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Paulicéia das mil faces

Apesar da vocação empreendedora e vanguardista, a capital vive o paradoxo de oferecer atividades culturais, lazer e malha de serviços de primeira e conviver com problemas estruturais que afastam os turistas

Desde o início do século 20, São Paulo vem mudando de forma desvairada. Em 1922 era a capital do modernismo brasileiro, porto de chegada de multidões de imigrantes, que juntamente com as contribuições locais ajudaram a moldar a feição cosmopolita, multiétnica e de diversidade cultural que a cidade tem hoje. Para formar uma idéia do crescimento vertiginoso basta pensar que, até a metade do século 19, a região era menos expressiva demográfica e economicamente que outros locais da província, como Santos, e na virada do século a população mal ultrapassava a casa dos 100 mil habitantes. Na década de 1950, anos dourados, São Paulo completava 400 anos e assumia a dianteira da indústria automobilística brasileira, instalada em municípios de sua região metropolitana, e ganhava o slogan “São Paulo não pode parar”. Pouco mais de uma década depois chegou a vez de a construção civil movimentar a economia e impulsionar a verticalização da metrópole, que recebeu intenso fluxo migratório. O crescimento explosivo a alçou ao posto de quarta maior cidade do mundo. Atrás apenas de Tóquio, no Japão, Bombaim, na Índia, e Cidade do México. Além de grande, é importante: basta atentar para sua agenda de eventos. Em junho, é possível destacar, entre outros, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), a São Paulo Fashion Week, série de desfiles que nos últimos anos vem galgando degraus no sofisticado jet set da moda, o Fórum Cultural Mundial, responsável pela discussão da importância da identidade cultural na melhoria da qualidade de vida dos países. Isso sem falar na Parada Gay, que neste ano levou mais de 1,5 milhão de pessoas à Avenida Paulista, configurando-se a maior manifestação do gênero no mundo. Eventos como esses movimentam milhões e milhões de reais, além de proporcionar grande circulação de pessoas pela cidade. O problema é que o turista fica pouco tempo - cerca de três dias. O intenso crescimento populacional e a ocupação desordenada - a região metropolitana pulou de 4 milhões de habitantes em 1960 para 17 milhões em 2000, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - também trouxeram conseqüências perversas, como o agravamento de questões sociais e urbanas (entre elas desemprego, transporte coletivo, problemas ambientais, bem como a deterioração de certas áreas) e o afrouxamento de laços culturais. Tudo isso colabora para a imagem que moradores e turistas formam da metrópole. “São Paulo vive hoje, entre tantos sérios problemas, a angústia da indefinição de sua identidade cultural”, analisa Mário Jorge Pires, professor do Curso de Turismo da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da USP, em seu livro Lazer e Turismo Cultural (Editora Manole, 2001). “Esta identidade é a responsável pelo amor que o cidadão deposita na cidade e pelo conseqüente engajamento na tentativa de resolver os problemas que afetam toda a comunidade”, conclui. A combinação de crescimento desenfreado e diversidade étnica e cultural enraizada faz da Paulicéia um espaço urbano mutante, cheio de contrastes e multifacetado. Daí a dificuldade em reconhecer um conjunto de valores que a defina. A questão da identidade também se faz perceber, por exemplo, na ausência de um símbolo que resuma a cidade. Nova York elegeu a Estátua da Liberdade; Londres, o Big Ben; Paris, a Torre Eiffel. São Paulo, depende. “Na verdade, São Paulo tem vários símbolos”, explica Celso Marcondes, presidente da Anhembi Turismo, empresa responsável pela gerência do turismo da capital. “Fizemos várias pesquisas sobre esse tema. Há o Parque do Ibirapuera, a Avenida Paulista, o Vale do Anhangabaú.” No entanto, segundo Marcondes, não há um que se destaque. “Nesse emaranhado de paisagens construídas desordenadamente, não há monumento ou local que faça o paulistano perguntar a sua cidade ‘quem ele é’.”


