saga intelectual de Paulo Emilio Salles Gomes

RODRIGO ARCO E FLEXA

Um dos mais importantes teóricos brasileiros de cinema, Paulo Emilio Salles Gomes (1916-77), enfim, tem sua trajetória intelectual narrada para as novas gerações. Trata-se do livro Paulo Emilio no Paraíso (Editora Record, 630 páginas), a mais extensa pesquisa já realizada sobre sua vida e sua obra. O volume é fruto de uma investigação de mais de dez anos em arquivos brasileiros e franceses, feita pelo historiador e pesquisador da Cinemateca Brasileira José Inacio de Melo Souza, que também entrevistou mais de 60 pessoas com quem o intelectual conviveu, entre elas escritores como Antonio Candido e Decio de Almeida Prado.

Um dos principais responsáveis pelo alto nível de reflexão sobre o valor da arte cinematográfica e seus múltiplos significados para a sociedade contemporânea, além de defensor intransigente das produções nacionais, Paulo Emilio foi ainda um incansável lutador pela preservação material da memória fílmica do país. Com inspiração em modelos franceses, sua contribuição foi decisiva para a criação da Cinemateca Brasileira, instituição responsável pela preservação de um vasto patrimônio de películas cinematográficas.

Ele mesmo é uma espécie de personagem das melhores tramas da tela. Filho de família da elite paulista, ingressou nos estudos médicos no início da década de 1930. O gosto pela política, no entanto, alterou sua vida. Mesmo crítico da ortodoxia stalinista da esquerda da época, tornou-se militante da Juventude Comunista. Em 1935, com o fracasso da Intentona Comunista (movimento liderado por Luís Carlos Prestes), Paulo Emilio foi preso junto com dezenas de outros intelectuais que se opunham ao regime de Getúlio Vargas.

Ele ficou trancafiado por 14 meses em prisões políticas, de início no Presídio Maria Zélia (no bairro do Belém, em São Paulo). Mas Paulo Emilio não se deixou abater pela rotina da masmorra. Entre outras iniciativas, criou um insólito Teatro Popular Maria Zélia, cujo palco era a própria prisão. A idéia era organizar ensaios, peças e leituras no cotidiano do lugar. O resultado, no entanto, provocou sua transferência para o Presídio do Paraíso, um casarão no número 34 da rua de mesmo nome, também na capital paulista.

O último ato de sua vida no cárcere, porém, ainda estava por vir. Ele e mais 16 de seus companheiros cavaram um túnel de mais de 10 metros, através do qual reconquistaram a liberdade em 10 de fevereiro de 1937, durante os folguedos do carnaval daquele ano.

Novamente perseguido, decidiu-se pelo auto-exílio em Paris. A eclosão da 2ª Guerra Mundial, porém, abreviou sua passagem pela Europa. Em 1939, Paulo Emilio retornou ao Brasil e levou adiante sua missão intelectual. Esse período ficou marcado pela criação do Clube de Cinema (inspirado no cineclubismo europeu) e da revista "Clima", na qual escreveu ao lado de nomes como Antonio Candido e Decio de Almeida Prado.

Em 1946, voltou para a Europa, onde durante oito anos aprofundaria seus estudos sobre cinema, além de conviver com intelectuais de esquerda. Paulo Emilio escreveu nessa época a biografia do cineasta francês Jean Vigo, a qual seria publicada no Brasil somente nos anos 80. Seu regresso ao país ocorreu em 1954. Fez então da militância pelo cinema sua maior bandeira, organizando festivais e debates, além de produzir textos para o jornal "O Estado de S. Paulo". Com o apoio de amigos, criou a Cinemateca Brasileira.

A partir da década de 1960, mergulhou na atividade acadêmica, primeiro na Universidade de Brasília (UnB) e depois na Universidade de São Paulo (USP), onde arregimentou legiões de admiradores entre os estudantes da Escola de Comunicações e Artes (ECA). Escreveu ainda o estudo Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento e a ficção Três Mulheres de Três PPPês.

Embora o foco central de Paulo Emilio no Paraíso seja a trajetória intelectual e política desse pensador, o livro não deixa de registrar fatos de sua vida particular, como os dois casamentos, o primeiro com Sonia Veloso Borges, e o segundo com a romancista Lygia Fagundes Telles. Completam a obra cerca de 60 fotos históricas, que flagram Paulo Emilio desde os tempos da juventude, passando por Paris, até seus anos de docência na USP.

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