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O Canto de Gregório, novo espetáculo de Antunes Filho, e a sexta edição da série Prêt-à-Porter, desenvolvida pelos atores do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), coordenado pelo diretor, abrem espaço para uma nova dramaturgia

O principal compromisso de Antunes Filho com sua arte sempre foi o rompimento com modelos que ele considera desgastados e fórmulas que, repetidas à exaustão, esvaziam o teatro. Quando a palavra parecia banalizada, ele abriu mão dela - como fez em Drácula e Outros Vampiros, em 1996. Quando os textos não atingiam a profundidade desejada, ele recorreu às tragédias gregas de Eurípides, como em Fragmentos Troianos (1999) - releitura de As Troianas -, Medéia e Medéia 2 (2001). No trabalho com os atores, cansado de vê-los como meros coadjuvantes em montagens que privilegiam os artifícios da luz, som e figurinos, Antunes Filho entregou a eles supremacia na atuação e no controle sobre seus próprios processos criativos. Para tanto, surgiu com um método que os colocava no centro, ficando ele mesmo, Antunes, na “periferia” dessa nova dinâmica. Foi quando iniciou a série Prêt-à-Porter, em 1997, assinando as montagens como coordenador geral. “Antunes estava pensando numa outra montagem”, conta Emerson Danesi, ator do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) responsável pela produção executiva de Prêt-à-Porter, na ocasião da estréia da quinta edição da série, em março de 2003. “Ele começou a questionar justamente por que o teatro estava trazendo tantos efeitos pirotécnicos: grandes cenografias, grandes montagens, a tecnologia invadindo o palco e demais coisas que abafavam a figura principal do teatro, que é o ser humano, portanto o ator. Ele começou a pensar numa maneira de deixar os atores se desenvolverem.” Antunes Filho afirma: “Eu me preocupo em fazer atores. Preciso de atores, preciso de técnicas de ator. Sem isso não faço nada. Fica uma mesmice só. Chega um momento em que você não tem mais o que falar”.


O discurso do homem
Em 2004, ano em que o CPT, que Antunes coordena no Sesc Consolação, completa 22 de existência - e às vésperas do lançamento de um livro que cobrirá toda a carreira do diretor -, dois espetáculos preparam-se para consolidar essa tradição do novo. Prêt-à-Porter 6 dá mais um passo em direção ao elemento primordial do teatro de Antunes Filho: o ser humano (ver boxe). E O Canto de Gregório, do estreante Paulo Santoro, inaugura uma nova era nas montagens do CPT. Saem as referências clássicas das “troianas” e “medéias” de antes, entram personagens tão inéditas ao público quanto a dramaturgia proposta agora. “Em 1999 o Antunes Filho estava preocupado em procurar novos autores brasileiros”, explica Santoro, primeiro do Círculo de Dramaturgia do CPT a ter um texto montado pelo diretor. “Ele chegou a fazer um curso com alguns dramaturgos e a partir daquilo as pessoas que participaram daquele curso foram acolhidas por ele para formar esse círculo.” Trata-se de um grupo de estudos em que, diferentemente de uma oficina, não há aulas ou professor. Semanalmente, os integrantes se reúnem para sessões durante as quais são analisados peças e roteiros cinematográficos e apresentados os novos trabalhos. “Foram três concursos até agora e todos com as mesmas características”, continua Santoro. “As pessoas mandam duas peças curtas como exemplo e algumas delas são selecionadas para uma entrevista. Depois dessa entrevista duas pessoas são escolhidas.” O jovem autor de 31 anos conta que já havia começado a escrever O Canto de Gregório “há alguns anos” antes de se envolver com o círculo de dramaturgia e que algumas das cenas que o público poderá ver no palco já estavam prontas quando Antunes começou os ensaios, em meados de 2001, logo depois de ter concluído a primeira versão de Medéia. Porém, no todo, a peça chegou à forma final seguindo o minimalismo que pontua as montagens de Antunes. “Era uma peça longa demais, eu tive de transformá-la completamente. Ela tinha alguns elementos centrais que eram importantes, mas eu tinha colocado muitas cenas que não eram essenciais, que não eram tão importantes. Ou seja, eu estava sendo prolixo dentro do teatro.” Nascido em Ribeirão Preto e morando em São Paulo desde 1990, quando veio estudar letras na USP, Paulo Santoro tem um discurso simples e direto, coincidentemente ou não, bem no estilo do que Antunes Filho tem perseguido no palco. E foge um pouco de encaixar seu texto numa linha específica. Prefere citar como referências “muitas fontes de leitura e muitos tipos de preocupações pessoais”. E encontrou tempo para brincar com o repórter da Revista E. “Ainda bem que você não me perguntou sobre o que é a peça, eu não saberia responder”. Não muito mais generosa nesse sentido, a sinopse apresentada pelo CPT resume o espetáculo como sendo sobre um homem, sentado sozinho em seu canto - daí o título -, “armando um cenário para ser julgado pelo crime de não ser um bom homem”. Porém, a idéia de canto no sentido de som musical produzido pela voz - uma ‘confusão’ que, parece, marcará o título do espetáculo - não deve ser descartada. Ao contrário, é bem-vinda. “A peça é praticamente baseada naquilo que Gregório tem a dizer”, adianta Santoro. “Por isso, pode ser canto como o discurso de uma pessoa, aquilo que ela expressa.” O Canto de Gregório traz elenco de doze atores e apresenta Arieta Corrêa no papel-título. A cenografia é de J.C. Serroni.


