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O poeta do amor, das flores e laranjais

Casimiro de Abreu, um grande escritor que viveu apenas 21 anos

CARLA ARANHA


A principal obra do escritor
Foto: Reprodução

O poeta Casimiro de Abreu, morto em 1860, aos 21 anos, deixou apenas um livro de poesias, Primaveras, três contos, “Camila” – que ficou inacabado –, “Carolina” e “A Virgem Loura”, além de uma peça de teatro, escrita durante sua adolescência, Camões e o Jau. Mesmo assim, é considerado um dos principais escritores brasileiros de todos os tempos. “O fato de ter tido uma vida muito curta não impediu que ele se transformasse no maior ícone da cultura fluminense e um dos nomes mais lembrados de nossa literatura”, diz Mário Alves de Oliveira, que organizou os volumes Correspondência Completa de Casimiro de Abreu (Academia Brasileira de Letras) e Casimiro de Abreu, 150 Anos de Primaveras (Academia Brasileira de Letras e Editora Nitpress). Este ano, o poeta foi homenageado com o lançamento de Casimiro de Abreu, Obra Completa (Editora G. Ermakoff Casa Editorial e Academia Brasileira de Letras), também de Oliveira, em função dos 150 anos de sua morte.

Casimiro de Abreu soube retratar como poucos o lirismo do dia a dia do século 19, marcado por convivência familiar, namoros inocentes, saraus e forte presença da natureza. As cidades ainda eram diminutas – o Rio de Janeiro, por exemplo, não alcançava 400 mil habitantes –, e muita gente vivia no campo. A proximidade com o verde é uma das explicações para o fascínio do poeta por flores e borboletas, que aparecem em vários de seus versos. Seus poemas, por sinal, até hoje correm de boca em boca. “Ele leva o leitor à adesão emocional a esse lugar-comum que é o cotidiano do homem de qualquer época, mas que contém o heroísmo e a tragédia”, diz Ilka Laurito em Casimiro de Abreu (coleção Literatura Comentada, Abril Educação). A tradição romântica, da qual o poeta foi um dos grandes expoentes, se revela pela escolha dos temas, ligados à aspiração de igualdade, à idealização da infância, à busca pela conquista dos sonhos e ao prenúncio da morte. No famoso poema “Canção do Exílio”, do livro Primaveras, ele escreve: “Se eu tenho de morrer na flor dos anos, /Meu Deus! não seja já;/ Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,/ Cantar o sabiá! [...]/ Quero morrer cercado dos perfumes/ Dum clima tropical,/ E sentir, expirando, as harmonias/ Do meu berço natal!”

Grande parte dos autores nacionais contemporâneos a Casimiro foi influenciada pelo inglês George Gordon Byron (1788-1824), mais conhecido como lorde Byron, morto aos 36 anos ao lutar contra os otomanos na guerra de independência grega. A temática do fim trágico – e precoce – é uma das maiores características dos românticos. Em Casimiro, no entanto, ela aparece junto com o apreço pela liberdade e a alegria proporcionada pelos campos e pelo mar. A vida do poeta, porém, não foi fácil. No século 19, imperava uma cultura patriarcal, em que os filhos seguiam a vontade dos pais, e os escritores eram vistos com preconceito pela sociedade. “Se o rapaz era novo, podia escrever à vontade. Mas se ele levasse a atividade adiante depois de receber o diploma universitário, provavelmente seria considerado um desajustado”, diz Ubiratan Machado, autor de A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo (editora Tinta Negra).

Casimiro teve ainda de conviver com o fato de ser filho bastardo, em uma época de rígidos costumes sociais. “Mais tarde, isso vai atrapalhar até um romance com uma moça de boa família”, conta Oliveira. O poeta, nascido a 4 de janeiro de 1839, na região de Macaé (a cerca de 170 quilômetros do Rio de Janeiro), foi o primogênito de José Joaquim Marques de Abreu, um imigrante de origem portuguesa, e Luísa Joaquina das Neves, uma fazendeira brasileira, analfabeta. Eles viveram juntos durante a infância e parte da adolescência de Casimiro, mas nunca se casaram. Aos poucos, seu pai, que havia chegado pobre ao Brasil, acumulara riqueza. Na juventude, ele havia trabalhado com comerciantes portugueses no Rio de Janeiro. Economizando cada tostão que recebia, ele passara a comprar terras. “O homem tinha fama de ser muito esperto e possuir um grande faro para os negócios”, diz Oliveira.

Casimiro viveu a infância à beira-mar, em uma fazenda de sua mãe, herdeira de uma família rica, até ser enviado, aos 11 anos, para estudar em um internato, o Instituto Freeze, em Nova Friburgo, que tinha ótima reputação. Ele gostava dos professores e dos colegas, mas não chegou a terminar o curso. José Joaquim, que nessa época também possuía uma casa de exportação de café no Rio de Janeiro, começa então a ter problemas com a Justiça. Ele é acusado de enganar os fregueses e de traficar escravos, atividade que estava proibida no Brasil desde 1850, com a instauração da Lei Eusébio de Queirós. Além disso, um irmão dele que também vivia no Brasil estava doente e optou por tratar-se em Portugal. “José Joaquim acaba fechando a loja no Rio e resolve passar uma temporada em Portugal para decidir o que fazer da vida e proporcionar um tratamento de saúde mais adequado a seu familiar”, explica Oliveira.

