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Abre aos domingos?

Comércio varejista de São Paulo quer funcionar nos finais de semana

No dia 12 de março de 2003, o Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FCESP), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, reuniu-se para debater o funcionamento do comércio aos domingos na cidade de São Paulo.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS – O assunto que temos para discutir hoje é muito importante. Trata-se da lei que dispõe sobre a concessão de autorização para funcionamento do comércio varejista aos domingos, no município de São Paulo. Todos devem ter acompanhado a discussão pelos jornais, que se iniciou com uma pressão dos sindicatos de trabalhadores, que conseguiram obter dos vereadores decisão pela proibição da abertura das lojas aos domingos. Aprovada, a lei foi enviada ao prefeito em exercício (na ocasião, Hélio Bicudo, uma vez que a prefeita Marta Suplicy estava licenciada), que a vetou, por considerá-la inconstitucional. De volta à Câmara Municipal, os vereadores fizeram uma série de composições, em decorrência de aumentos tributários, e conseguiram derrubar o veto.
Esse é um assunto que interessa ao comércio de todo o país, pois, se o princípio vier a ser adotado aqui, poderá ser estendido a todos os municípios brasileiros. Como a lei ainda não foi regulamentada, peço à professora Cláudia Fonseca, que estudou a matéria, que faça uma exposição inicial sobre seus fundamentos, para que possamos discutir e encaminhar uma posição a associações comerciais de outros estados e à Confederação Nacional do Comércio.

CLÁUDIA FONSECA – Existe uma lei federal que autoriza o comércio varejista a funcionar aos domingos, desde que seja respeitada a legislação trabalhista, que impõe a coincidência do repouso semanal aos domingos, uma vez por mês. Em sua administração, Celso Pitta assinou um decreto que permitia essa prática, desde que não ferisse a legislação trabalhista. Recentemente, esse decreto foi revogado pela lei municipal 13.473, que determina que o funcionamento do comércio aos domingos depende de uma autorização do município, que só será concedida se houver acordo coletivo com os sindicatos.
Entendo que essa legislação municipal viola diversos dispositivos das Constituições estadual e federal. Os artigos 180, 188 e 217 da Carta estadual obrigam o município a assegurar o pleno desempenho das funções sociais da cidade e o bem-estar dos habitantes, estimular a produção e o consumo, garantindo o acesso irrestrito de todos os cidadãos a bens e serviços essenciais ao desenvolvimento industrial e coletivo. Outorgar aos sindicatos a faculdade de autorizar a abertura do comércio aos domingos vai de encontro a todas essas diretrizes.
A cidade de São Paulo não tem praias nem é especialmente atraente; o que estimula o turismo é sua enorme gama de comércio e serviços, como se fosse um shopping center a céu aberto. Grande quantidade de pessoas de municípios próximos e de outros estados vem para cá fazer compras nos finais de semana, o que proporciona melhor ocupação nos hotéis e gera empregos. Cerca de 36% dos estabelecimentos da cidade são ocupados com o comércio varejista, o que representa um movimento importante de dinheiro. O comércio aos domingos alcançou uma aceitação tão expressiva que já é o segundo melhor dia de vendas do varejo, o que propiciou um maior número de empregos, que podem ser afetados por essa lei.
O veto do prefeito em exercício baseou-se no fato de que a lei contraria o interesse público, de acordo com o artigo 111 da Constituição estadual. E o artigo 144 determina que a administração, tanto do estado quanto do município, deve obedecer a todos os princípios da Constituição federal, entre eles o da livre iniciativa e busca do pleno emprego. Vincular a abertura do comércio aos domingos a um acordo com os sindicatos violaria esses princípios. Além de tudo, essa matéria não é da competência legislativa municipal, nem exclusiva nem complementar, porque a matéria trabalhista compete à União. Mesmo que se pudesse dizer que a competência é suplementar, a lei municipal 13.473 na verdade restringe a legislação federal, que não prevê a necessidade de convenção de trabalho. Então, entendemos que essa lei municipal é inconstitucional, por violar a Carta estadual. Se vier a ser regulamentada pela prefeita, causará enorme prejuízo à cidade.

AMÉRICO LACOMBE – Sinceramente, não vejo inconstitucionalidade nessa lei, porque a competência para autorizar o funcionamento do comércio é do município – está até em súmula do Supremo Tribunal Federal (STF). Se há inconstitucionalidade, talvez esteja no artigo 3º, que apresenta a exigência de convenção coletiva de trabalho.