Patrimônio valorizado
Segundo dados da Anhembi Turismo, o perfil de quem vem a São Paulo é o seguinte: cerca de 70% dos turistas chegam para a realização de negócios (nesse caso pouco se vê da cidade, a não ser no trajeto de uma reunião a outra); os outros 30% são divididos entre turismo médico, de lazer e outros, como compras. Apesar da efervescência da metrópole - comparável a Nova York ou Londres, por exemplo -, ela não consegue segurar o visitante ou atraí-lo para o turismo de lazer ou cultural, área na qual não faltam ofertas. Segundo o mexicano Sergio Rodríguez, representante do Bureau Internacional de Turismo Social para as Américas, que veio a São Paulo a convite do Sesc, essa condição dificulta a ampliação da atividade turística. “Se pensarmos em turismo como algo vinculado à cultura, aprendizagem, saúde e lazer, São Paulo é uma cidade com uma oferta enorme que não está sendo utilizada”, explica. “Tive a oportunidade de trabalhar com turismo cultural no México e pude perceber duas coisas: o patrimônio tangível - como monumentos e prédios históricos - geralmente é o que atrai os visitantes a uma cidade; no entanto, o patrimônio intangível - sua vida cultural, seus costumes e manifestações - é o que define a satisfação do turista no local visitado. São Paulo tem justamente isso, uma cultura viva muito forte, muito intensa, e essa característica, que é fundamental na opinião de quem visita um local, está sendo completamente desperdiçada, já que a cidade ainda não faz parte de roteiros turísticos.” O paradoxo que a metrópole encerra e seu patrimônio intangível são elementos que podem ser realmente o grande charme da cidade, como observou o músico parisiense Colin Ozanne. “A cidade é feia de longe e linda de perto”, diz. “Como nada tem a ver com nada, você tem que olhar uma coisa de cada vez e desistir de uma coerência geral.”


Relação de amor e ódio
Quem mora na capital e os visitantes que se propõem a conhecê-la podem desfrutar de atividades culturais compatíveis com qualquer grande região cosmopolita do globo, como centenas de cinemas e dezenas de museus. Além disso, há um setor de serviços que funciona 24 horas e lazer para todo tipo de gosto e bolso. A pluralidade de atrativos sempre chamou a atenção da dona-de-casa Eloísa Buratto, que sai de Piracicaba algumas vezes por ano para ver as filhas que moram em São Paulo. Ela confessa gostar “de muita coisa” da cidade. “Principalmente do centro antigo, acho maravilhoso”, conta. “Além disso, há ótimos restaurantes e uma imensa oferta cultural. Há também a oportunidade de compras. Realmente tem opções para todos os bolsos, do Bom Retiro ao Shopping Morumbi.” Por outro lado, o pacote cosmopolita também inclui vários problemas. Para dona Eloísa, os mais graves são a dificuldade em locomover-se, a sujeira e a violência. “Tudo isso faz com que eu não goste de andar sozinha”, explica. Não há como negar que o trânsito de São Paulo é caótico (com engarrafamentos que freqüentemente ultrapassam os 100 quilômetros). Só para ter uma idéia do volume de carros, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), de cada quatro veículos que circulavam no Brasil em 1997, um estava na capital paulista. No entanto, o excesso de veículos não é particularidade de Sampa, e sim característica que atormenta metrópoles espalhadas pelo mundo. Mas um centro urbano que pretenda facilitar a permanência do turista precisa oferecer opções de transporte de fácil acesso e bem sinalizadas. Aí é que está o nó. Ônibus, trens e metrô em grande quantidade e eficientes seriam boas opções. Mas São Paulo é deficitária nessa área. Por exemplo: ela oferece uma malha metroviária com apenas 52 estações. A título de ilustração, Nova York - que possui uma região metropolitana um pouco menor que a de São Paulo, com 16,6 milhões de habitantes - tem 490. A violência é outro problema freqüente em grandes cidades, mas que atinge níveis alarmantes em terras paulistanas. Segundo dados divulgados pelo Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), São Paulo possui uma taxa de 54 homicídios para cada 100 mil habitantes, número que a coloca entre as mais violentas do mundo. Na Cidade do México, que tem características econômicas, sociais e demográficas semelhantes às paulistanas, esse índice cai para menos da metade. “Tudo isso faz com que o paulistano tenha uma relação de amor e ódio com a cidade”, afirma Celso Marcondes. “No momento em que pega um trânsito infernal, quer se mudar. Ao mesmo tempo que, depois de comer em um bom restaurante, ele acha que não dá para comer em outro lugar tão bem quanto aqui.” Para o artista plástico venezuelano Juan Henriquez, a diversidade sociocultural é o trunfo para a promoção da região. “Sem dúvida, ela tem uma posição privilegiada em relação a qualquer cidade da América Latina. É uma vitrine mundial, tudo se mostra aqui, seja bom ou ruim, e isso é que é importante”, afirma. Por mais que as contradições da megalópole inflamem os discursos, o aquecimento do turismo requer medidas práticas. Iniciativas vêm sendo tomadas, e a cidade tem passado por um intenso processo de recuperação nos últimos anos. Regiões importantes para a preservação da memória de São Paulo, como o Vale do Anhangabaú, a Praça da Sé e o Bairro da Luz, fazem parte do projeto. Além disso, a cidade, que possuía apenas duas centrais de informação ao turista há quatro anos, oferece atualmente onze. E, até o fim do ano, a prefeitura garante instalar mais oito, todas com estudantes de turismo bilíngües como atendentes. Outra fonte de informação promete ser uma publicação organizada pela Anhembi Turismo reunindo a oferta da cidade, que conta hoje com uma tiragem de apenas 20 mil exemplares por mês. “A idéia é juntar toda a programação cultural em um só veículo, mas precisamos da iniciativa privada”, avisa Marcondes. Enquanto a parceria não deslancha, o órgão tratou de organizar a cidade virtualmente. Com o lançamento do site www.cidadedesaopaulo.com, no fim de 2002, que traz versões em espanhol e inglês, turistas e paulistanos podem descobrir lugares que valem a pena conhecer. Aqueles que quiserem mergulhar na história de São Paulo poderão visitar o Museu da Cidade, com inauguração prevista para o final deste ano, no Palácio das Indústrias - antiga sede da prefeitura. De acordo com o presidente da Anhembi Turismo, haverá também espaço de exposições, cinema e teatro. Essas iniciativas, e outras no mesmo sentido, devem preencher algumas lacunas para paulistanos em busca de identidade e para turistas que querem entender esse emaranhado urbano.


