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Teatro

REVISTA E - MARÇO 2008

Teatro Político
Referência na dramaturgia nacional, Oduvaldo Vianna Filho, ?o Vianinha, fazia dos palcos seu campo de combate ideológico






Pensador essencial na hora de analisar a sociedade contemporânea, o alemão Karl Marx (1818-1883), famoso principalmente por sua obra O Capital, foi autor da tese segundo a qual primeira fase de uma revolução de ordem social e econômica se daria com a chegada dos trabalhadores ao poder, o que acarretaria a substituição do regime capitalista pelo socialista, ou seja, o proletariado regendo o Estado. O passo seguinte, de acordo com o que Marx e seu conterrâneo Friedrich Engels escrevem no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, seria a implantação do comunismo, que daria continuidade às mudanças, eliminando o modelo de Estado conhecido na época, e como é até hoje.

A teoria, em parte, ganhou exemplos na prática. A China colocou seu Partido Comunista Chinês (PCC) no poder durante a revolução de 1949, e a Rússia implantou o socialismo em 1917, para em seguida se tornar o país líder da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), fundada em 1922. No Brasil, os esforços de seguir a filosofia de Marx partiram, na década de 1920, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, conhecido por seus militantes como o Partidão - que concentrou célebres nomes das artes brasileiras, como os escritores Jorge Amado e Graciliano Ramos e o arquiteto Oscar Niemeyer.

Na área teatral, foi o dramaturgo carioca Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), o Vianinha, um dos que mais se destacaram na "luta", de meados dos anos 50 até 1974. Suas peças tinham foco nos problemas das classes populares e sua intenção era estimular atitudes críticas nos espectadores. "Ele era um rapaz que tinha uma ideologia muito firme e acreditava plenamente que poderia mudar o mundo a partir do teatro", explica a crítica teatral Ilka Marinho Zanotto, jurada na edição de 1974 do Concurso de Dramaturgia do Serviço Nacional do Teatro (SNT) que premiou a peça Rasga Coração, de Vianinha. "Quer dizer, ele pensava que conseguiria conscientizar as platéias para que as pessoas tomassem uma posição de mudança de estruturas." A política e a cultura se entrelaçaram constantemente não só no trabalho, mas também na vida de Vianinha. A começar por seus pais, a radialista Deocélia e o dramaturgo Oduvaldo Vianna, figuras ligadas ao Partidão que tinham entre seus amigos mais próximos um dos principais dirigentes do PCB, o militar e político Luís Carlos Prestes. "Acho que o Vianinha entrou no partido desde que nasceu", conta a professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP), Maria Silvia Betti, autora do livro Oduvaldo Vianna Filho (Edusp, 1997). "Quando ele era pequeno, ia fazer campanha junto com o pai, que chegou a ser candidato a deputado."

A professora revela que era na casa dos Vianna que Prestes comemorava aniversário, com direito a festa e bolo. "Era uma militância que se desdobrava no cotidiano [familiar]", diz. Com a mudança da família para a cidade de São Paulo, Vianinha fez o ensino médio no Colégio Caetano de Campos e, depois, cursou até o terceiro ano da Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie. Participou do movimento estudantil e ingressou, em 1954, no Teatro Paulista do Estudante (TPE), ambiente por onde circulavam os atores Gianfrancesco Guarnieri e Vera Gertel, primeira mulher de Vianinha. Sua estréia no teatro se deu em 1955, como ator, na peça Rua da Igreja, do autor irlandês Lennox Robinson.


  Na arena

Fundado pelo ex-aluno da Escola de Arte Dramática (EAD) José Renato, em 1953, o grupo paulistano Teatro de Arena surgiu com uma proposta diferente para a cena da época: romper com o chamado palco italiano - o modelo tradicional no qual a platéia fica de frente para a cena -, visando a baratear os custos de produção. A primeira experiência foi com Esta Noite É Nossa, do escritor inglês Stafford Dickens, espetáculo apresentado no centro de um dos salões do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), com o público ao redor. "O Teatro de Arena começou inovando a partir do espaço físico", retoma Ilka Marinho Zanotto. "Pela primeira vez no Brasil, os atores estavam no centro e a platéia em volta.