NEY PRADO – O que ocorre é que essa lei transformou o instrumental em conteúdo. Na verdade, quando o artigo 1º diz que o funcionamento do comércio varejista em geral está sujeito à autorização, esta é o instrumento do principal. Como o artigo 3º é o principal, a competência sai do município e vai se projetar na União, quando o artigo 22 afirma expressamente que cabe a ela legislar sobre assuntos trabalhistas.

AYRES FERNANDINO BARRETO – Também entendo que a competência para legislar nessa matéria é do município. Mas o parágrafo 3º estabeleceu uma delegação espúria, ao atribuir a competência, que originariamente é do município, ao sindicato. Este passa a deliberar sobre os destinos da cidade – é isso que não pode prevalecer.

CARLOS CELSO ORCESI DA COSTA – Já vivi esse problema na Associação Comercial, e meu parecer foi favorável à livre iniciativa. No entanto, devemos examinar os prós e os contras para chegar a um consenso. Primeiro, trata-se de um texto legal bem elaborado, e sua inconstitucionalidade não me parece muito evidente. Além disso, a lei é muito hábil, pois condiciona o funcionamento do comércio a uma autorização acompanhada de convenção coletiva. Em segundo lugar, não podemos esquecer, em que pese a evolução dos tempos, que o domingo é o dia de repouso, conforme a tradição cristã e a religião católica. Faço essas observações porque o que a lei pretende é dar uma parcela dos benefícios do comércio aos empregados. Saindo do aspecto formal, ela realmente extravasa, porque seu objetivo é ilícito: a autorização em si é um disfarce para que se obtenha uma convenção trabalhista.

RUBENS MIRANDA DE CARVALHO – Os senhores vão me perdoar, mas a humanidade sofreu muito para separar a Igreja do Estado e o direito da religião. As considerações de ordem religiosa não são válidas, porque às sextas-feiras sou muçulmano, aos sábados, judeu, e aos domingos, cristão. O artigo 3º está violando claramente todos os princípios do estado de direito. Ao submeter uma norma ao arbítrio de uma entidade privada, promove uma inversão da ordem. Esse é o maior problema de todos eles; os outros são periféricos.

ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAL – Vou fazer um breve histórico da questão. Na gestão de Jânio Quadros, no dia 3 de abril de 1986, ele encaminhou o seguinte bilhetinho à Câmara Municipal: "Quero que Vossas Excelências examinem a idéia de abertura, mediante licença, do comércio aos sábados e domingos. Centenas de milhares de habitantes gostariam, até como lazer, de fazer suas compras aos domingos. Aguardo resposta em cinco dias". A resposta não veio, e dois anos depois o comércio começou a funcionar aos domingos. Então, ele enviou um bilhetinho à polícia: "É preciso constituir comando para fiscalizar o comércio do centro e dos bairros aos domingos e lavrar as multas mais pesadas, obrigando-o a fechar as portas. Começar imediatamente, cassar a autorização".
Em 1996 o professor Ives foi consultado e eu fiz um brevíssimo estudo que foi publicado no "Jornal da Tarde", onde concluímos que essa legislação era inconstitucional. Como a Constituição de 1988 ampliou a gama de direitos e o incentivo à criação do emprego produtivo, acrescentou elementos para demonstrar a profunda inconstitucionalidade dessa lei.
Analisei a súmula 419 e toda a evolução legislativa, que podem ser expressos nos parágrafos seguintes. "A livre iniciativa, com severo controle do Estado no concernente à repressão do abuso econômico e à função da propriedade privada, estando aberta aos direitos dos trabalhadores e fechado o papel subsidiário do Estado na economia, é a tônica dominante da Constituição no passado e mais ainda na atual. É verdade que a realidade brasileira tem cavado um verdadeiro fosso, às vezes tido por intransponível, entre os princípios constitucionais e a práxis governamental, em que o poder federal insiste em teorizar seu confessado amor à empresa privada, praticando, sem qualquer espécie de pudor, um inconfessável amor à estatização e à insuficiência empresarial pública. É de notar-se que o advérbio utilizado pelo constituinte de 1969 e repetitivo em 1988 não oferta dúvidas da evidência. Em razão da liberdade de iniciativa, da valorização do trabalho como condição da dignidade humana e da expansão das oportunidades de emprego produtivo serem princípios norteadores da ordem econômico-social, a intervenção do município regulando a iniciativa privada tem de estar pautada pelo efetivo aproveitamento à coletividade das normas restritivas àquelas atividades comerciais promovidas pelo particular". Por essa análise, a intervenção do município em normas trabalhistas do âmbito federal é absolutamente inconstitucional. Conclusão: depois de várias discussões que foram levadas ao Judiciário, em 1997 foi consolidada a abertura do comércio aos domingos.

MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES – Na crise econômica atual, o município não poderia criar obstáculos dessa natureza. Ao contrário, teria de incentivar a iniciativa privada e a geração de empregos. A lei trabalhista é vinculada. O texto integral da súmula 419 do STF é bastante claro quando preceitua que os municípios têm competência para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais e federais válidas.

FERNANDO PASSOS – Fui vereador em Araraquara (SP), onde vivemos essa polêmica. O presidente do Sindicato do Comércio Varejista local defendia a tese de que a abertura do comércio à noite e nos finais de semana não traria nenhum benefício aos empresários. Convencemos o sindicato a fazer um teste, e essa tese foi destruída. Quando o nível de emprego aumenta, o consumo é maior. O artigo 170, no parágrafo único, assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização, salvo nos casos previstos em lei. Na minha avaliação, os artigos 1º, 2º e 3º são inconstitucionais.

IVES GANDRA – As considerações que pretendo fazer são na linha do que todos apresentaram, mas gostaria de analisar mais o aspecto econômico e o seu impacto na regulação jurídica. Nos levantamentos feitos, as vendas do sábado e do domingo superam em média a de cada dia da semana; a ocupação dos hotéis é muito maior nos fins de semana, apesar de São Paulo ser uma cidade de trabalho, o que significa que criamos o centro comercial mais importante da América Latina. Se o domingo fosse considerado dia de descanso, os restaurantes e os cinemas não poderiam abrir, os jogadores de futebol não deveriam jogar, enfim, o lazer deixaria de existir porque todos, sem exceção, teriam direito a ele. Quando o grande flagelo da atualidade é o desemprego, não é correto condicionar essa geração de empregos ao sindicato. Além do mais, isso fere a Constituição em inúmeros princípios da ordem econômica e social, no que diz respeito ao aspecto trabalhista. Mais do que isso, vai contra o interesse peculiar do próprio município.

NEY PRADO – Estamos pensando que essa lei é original, mas na verdade foi elaborada em 1949, para estabelecer a todo empregado o direito a repouso remunerado um dia por semana, preferencialmente aos domingos, feriados civis e religiosos. E ressalta: "Excetuados os casos em razão do interesse público, condições peculiares das atividades das empresas e outras atividades cujo trabalho é indispensável ao nível de continuidade". As exceções referem-se aos seguintes ramos do comércio: varejistas de peixe, carnes frescas, caça, frutas, verduras, aves e ovos; venda de pães, biscoitos, produtos farmacêuticos e flores; barbearias, entrepostos de combustível e lubrificantes, locadores de bicicletas, hotéis e similares, hospitais, clínicas, casas de diversões, limpeza, comércio em portos e hotéis. Quando a lei foi feita, não havia shopping centers.

FERNANDO PASSOS – Alguns municípios já resolveram essa questão internamente, fazendo acordos para permissão do trabalho aos domingos somente nos shopping centers, o que é discriminatório, afeta a concorrência e o princípio da igualdade. Vejamos a questão dos móveis, por exemplo. Quem tem tempo de comprar móveis durante a semana? As lojas da Rua Teodoro Sampaio teriam de ficar fechadas, somente os shoppings de móveis poderiam abrir. O mesmo ocorreria com o comércio de bairro. Numa cidade como São Paulo o problema é muito amplo, não se restringe aos shoppings.

NEY PRADO – Não tenho preconceito em relação ao sindicato, ao contrário, acho que a legislação trabalhista exige ainda no Brasil uma intervenção sindical, que é melhor que a estatal, por ser mais direta, autêntica e democrática. Através de acordos coletivos entre os sindicatos interessados, podem ser estabelecidos os critérios para a abertura de pequenos comércios aos domingos; o que não se pode é fazer o que essa lei fez: aplicar genericamente, exigindo uma condição que não é constitucionalmente atribuída ao município, mas à União.

