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Álvaro de Moya

Álvaro de Moya coleciona experiências fascinantes nos quadrinhos, na televisão e no cinema. Para citar apenas alguns exemplos, organizou a primeira exposição sobre histórias em quadrinhos do mundo e passou a chefiar as delegações brasileiras de comics em congressos por toda a parte, foi um dos convidados a pintar o letreiro de inauguração da TV Tupi e participou dos primórdios da Editora Abril, quando desenhava histórias da Disney no início dos anos de 1950. Além disso, estagiou na CBS, em Nova York, onde conheceu pesos pesados do mundo da imagem, entre eles Stanley Kubrick. Mais tarde sua área de atuação ampliou-se para formação de profissionais - é professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, e atualmente dá aulas de quadrinhos e televisão na Unifiam, também em São Paulo. A incursão pelo rádio gerou o programa Cinemúsica, na Rádio Cultura. No meio de tanta atividade ainda encontrou tempo para escrever quatro livros: Shazam (1977), História das Histórias em Quadrinhos (1993), O Mundo de Disney (1996) e Anos 50/50 Anos (2001). Álvaro conversou com o Conselho Editorial da Revista E sobre o pioneirismo do Brasil na história da televisão e nos quadrinhos. História essa em que teve papel fundamental.


Primórdios da HQ
“A primeira história em quadrinhos do Brasil foi publicada aqui em São Paulo, em 1867. Ângelo Agostini era um italiano que havia sido educado em Paris. Veio para São Paulo quando sua mãe, uma cantora de ópera, decidiu mudar-se para cá. Ele é uma das figuras mais importantes nessa área no Brasil, e os europeus e americanos o consideram um dos primeiros do mundo a fazer histórias ilustradas. Ou seja, São Paulo é um dos mais importantes templos das histórias em quadrinhos e, sem querer, eu também tenho algo a ver com isso. Em junho de 1951, eu, Jayme Cortez, Miguel Penteado, Syllas Roberg e Reinaldo de Oliveira - quatro desenhistas que, infelizmente, já faleceram - fizemos pela primeira vez no mundo uma exposição de histórias em quadrinhos. Éramos moleques e queríamos muito trabalhar com o gênero. Então escrevi para cartunistas americanos pedindo que nos enviassem alguns desenhos para que pudéssemos conhecer o trabalho deles, o papel que usavam, qual tipo de tinta, etc. Para que realmente obtivéssemos uma resposta eu os enganei dizendo que faríamos uma exposição aqui em São Paulo. Eles nos mandaram os originais e um dos cartunistas nos disse que pela primeira vez alguém pedia um de seus originais para pendurar em uma parede. De repente, notamos que éramos os primeiros do mundo a pensar em fazer uma exposição sobre histórias em quadrinhos. Então pensamos em oferecer essa exposição ao Pietro Maria Bardi, que na época dirigia o Masp [Museu de Arte de São Paulo], mas ele nem sequer nos recebeu. Assim como nós tínhamos ficado de queixo caído com aqueles desenhos maravilhosos, imaginamos que ele também ficaria. Mas, em vez disso, quem nos atendeu foi seu secretário, que não deu a menor bola para toda aquela maravilha. Tínhamos, então, um problema, já que havíamos prometido aos americanos que haveria uma exposição. Um amigo nosso nos falou que o Centro Cultura e Progresso da Juventude Judaica, que ficava no Bom Retiro, poderia ser um bom lugar para a exposição. De fato, eles aceitaram expor nosso material, mas, quando a mostra estava quase toda montada, um diretor do centro viu e disse: ‘Mas isso é imperialismo americano! Vocês querem usar nosso espaço para isso?’.”