AMOR PRECÁRIO
Sexta edição da série Prêt-à-Porter, realizada pelo Centro de Pesquisa Teatral (CPT), dá mais um passo em direção ao elemento primordial do teatro de Antunes Filho: o ser humano O primeiro Prêt-à-Porter foi apresentado ao público em 1997. Um espetáculo simples, composto de três esquetes nos quais se podiam ver apenas dois atores conversando em frente à platéia, um flash de uma relação entre duas pessoas. O palco, uma espécie de arena montada na área de convivência do Sesc Consolação. Pouquíssimos elementos em cena e uma luz que se incumbia de dar visibilidade à ação. Uma áurea de naturalismo que destruía tudo o que fosse cerimonial e grandiloqüente. Esse era o recado. Chegava a hora para uma nova linguagem no teatro de Antunes Filho, que, tendo como objetivo a supremacia do ator, assinava na função de coordenador geral, em vez de diretor. “Eu vou coordenando e nós vamos selecionando”, explica Antunes Filho acerca do processo de produção da série Prêt-à-Porter. “Ninguém decide: 'eu vou usar isso' e pronto. As coisas ficam subjacentes. O ator vai fazendo as coisas e aquilo vai brotando, surgindo, se refletindo naquilo que ele apresentará. Não é que eu vou pegar Dostoiévski e vou fazer e pronto. Não é assim. É preciso base cultural.” Oito anos depois, e com camadas e mais camadas de base cultural acumulada, os atores do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), igualmente coordenado por Antunes Filho, apresentam a sexta edição dessa linguagem. O Prêt-à-Porter 6 vai a público mais maduro, inquietante e teatral. Justamente por exercitar durante todo esse tempo o despojamento de efeitos desnecessários - em cena e no próprio processo de composição dos atores - é que agora o Prêt-à-Porter pode flertar com os estereótipos e convenções, porém sem abrir mão de dissecá-los, no lugar de apenas reproduzi-los. “Estamos saindo um pouco da estrutura de monólogos no Prêt-à-Porter, onde sempre tem dois totens: um fala, outro fala”, explica Arieta Corrêa, atriz do CPT que atua em Senhorita Helena, segunda esquete do Prêt-à-Porter 6. “Mas com a maior sensibilidade possível, que é o caráter do Prêt-à-Porter, essa busca do ser humano. Só que agora estamos conseguindo ter outra estrutura: ter mais relações, diálogos interagindo e uma mecânica diferente.” O trio de esquetes desta vez explora mais os contatos afetivos entre as personagens. Os “casais” se conhecem, têm uma história em comum, e a platéia ganha mais elementos para visualizar a vida das personagens. Na primeira parte, vê-se a despedida da dona de bordel e sua protegida; na segunda, uma rica filha de fazendeiro é seqüestrada por seu empregado e amigo de infância durante um conflito de classes; e, na terceira, um médico e seu paciente transexual acertam os últimos detalhes de uma operação para próteses de seios. “Diferentemente dos outros, onde havia o encontro de pessoas que não se conheciam, este tem um número maior de gente que se conhece - mesmo o doutor e o transexual estão há algumas semanas no tratamento”, revela Kaio Pezzutti, o intérprete do médico em Estrela da Manhã. “É a precariedade do amor e como eles se encontram, longe de qualquer forma de preconceito. Não foi um objetivo nosso falar sobre o amor, mas foi um mergulho, porque nós sondamos caminhos perigosos.” Um dos perigos foi justamente a escolha das personagens. Exatamente por se tratar de figuras comumente exploradas pela mídia - a prostituta, o transexual, a fazendeira rica - é que o clichê poderia atocaiar a cena. “Mas a diferença está justamente na maneira de olhá-los”, esclarece Emerson Danesi, ator que interpreta o transexual Yuriê em Estrela da Manhã. “Foi engraçado porque quando começamos a fazer essas cenas veio essa história da novela Metamorfose, da Record (que fala de cirurgias plásticas), e alguns atores globais começaram a fazer um programa vestidos de mulher. Mas o que muda é como você vai trazer esta alma. Todos já viram Hamlet também, mas depende de como o ator vai olhar a personagem e trazer alguma coisa diferente.”