LUÍS ANTÔNIO FLORA – O conselheiro Ney Prado lembrou muito bem a existência da lei 605/49, o que comprova que o trabalho aos domingos não é novidade. Entretanto, a legislação do trabalho não exige autorização dos sindicatos, convenção coletiva ou acordo. A nova lei vem sendo questionada porque os supermercados trabalham aos domingos há muitos anos em todo o Brasil. Um supermercado vende peixe, pão, frutas e ovos, mas também vende roupas e eletrodomésticos.
Gostaria de trazer uma questão ao debate, uma vez que essa lei é conflitante. Verificamos que o artigo 1º declara o seguinte: "Fica condicionado o funcionamento do comércio varejista aos domingos a uma autorização", a qual depende da apresentação de um requisito burocrático, ou seja, uma convenção coletiva. Mas o artigo 4º declara que a desobediência às disposições da lei acarretará o cancelamento da autorização. Ora, se não a obtive, como posso ser penalizado? Embora a prefeitura dificilmente venha a regulamentar, porque ela mesma já disse que a lei é inconstitucional, está com um problema jurídico na mão.

ORCESI DA COSTA – Gostaria de deixar claro que minha intervenção foi de caráter provocativo. Se em verdade eu pensasse que a lei fosse constitucional, evidentemente o teria dito. Em momento algum afirmei que a condição religiosa deveria ser posta acima da lei. O que disse é que são usos e costumes, que a religião é uma manifestação cultural. Concordo plenamente em que há uma cláusula potestativa. De fato, a mim parece que essa autorização, a pretexto de acompanhar o aspecto formal como se fosse um documentozinho qualquer, na verdade é uma condição essencial que atribui a uma das partes essa condição de poder.
A leitura do professor Ney Prado a princípio estava caminhando no sentido contrário, pois, se a lei estabelece exceções, evidentemente não se pode, a partir delas, generalizar. A verdade é que evoluímos, e a exceção se tornou realidade. Quanto à inconstitucionalidade, ela é evidente; nesse ponto, todos estamos de acordo. Dado o período de 60 dias que a prefeita ofereceu às partes para que se compusessem, parece interessante perguntar como se comportou o sindicato dos empregados.

IVES GANDRA – O Sindicato dos Lojistas, representado aqui pelo advogado Tufic Farah, talvez possa nos responder.

TUFIC FARAH ELIAS NASSIF – Nos últimos anos tem sido muito difícil fazer os sindicatos dos empregados cumprirem as convenções coletivas de trabalho em todos os aspectos, inclusive no banco de horas, que foi implantado em 1999. A partir de 1997, o trabalho aos domingos foi liberado, desde que houvesse uma folga naquele dia, a cada quatro semanas. Mas o sindicato dos empregados de São Paulo levantou essa questão como bandeira e acabou conseguindo o que queria, apesar do veto do vice-prefeito: foi colocado que a convenção coletiva deveria prever duas folgas aos domingos.

NEY PRADO – Isso é um absurdo. Como é que uma lei municipal pode estabelecer regras para a convenção coletiva, que, a rigor, deveria ser acordo? A convenção agrega empresas díspares, de diferente tamanho e expressão econômica, o que dificulta o cumprimento para algumas.

TUFIC FARAH – A quantidade de convenções anteriores que não foi cumprida gerou inúmeros problemas, inclusive em relação aos feriados. Estamos falando dos domingos, mas já estávamos preocupados com a abertura nos feriados que caem em sábados. Não sei exatamente qual é a mágica, mas, segundo os lojistas, os melhores dias são aqueles em que os feriados coincidem com os sábados.
Na atual situação econômica não se deveria restringir a atividade, porque estaríamos prejudicando os próprios comerciários. Embora haja esse atropelo em relação à convenção coletiva, buscamos um eventual acordo, que começou com esta posição: duas folgas por mês, um abono de R$ 15, independentemente de qualquer outra condição, um vale-refeição de R$ 10, sem qualquer compensação para quem já concede vale-refeição durante a semana, o que a convenção não obriga. A posição do sindicato é lógica, o problema é que eles começaram com muito e não querem diminuir.
A lei também autoriza um acordo direto entre empresa e sindicato dos empregados, que é o que mais nos preocupa, pois essa tem sido uma tendência atual. É muito comum o sindicato não conceder a abertura do comércio nos feriados, mas quando é preciso fazer um acordo com grandes empresas por valores fantásticos ele concorda, e a legislação trabalhista não faz nada. Quando isso ocorreu, através de uma convenção coletiva, no dia seguinte ao feriado todas as lojas de determinados shoppings foram autuadas, sem exceção. São situações que poucos conhecem.
Já estamos sentindo que haverá uma diminuição do número de empregados registrados no comércio. Hoje, o revezamento está estabelecido, e provavelmente alguns funcionários contratados para isso perderão o emprego.