Todos embarcam juntos no navio Olinda. Após uma viagem de meses, no final de 1853 desembarcam em Lisboa. Na capital, o garoto frequenta as redações das revistas “Ilustração Luso-Brasileira” e “O Panorama”, que passam a publicar as poesias que escreve. Redige também uma peça de teatro, Camões e o Jau, que é encenada em 1856. Casimiro tem então apenas 17 anos. A apresentação não é um grande sucesso, mas o ajuda a se tornar conhecido. “Ainda adolescente, ele não é anônimo nas rodas literárias portuguesas e ao regressar ao Brasil já tem um certo nome”, conta Oliveira.

Na Europa, seus pais se separam. José Joaquim tem escravos e bens no Brasil, e decide voltar para tomar conta do que possui. Luísa também retorna. Ele vai morar em uma fazenda, próxima a Macaé, e sua mulher se instala em outra. O português resolve definir então o destino de Casimiro. Ordena que o filho siga a carreira de comerciante e manda-o fazer um estágio em uma casa atacadista de amigos seus, a Câmara, Cabral & Costa, no centro do Rio de Janeiro. O poeta passa a morar em um quarto do sobrado onde se situava a loja, o que era algo comum.

Casimiro não tem, no entanto, a menor tendência para o comércio. Gosta mesmo é de estar em meio aos escritores – muitos são seus amigos íntimos, como Machado de Assis, também nascido em 1839, e Joaquim Manuel de Macedo, autor de A Moreninha, um dos maiores sucessos editoriais do século 19. Eles brincam, trocam ideias, falam de literatura. A turma se encontra sempre em determinados locais da cidade. Um deles é a livraria de Francisco de Paula Brito, na atual Praça Tiradentes. Brito, um amante das letras, também possuía uma tipografia e publicava o jornal “A Marmota”, que aglutinava os expoentes das letras nacionais.

O grupo se reunia ainda no escritório do advogado Caetano Filgueiras, na Rua de São Bento. Filgueiras gostava da companhia dos intelectuais e incentivava os artistas. De acordo com Ubiratan Machado, jovens promissores como Machado de Assis, Casimiro de Abreu e José Alexandre Teixeira de Melo, entre outros, passavam horas lá recitando poemas, contando suas aventuras amorosas e falando de música, pintura, teatro. “O lugar, encharcado de literatura, foi berço de vários livros de poesia”, conta.

Sempre que pode, Casimiro vai também ao teatro, e é considerado um assíduo cliente da zona de meretrício, como tantos outros rapazes. Segundo Ubiratan Machado, ele frequenta ainda a elegante Confeitaria Carceler, na Rua do Ouvidor, por onde passam escritores e políticos como Francisco Otaviano e Zacarias de Góis, além do empreendedor barão de Mauá. Às vezes, até o imperador dom Pedro II, ele mesmo um admirador confesso das letras, visita o lugar. Quando está em casa, Casimiro se dedica a reunir os poemas que já escreveu para publicá-los em um livro, Primaveras, que seria editado por Paula Brito.

Conforme o tempo passa, ele fica cada vez mais infeliz com o trabalho de comerciante. A insatisfação chega a um ponto que o poeta não vê outra solução a não ser pedir demissão, em um grande ato de rebeldia contra o pai. Casimiro oficializa sua saída, por carta, aos proprietários da Câmara, Cabral & Costa. Diz: “Uma vez que não posso seguir a minha vocação e que ainda em cima me contrariam, eu desligo-me da autoridade paterna e quero por mim mesmo ganhar a vida. Prefiro antes um ofício ou qualquer ocupação mecânica à vida comercial excelente para muitas pessoas, mas não para mim. Não sou ambicioso de dinheiro, e a vida de artista sustenta qualquer que trabalhe. Decerto chamar-me-ão de louco e de mau filho, porém mais tarde hão de fazer-me justiça. Meu pai está rico e feliz e minha pobre mãe precisa de mim: não hesito”. Para Mário Alves de Oliveira, Casimiro possivelmente tinha vontade de ajudar financeiramente sua mãe, que passava por dificuldades. “É provável que trabalhando por conta própria tivesse mais chance de conseguir fazer isso”, afirma Oliveira.

Seu pai, no entanto, não aceita que ele se demita e o obriga a voltar logo para o emprego. Casimiro não chega nem a retirar suas roupas e livros do local. “José Joaquim era um homem muito enérgico e devia ser muito difícil dizer ‘não’ a ele”, diz Oliveira. Para piorar, José Joaquim fica doente – há anos ele sofria de uma hérnia, que, em 1860, ameaça romper-se a qualquer momento. O caso é grave. “No século 19, a medicina podia muito pouco contra as enfermidades”, lembra Ubiratan Machado.