TURISMO QUE EDUCA
Para paulistanos e turistas baterem perna por aí e desfrutar as diversas facetas da metrópole, veja trechos de roteiros sugeridos pelo Sesc São Paulo, que desenvolve o Programa de Turismo Social por meio de 17 unidades, no interior e na capital.


Catedral da Sé e Praça da Sé
Foi inaugurada em 1954, para os festejos do quarto centenário da cidade. Em sua cripta está o mausoléu do cacique Tibiriçá, dos índios guaianazes, que acolheram os primeiros jesuítas no planalto de Piratininga. A catedral está localizada na Praça da Sé, ponto de convergência entre as linhas do metrô e marco zero da cidade.

Páteo do Colégio
O padre José de Anchieta ergueu na área uma igreja e um colégio, primeiros edifícios da futura metrópole. Durante uma reforma, nos anos de 1950, foi achada uma parede pertencente à construção original. Hoje, o Páteo do Colégio tem uma capela, um café e o Museu de Anchieta, com peças sacras e a pia batismal usada pelo padre.


Viaduto do Chá
Com 240 metros de extensão, liga a Rua Barão de Itapetininga, antes chamada Rua do Chá, à Rua Direita. Também era conhecido como “Viaduto dos Três Vinténs”, já que até 1897 eram cobrados 60 réis - ou 3 vinténs - por pessoa de pedágio. Recebeu o nome de Chá porque na região havia uma vasta plantação de chá da Índia.

Quem chega à Cidade
Motivo da viagem
• 66,8% negócios e eventos
• 17,8% outros motivos (saúde, estudos, compras, visita a parentes e amigos)
• 15,4% lazer

Permanência
• Em média, 3 dias

Quanto o turista gasta por dia
• A média de São Paulo é de U$ 124,60, contra U$ 84 no Brasil

O que a Paulicéia tem
50 mil quartos na rede hoteleira
272 cinemas
102 teatros
70 museus
50 parques
50 shoppings
11 centros culturais
E mais:
12.500 restaurantes, com 46 cozinhas diferentes, e milhares de bares e dezenas de casas noturnas

Turismo de negócios
• A cidade tem uma feira de negócios a cada quatro dias. Contando congressos, convenções e outros encontros do gênero, a média é de um evento a cada doze minutos
• 51% dos turistas estrangeiros vêm à cidade a negócios
• 76% das feiras de negócios do País são realizadas em São Paulo
• Um grande evento internacional movimenta cerca de US$ 3,4 milhões
• São realizados 74 mil eventos (entre feiras, congressos, convenções, treinamentos e eventos educacionais) anuais em SãoPaulo
• O setor de turismo de negócios responde por 436 mil postos de trabalho (diretos e indiretos)


BAIRRO DA LUZ

Estação da Luz
Construída entre 1895 e 1901, foi responsável pelo escoamento da produção de café e porta de entrada para os imigrantes. A parte interna, as fachadas laterais e a principal foram restauradas; as obras prevêem ainda um painel de concreto, da artista plástica Maria Bonomi, que contará a história da cidade, e um centro de referência da língua portuguesa.

Pinacoteca
Projetada por Ramos de Azevedo, em 1897, para abrigar o Liceu de Artes e Ofícios, foi reformada nos anos de 1990 e passou a abrigar importantes exposições. O museu tem um acervo de arte brasileira com cerca de 4 mil peças.

Parque da Luz
Inaugurado em 1825, é o mais antigo jardim público da cidade. Foi durante muito tempo o único espaço de lazer com entrada livre.