O modo de trabalhar tinha de ser muito real, porque [atores e platéia] estavam olho a olho, não se tinha mais a ilusão da quarta parede [como é conhecida no meio teatral a parede imaginária que se forma na frente do palco e o "separa" da platéia]". Após dois anos de atuação em espaços improvisados, José Renato encontrou uma sede para o futuro Arena, na Rua Teodoro Baima, número 94, região central de São Paulo. Era uma antiga loja de tintas que ficava na frente de um dos mais famosos botecos da época, o bar Redondo, muito freqüentado por universitários. A reforma transformou o lugar em um teatro com 144 lugares que circundavam um tablado de cerca de 3 metros por 4.

Foi lá que, a partir de 1956, passaram a atuar o próprio Vianinha e ainda Gianfrancesco Guarnieri, Vera Gertel e Milton Gonçalves, que se juntaram à companhia. Outro importante reforço na época foi Augusto Boal, recém-egresso de um curso de direção e dramaturgia nos Estados Unidos. Logo no ano em que entrou na trupe, Vianinha estreou na nova casa fazendo uma pontinha na Escola de Maridos, do dramaturgo francês Molière, dirigida por José Renato. Durante os primeiros dois anos de existência, o Arena viveu à beira da bancarrota. A crise financeira já tinha convencido José Renato a encerrar o grupo, e para a despedida ele escolheu encenar Eles Não Usam Black-tie, de autoria de Guarnieri e com Vianinha no elenco. O que era para ser o fim significou um novo começo. O espetáculo não só foi sucesso de público e crítica como também se tornou um marco na dramaturgia nacional. "Eles Não Usam Black-tie salvou o Arena de fechar", conta Ilka. "Tinha um texto nacional que pela primeira vez pôs o operário brasileiro em cena."

Depois da montagem, a companhia passou a promover seminários de dramaturgia nos quais os autores liam suas peças e em seguida era realizado um debate com o público. Segundo Ilka, os textos debatidos eram "testados" nessas ocasiões, sempre a partir de uma "orientação marxista, que procurava analisar o momento político e social do país".



  Para o povo

Um dos espetáculos testados, e aprovados, foi de Vianinha: Chapetuba Futebol Clube, de 1959, êxito subseqüente a Eles Não Usam Black-tie. "Ele reescreveu o Chapetuba mais de sete vezes", conta a professora da USP Maria Silvia Betti. "O pessoal criticava, aí ele mexia, lia-se outra vez, criticava-se e ele mudava. Assim foi o trabalho." Com Boal na direção, a peça abordava as paixões que o futebol desperta no Brasil e as trapaças que acontecem em alguns campeonatos, numa época em que a seleção brasileira de Pelé acabara de ganhar sua primeira Copa do Mundo, na Suécia.
Em 1960, ainda no Arena, Vianinha escreveu A Mais-valia Vai Acabar, Seu Edgar, encenada pelo grupo Teatro Jovem, no Rio de Janeiro. "Ele queria construir uma reflexão sobre a luta de classes e a relação do lucro que fosse além da perspectiva daquele público pagante de classe média", conta Maria Silvia. Ao fim de seu contrato com o Arena, Vianinha passou a atuar no elenco de A Mais-valia, chegando a levar o trabalho para portas de fábricas e para bairros da periferia do Rio de Janeiro.

O espetáculo significou o início de uma nova empreitada: o Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE). O CPC tinha Vianinha como um de seus grandes articuladores e o objetivo de conscientizar as classes populares por meio da cultura. As atividades da organização duraram até 1964, quando o golpe militar instalou a ditadura no país e levou a UNE à clandestinidade.