Arte na TV
“Depois da exposição seguimos caminhos diferentes. Acabei indo trabalhar na televisão, onde injustamente qualquer pessoa se torna famosa. O povo pensa que quem aparece na televisão é artista. Se Candido Portinari chegasse na porta da televisão, não o deixariam entrar porque ele não é artista. Artista, na televisão, é quem aparece no Big Brother Brasil. Aliás, acho que esses três ‘BBB’ estão errados. Na verdade querem dizer Bíceps, Bundas e Burros. Anos e anos depois a Bienal trouxe uma exposição da Itália e junto veio um professor da Universidade de Roma. Quando ele soube que dez, doze anos antes de os europeus descobrirem histórias em quadrinhos o Brasil já havia feito uma exposição, nos convidou para irmos à Itália. Fomos eu, Mauricio de Sousa, Jaime Cortez, Sergio Lima e a esposa dele, Leila Lima. Nesse período, o Alan Resnais, o grande cineasta francês, e mais um grupo de intelectuais franceses que apoiavam as histórias em quadrinhos fundaram uma espécie de associação de amigos das histórias em quadrinhos. Isso foi mais de dez anos depois de termos feito a exposição, e então eu passei a participar de congressos, chefiando as delegações brasileiras na Europa. Eu me afastei de televisão, porque é uma escola de como puxar o tapete do mais próximo, e estava cansado disso. Descobri nesse período, na Europa, que eu era pioneiro de histórias em quadrinhos, era uma das primeiras pessoas no mundo a falar, a escrever e fazer exposições sobre o tema, antevendo as teorias de comunicação de massa. Só que eu não sabia, não me dava conta. Naquela época, fizemos a exposição por molecagem, mal registramos esse material.”



Cinema e literatura
“Durante minha juventude, quando fazíamos histórias em quadrinhos, nós líamos e assistíamos a muitos filmes. O Syllas Roberg era o único que tinha emprego, ele era bancário. No dia em que ele recebia o salário, a gente ficava na rua XV de Novembro esperando. Assim que ele saía, a gente pegava o salário dele e gastava tudo em livros. Íamos para o estúdio e ficávamos lendo. Quando faltavam uns dez dias para acabar o mês, acabavam os livros também, então nós precisávamos desenhar, para fazer alguma coisa e sobreviver o resto do mês. Cinema era outra paixão nossa. Como gostávamos muito, ficávamos ansiosos por saber a opinião da crítica sobre os filmes e devorávamos os textos. Então, um dia, o Walter George Durst, que tinha uma coluna de críticas na Rádio Tupi, falou sobre o filme O Rastro da Bruxa Vermelha (1948), com John Wayne. Ele dizia que se tratava de um filme ruim, que mais se parecia com uma história em quadrinhos de má qualidade. Então, pensei: ‘alguém fala de história em quadrinhos’. Não tive dúvidas, corri para o telefone e liguei para ele. Ele tinha uma voz bem fina e eu imaginei que deveria ser um truque, pois no rádio ele tinha um vozeirão. Logo depois eu soube que era o Dionísio Azevedo que lia as crônicas do Durst. Eu e o Syllas Roberg fomos até a rádio e acabamos conhecendo toda aquela turma da Tupi que fazia um rádio-teatro maravilhoso. A TV Tupi seria inaugurada em breve e o Durst propôs que eu desenhasse os letreiros do show de inauguração. Pedi um preço absurdo, e eles pagaram. A TV Tupi foi inaugurada em 18 de setembro de 1950. Foi a quarta televisão do mundo a entrar no ar, a primeira na América do Sul, a segunda na América Latina. Eu era um dos pioneiros no mundo da televisão, também um dos pioneiros no mundo de histórias em quadrinhos. Depois, passei por todas as televisões, menos a TV Globo, porque eu não gosto da TV Globo e a TV Globo não gosta de mim. Meu último trabalho em TV foi na novela Os Imigrantes, da TV Bandeirantes. O Brasil encontrou um jeitinho de fazer televisão, tal como o futebol, que consegue uma identificação muito grande com o público. Até a chegada da TV no Brasil, não tínhamos tradição em quase nada, apenas no rádio, que era excepcional. Foi esse pessoal que deu o pontapé inicial na TV brasileira. E, sem querer, fui pioneiro junto com toda essa turma.”