RUBENS MIRANDA – Essa mania que o poder público tem de se imiscuir nas menores atividades, criando procedimentos burocráticos, é um iberismo. Suponhamos que o artigo 4º, que é um pré-requisito para autorização de funcionamento, fosse constitucional. Preenchido o pré-requisito, onde estaria a discricionariedade para autorizar ou não? O que está por trás disso é a criação de uma futura taxa de autorização especial. Já há uma lei dessas em Santos (SP), justamente uma cidade que depende do fim de semana para viver!

DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS – A meu ver, condicionar São Paulo, que é um centro internacional de atração comercial, a abrir seu comércio mediante preenchimento de determinadas condições absurdas é outro absurdo. Sob o ponto de vista da redação formal, é risível. O artigo 1º diz: "Fica o funcionamento sujeito à autorização". O artigo 2º declara: "A autorização de funcionamento será concedida mediante requerimento do interessado". E o pedido deve ser acompanhado da convenção coletiva de trabalho, o que leva a crer que basta juntá-la ao requerimento que já estará autorizado. Mas não é bem assim. Há duas condições: uma genérica, que é a convenção coletiva para tratar do assunto, e uma específica, pois cada comerciante terá de fazer um pedido para abrir sua loja aos domingos. Imaginem um shopping, com 300 lojas! Além de ser inconstitucional, essa lei foi feita para não funcionar.

MARIA MARTINS – Pela lei 605/49, as atividades que têm necessidade imperiosa já têm autorização permanente para serem exercidas. Em fevereiro deste ano saiu uma portaria do Ministério do Trabalho que autorizava a empresa Credicard a atuar em todo o estado de São Paulo aos domingos e feriados, durante dois anos. O decreto 27.048, que regulamentou a lei 605, define interesse público e privado, e no interesse privado o que não está no rol das atividades autorizadas de forma permanente. Então, o comerciante precisa de um laudo técnico e de um acordo coletivo. Este último pode emanar independentemente do sindicato, no caso de trabalhadores; ele nasce da coletividade, sem ou com representação. Portanto, esse é um discurso anacrônico para um momento de crise. Então, pergunto o seguinte: até que ponto a lei municipal está realmente defendendo o interesse público, se já tem um rol permanente determinado e uma série de autorizações vêm sendo concedidas, inclusive em caráter provisório, como é o caso do Credicard? Hoje, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) é assente em não aceitar o acordo individual para compensação e o coletivo nascido simplesmente da coletividade. Então, fico numa insegurança jurídica: o que é certo nesse caso?

NEY PRADO – Temos três modelos trabalhistas básicos: o estatal, que é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); o individualista, que tem sua herança no direito civil e permite que as partes negociem diretamente; e o pluralista, em que os sindicatos podem, em obediência a determinadas regras, assentar as condições para as categorias. Pois bem, no mesmo conjunto de leis, constata-se melancolicamente que os três interesses se chocam, não só no nível de direito positivo, mas também no de valores, princípios e instituições. As técnicas jurídicas não se somam, ao contrário, se contrapõem. É por isso que vivemos nessa insegurança total. Quanto mais estudo o direito do trabalho, mais me convenço de que ou entramos na chamada dialética da complementaridade, esquecendo os modelos e resolvendo as especificidades de cada caso concreto, ou ficamos nessa contradição terrível de valores, princípios e instituições. Suas dúvidas são as minhas.

Nota da redação: Em 13 de março de 2003, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Nigro Conceição, deferiu liminar na medida cautelar da ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo presidente do CEJ em nome do Sindicato dos Lojistas. A suspensão da eficácia da lei municipal permitiu que todos os estabelecimentos da cidade de São Paulo fossem abertos nos finais de semana.

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