  Implacável censura

Apesar do regime ditatorial, os ecos do CPC reverberavam em outras iniciativas. Como o célebre Show Opinião, realizado no Rio de Janeiro, em dezembro de 1964. Idealizado por Vianinha, juntamente com o autor e diretor Armando Costa, o poeta Ferreira Gullar e o dramaturgo Paulo Pontes, o espetáculo reuniu os músicos Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão, e inspirou a criação do Grupo Opinião - formado pelo mesmo quarteto que idealizou o show. "O Show Opinião é totalmente herdeiro das coisas do CPC, que tinha um trabalho bastante continuado com a música popular", explica Maria Silvia Betti. Ela diz ainda que o show foi "uma forma que Vianinha e seus companheiros encontraram para dizer que continuavam vivos e acreditando na mesma coisa". Daí o título "opinião" para o espetáculo e o grupo. O escritor e dramaturgo Izaías Almada, autor do livro Teatro de Arena (Boitempo, 2004), conheceu Vianinha e assistiu ao Show Opinião nessa época. Para Almada, a apresentação foi "o primeiro grande embate entre a arte e a repressão".

Embora não tenha ido parar na cadeia - procedimento comum durante o período de repressão -, Vianinha não escapou da censura. Os casos mais emblemáticos envolveram suas peças Papa Highirte, de 1968, e Rasga Coração (veja boxe Brasil revisitado, sobre a nova montagem realizada no Sesc Santana), escrita entre 1971 e 1974. Curiosamente, os textos foram censurados pelo Ministério da Justiça logo após ter sido premiados pelo Ministério da Cultura no Concurso de Dramaturgia. O dramaturgo morreu de câncer do pulmão, no dia 16 de julho de 1974, aos 38 anos.





Brasil revisitado
Rasga Coração, última obra escrita por Vianinha, tem leitura dramática no Teatro Sesc Anchieta e é encenada na unidade Santana

Em 1971, o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), o Vianinha, dá início ao processo de pesquisa e produção da peça Rasga Coração. A descoberta do câncer intercepta a jornada, fazendo-o concluir o texto no leito de morte, em 1974. Mesmo premiado no Concurso de Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro (SNT) daquele ano, o trabalho não escapou da censura.

Depois de cinco anos de gaveta, Rasga Coração finalmente ganharia o palco, com direção de José Renato e tendo Raul Cortez no papel principal. Em 2007, passados 28 anos da primeira montagem, o texto de Vianinha ganha nova versão na unidade Santana, onde fica em cartaz até o dia 25 de novembro, com direção de Dudu Sandroni e o ator Zecarlos Machado no papel que foi de Raul Cortez. O espetáculo faz uma retrospectiva da vida política e dos rumos do Brasil desde a revolução de 1930 até o início da década de 70. Indicada para o Prêmio Shell, na categoria Melhor Direção, a montagem estreou no dia 20 de outubro, depois de uma temporada no Rio de Janeiro. O Teatro Sesc Anchieta, na unidade Consolação, também revisitou a obra do dramaturgo carioca, realizando uma leitura dramática de Rasga Coração, no dia 15 de outubro, com direção de Eugênia Thereza de Andrade. A ocasião encerrou o projeto 7 Leituras - 7 Autores e 7 Encontros, que começou com A Exceção e a Regra, de Bertolt Brecht.




Sucesso na telinha
Criador do seriado A Grande Família, o dramaturgo também fez história na TV

Vianinha não foi só um importante nome para o teatro brasileiro, o dramaturgo também deixou sua marca na televisão. Se você faz parte do público que se diverte com as peripécias de Agostinho, Lineu, Bebel, Tuco e Nenê, personagens do seriado A Grande Família, exibido pela Rede Globo, saiba que o programa foi criado por Vianinha, juntamente com o também autor de teatro Arm ando Costa, em 1973. A carreira televisiva de Vianinha começou em 1961, quando escreveu Cia. Teatral Amafeu de Brusso, levada ao ar pela extinta TV Excelsior. Com o texto O Matador - não confundir com o filme de mesmo nome do diretor Beto Brant, que tem o escritor Marçal Aquino assinando o roteiro -, o autor ganhou o concurso de teledramaturgia da TV Tupi, em 1964.

Ainda na Globo, Vianinha também foi responsável pela adaptação ao formato de teleteatro de clássicos da dramaturgia, como Medéia, do grego Eurípedes; A Dama das Camélias, do francês Alexandre Dumas Filho; Mirandolina, do italiano Carlo Goldoni; e Noites Brancas, do russo Fiódor Dostoiévski.