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Quem é o ator ?
Como qualquer mortal

Novela das oito, capa de revista, glamour, fama, fãs. Numa época em que a TV reina absoluta, algumas pessoas pensam na profissão de ator como a sorte grande: ganhar dinheiro para ser querido e admirado. Mas será que é só isso? Ou melhor, tudo isso?

Reynaldo Gianechinni, Vera Fischer, Caio Blat, Ana Paula Arósio. O que eles têm em comum? Todos são bonitos, queridos e ganham bem. Profissão? Atores. Longe de querer julgar ou medir o talento de cada um, não é esse o objetivo da matéria, há um fato inegável: num país com altos índices de desemprego, salários baixos e mercado de trabalho saturado não é difícil ouvir suspiros que vêm não somente de fãs apaixonados, mas de qualquer pessoa que gostaria de aliar prazer na profissão com dinheiro e fama. Muitos de nós, meros mortais, em sonhos de criança já quis ser galã de novela ou uma jovem e linda atriz. Porém, o que foge do conhecimento da maioria da platéia, e dos telespectadores, é que os atores são feitos de carne e osso. Eles sentem dor e sofrem desilusões que não “saram” no último capítulo. Mais que isso: alguns pegam ônibus para ir para casa, vão ao supermercado, ganham pouco...
“A televisão contribuiu muito para essa visão que as pessoas têm do ator”, analisa o ator Humberto Magnani, que a maioria conhece de algumas novelas da Globo, mais recentemente no papel do pai da veterinária interpretada por Helena Ranaldi, na novela Laços de Família. “É claro que o ofício do ator fascina as pessoas, até porque não tem rotina. Só isso é um desafio para o próprio ator. Muita gente não segura a onda de ter um emprego assim. O fato de não ser um trabalho solitário, como por exemplo um advogado ou jornalista em frente ao seu computador, facilita muito esse pensamento. Mas entender isso é o segredo para continuar na profissão. Muitos talentos não decodificaram esses códigos”. Magnani toca num ponto fundamental para esclarecer esse “mistério”: a diferença entre fama e prestígio. “Fama é aquela que quando você acaba de fazer a novela, já não te param tanto na rua. Prestígio você adquire principalmente com seus colegas de profissão”. O que nos remete ao fato de que atuar trata-se de uma profissão que, como qualquer outra, pode trazer ambas as coisas. E, por sua vez, essa condição pode ou não vir acompanhada de fortuna e glamour.

Ingresso difícil
Sucessos não faltam. Mas o contingente de “anônimos” também é grande. Eis um dentre os vários exemplos: uma garota de 24 anos, formada em jornalismo e que, hoje, “bandeou-se” para o teatro. Ela mesma não sabia que queria ser atriz até que, há sete meses, recebeu pelo correio uma mala direta que abriu um novo caminho para sua vida. “Eu sou uma das poucas pessoas que ainda lêem mala direta”, zomba Kátia Gomes, a mais nova atriz “amadora” da cidade. “Há muito eu procurava algo que preenchesse um espaço na minha vida. Até que eu comecei o curso de teatro.”
No início, a exemplo de muitos outros casos, tudo não passava de um jeito diferente de ocupar os domingos tediosos. Mas a coisa foi ficando séria. “Mesmo tendo uma certa proximidade com o teatro, eu não tinha a menor noção dos detalhes que compõem o resultado.” O próprio curso de teatro era um mistério para Kátia. Ela achava que iria entrar numa maratona louca de decorar textos e falas, mas não era nada disso. “É lúdico e completo. Envolve dança, música, expressão corporal. Eu me surpreendo comigo mesma a cada dia.” A jovem atriz descobriu uma função, por assim dizer, que jamais imaginou que o teatro tivesse. “Faz pensar, exige que você seja bem-informado e faz conhecer pessoas dos mais diversos tipos.” Seu sorriso e o brilho no olhar ao falar do teatro revelam que a fama, o dinheiro, ou qualquer outro elemento sedutor dessa arte, ficam “para depois” quando as atenções se voltam para o verdadeiro sentido da profissão: o exercício das emoções humanas. “É muito trabalhoso, também. Não é nada fácil. Não existe aquele papo de que a pessoa nasce com um talento como se fosse um dom, é um exercício diário de muito esforço e construção, como em qualquer profissão.”