Quando Primaveras é publicado, em setembro de 1859, o português já está muito mal. Ele manda avisar o filho, no Rio de Janeiro, de que sua vida está por um triz. O jovem decide então levá-lo pessoalmente, e às pressas, para ser operado em Barra de São João (hoje distrito do município de Casimiro de Abreu), onde havia um médico conhecido da família. Porém, José falece antes de chegar ao cirurgião, no dia 17 de abril de 1860. Na mesma época, Casimiro ainda perde dois grandes amigos, Joaquim Manuel de Macedo e Francisco Gonçalves Braga. “Foi um enterro atrás do outro”, diz Oliveira, segundo o qual um quadro de depressão que começara a manifestar-se no escritor na época da separação dos pais se agrava com a morte dos colegas.

Ele começa a sentir os primeiros sinais da tuberculose, moléstia para a qual não havia remédio. “Muita gente morria jovem há cem ou 150 anos, por falta de recursos médicos e desconhecimento de procedimentos básicos de higiene que ajudam a manter a saúde”, afirma Ubiratan Machado. Em busca de ar puro, Casimiro vai para Nova Friburgo, e se hospeda no hotel de Guilherme e Mariana Salusse, um casal de estrangeiros. Os amigos cariocas mandam-lhe cartas falando sobre o grande sucesso de Primaveras, que é muito bem recebido por crítica e público.

Aos 21 anos, Casimiro tem pela frente uma carreira literária brilhante, conta com uma rica herança e namora Joaquina Luísa da Silva Peixoto – que viria a ser tia trisavó de Tom Jobim –, com quem pretende se casar. A família dela, entretanto, é contra o namoro. Acredita que Casimiro, por ser escritor, não poderá oferecer um bom futuro à moça. Pesa contra ele também o fato de ser fruto de uma relação não oficializada, já que seus pais nunca se casaram. Apesar disso, ele não desiste de sua amada e leva o romance adiante.

A saúde frágil, no entanto, é um grande impedimento a seus projetos. Em alguns dias está melhor, em outros pior, mas segue sempre doente, tossindo e respirando com dificuldade. Em Nova Friburgo, sente-se cada vez mais fraco. Para complicar a situação, precisa viajar para cuidar do inventário do pai. É necessário que vá à região de Macaé, onde a família possui propriedades. São mais de oito horas de cavalgada desde Nova Friburgo. Casimiro fica extremamente cansado durante a jornada e sente que não tem mais forças.

De volta a Nova Friburgo, decide fazer um testamento e manda chamar o tabelião. Faz questão de mencionar todas as contas que tem a pagar, como a do hotel, e manda rezar uma missa por sua alma. Em 18 de outubro de 1860, seus olhos se fecham para sempre. “Ele foi muito correto, mandou ressarcir a todos a quem devia, demonstrando o seu bom caráter”, diz Oliveira. Sua mãe recebe a herança – mas gasta tudo e morre pobre. Logo são feitas novas edições de Primaveras e o nome de Casimiro continua sendo lembrado.

Alguns anos depois, em 1896, é fundada a Academia Brasileira de Letras, e o escritor Teixeira de Melo sugere que Casimiro seja o patrono da cadeira número 6, o que é aceito por todos os participantes. Na opinião dos estudiosos de sua vida e obra, a homenagem que recebe dos acadêmicos, mesmo depois de morto, é uma grande prova de quanto era querido e admirado pelos escritores. “Se tivesse avançado na idade, ele poderia ter se tornado um grande cronista de costumes, já que era muito observador, além de ter dado continuidade à carreira de poeta. De qualquer forma, o pouco que deixou contribui muito para a literatura nacional”, afirma Oliveira.


Sucesso interrompido

Diversos poemas do livro Primaveras se tornaram clássicos da literatura nacional. Um dos mais famosos é “Meus Oito Anos”, em que o poeta diz:

 

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias de minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às ave-marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

 


Linha do tempo

• 1839 Nasce Casimiro de Abreu, filho de José Joaquim Marques de Abreu e Luísa Joaquina das Neves.

• 1840 – Começa o Segundo Reinado, com a coroação de dom Pedro II.

• 1842 – É publicada a peça O Juiz de Paz da Roça, de Martins Pena, que dá início ao teatro popular no Brasil.

• 1844 – É lançado o romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, um dos marcos do romantismo, que faz grande sucesso.

• 1846 – Gonçalves Dias publica Primeiros Cantos.

• 1850 – A Lei Eusébio de Queirós extingue o tráfico de escravos no Brasil.

• 1852 – O jornal “Gazeta Mercantil”, do Rio de Janeiro, edita, em capítulos, Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida.

• 1854 – O Rio de Janeiro ganha iluminação a gás e é inaugurada a primeira estrada de ferro do país, ligando a capital a Petrópolis.

• 1855 – Tem início a carreira literária de Machado de Assis, com a publicação de um poema seu no jornal “A Marmota”, de Paula Brito.

• 1856 – José de Alencar lança sua primeira obra, Cinco Minutos, e Casimiro de Abreu tem sua peça Camões e o Jau encenada em Lisboa.

• 1859 – Casimiro de Abreu publica Primaveras.

• 1860 – O poeta morre, de tuberculose, no dia 18 de outubro, em Nova Friburgo.

 

 

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