Viver de atuar
Já o jovem ator Julio Pompeo nunca titubeou na hora da escolha. Durante uma greve na faculdade de jornalismo, em Florianópolis, ele foi para um festival de teatro em Blumenau. “Lá eu vi três peças da Unicamp que me deixaram deslumbrado.” O próximo passo foi iniciar o curso de artes cênicas na Universidade de Campinas. Desde então, atuar tornou-se seu árduo ganha pão. “Eu simplesmente não consigo me imaginar fazendo outra coisa”, conta Julio. “Mas também não gosto muito de glamourizar isso. Eu acho que é assim em qualquer profissão. Quando você faz alguma coisa de que gosta, a relação é sempre visceral.”
Em relação à TV, o principal meio que pode levar um ator ao estrelato, Julio confessa que houve uma época em que até ansiou estar na pequena tela, mas depois se decepcionou e chegou ao extremo de achar que atores “de verdade” não poderiam se dar ao desfrute e hoje parece ter conseguido um equilíbrio. “Agora, tudo bem fazer. Hoje eu tenho um pouco mais claras as diferenças, sei onde estão os meus verdadeiros interesses, o que eu realmente gosto e acredito.”
Para Julio, que fez parte do elenco do musical Um Certo Faroeste Caboclo e agora está em Suburbia, que esteve em cartaz no Teatro Sesc Anchieta, os louros que coroam a fronte dos atores famosos, e os colocam na posição de semideuses, não apontam necessariamente para uma supervalorização de sua profissão. Segundo ele, isso tem mais a ver com o que chamou de vouyerismo pernicioso do que com admiração pelo trabalho. “Nos anos 40, por exemplo, havia muita mitificação em torno dos atores da época. Mas era um momento em que estava acontecendo o boom das stars de Hollywood e se faziam bons filmes”, analisa. “O que eu vejo hoje, principalmente na TV, é que esse fenômeno, muitas vezes, coloca no pedestal pessoas que não têm nada a dizer, uma glamourização da ignorância.” No teatro, a tietagem também encontra lugar. Mas Julio, que se considera um chato no que se refere a essa relação, faz questão de, mais uma vez, “desglamourizar” sua profissão. “Eu tenho o seguinte discurso: ‘Olha, gente, não é nada disso... agora eu vou pegar um ônibus para ir para casa’”

As armadilhas da fama
Até que ingressasse no curso da EAD (Escola de Artes Dramáticas, da USP), o ator Marcos Damigo não sabia que acabaria trocando o diploma de agronomia pelo DRT. “Apesar de saber que em termos práticos seria uma loucura, fiz exatamente isso.” Marcos, que já protagonizou uma novela no SBT e até pouco tempo interpretava um professor de teatro no seriado Sandy & Júnior, da Globo, nunca acreditou que ser ator fosse fácil, assim como não acredita no talento inato - “talvez isso que as pessoas chamam de talento seja a sensibilidade do artista”, ressalva - e conta, sim, com o trabalho, o estudo e o esforço. Aliás, muito esforço. “Há épocas em que eu estou super bem de grana e há épocas em que nem tanto.”
Marcos se lembra de que um dos períodos mais difíceis da carreira foi no ano de 1997. Coincidentemente ou não, período em que mais se envolveu com o teatro. “Eu estava no terceiro ano do curso e me aplicava muito”, recorda-se. “Eu montei dois espetáculos na EAD e os dois foram lindos. Só que foi o meu ano de maior dureza.” Ele explica que tais incidentes costumam acontecer na vida de um ator. “Isso cria uma condição de eterno suspense para o ator. Às vezes, você pode estar envolvido num trabalho maravilhoso, sendo super reconhecido pela crítica, aceito pelo público, mas não consegue pagar o aluguel. Nem sempre o reconhecimento artístico vem junto com o financeiro”, explica. O ator, que interpreta o personagem Tim no espetáculo Suburbia, confessa que sua vida muda muito quando está fazendo TV. “Além do incremento no aspecto financeiro, é preciso ser muito tranqüilo para continuar sendo o tipo de ator que acho que vale a pena. Eu vivi a fama em Fascinação, de uma maneira muito tímida, mas já deu para saber o quanto o ego pode ser traiçoeiro.” Por outro lado, desde que deixou o elenco de Sandy & Junior, Marcos conta que teve de voltar a se defrontar com questões relacionadas à mera sobrevivência. Assim como qualquer mortal.


A evidência do ator
Andar com as próprias pernas sem deixar subir à cabeça


Em 1982, sob o comando de Antunes Filho, o Sesc/SP criou o CPT - Centro de Pesquisa Teatral. Um núcleo que vem, desde então, promovendo a continuidade de pesquisas estéticas no teatro e ainda atividades no campo da formação de atores, de técnicos e de outros criadores cênicos.
Centenas de jovens atores já estagiaram no CPT, aprendendo novas técnicas interpretativas, contribuindo para a pesquisa de meios que resultaram num novo método para o ator. O mais recente projeto de pesquisa teatral realizado pelo CPT resultou na série de esquetes/espetáculos que recebeu o apropriado nome de Prét-à-Porter (foto).
Nessa nova proposta, cada ator ganha, desde a composição das cenas até a interpretação, o status de principal gestor de seu trabalho.
Atualmente, já em sua quarta edição, o Prét-à-Porter consolidou um novo estilo de criação e, consequentemente, uma nova visão do público para o ator.
Segundo Antunes, a relação platéia e artista caminha para um futuro em que haverá reavaliação do papel do observador e do observado. “O Prêt-à-Porter é a emancipação do ator”, sintetiza.