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Suando após o expediente

Mesmo depois (ou antes) de um dia estafante de batente , trabalhadores do comércio e serviços vencem o cansaço e praticam atividades físicas

A inclusão cada vez maior da tecnologia na vida cotidiana pressupõe mais conforto. Basta refletir sobre a rotina de um trabalhador em São Paulo para notar que atitudes sedentárias estão cada vez mais presentes no seu dia-a-dia. Muitas vezes, são situações simples que passam despercebidas. Quer ver? A escada rolante, o elevado e o controle remoto são alguns exemplos.
Ao fazer uso dessas comodidades tão práticas, o ser humano despende calorias a menos e contribui para colocar em perigo sua própria saúde. É consenso entre os especialistas que o sedentarismo é o mais pernicioso fator de risco para a manifestação de doenças cardiovasculares. Mais nocivo do que o cigarro, o colesterol e a obesidade. Essa tendência agrava-se ainda mais se considerarmos o dia-a-dia em um escritório onde os funcionários passam grande parte do tempo sentados.
Pois bem, por outro lado, alguns podem contemporizar dizendo que, nos dias de hoje, torna-se muito difícil ter tempo para cuidar dos assuntos do corpo com uma jornada diária de oito horas de batente, mais o desperdício do tempo passado no trânsito. É verdade. Esse é um argumento quase inquestionável, que nos faz lamuriar sobre os pesares da vida moderna, avarenta no que concerne a nos conceder um pouco de tempo livre...
Mas, de todo modo, há aqueles que desafiam, com coragem, o bordão da falta de tempo. E não são poucos. Mais louvável ainda é a atitude dos trabalhadores que, com algum (ou muito) sacrifício, arranjam uma brecha em meio à dura rotina para exercitar o corpo.
Esse é o caso de Luiz Benedito dos Santos, funcionário de uma seguradora nos arredores do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, situado na avenida Paulista. Morador da Vila Carrão, Zona Leste de São Paulo, Luiz se levanta às 5h30 para bater cartão às 8h. Após completar as oito horas de trabalho de praxe, cumpridas sempre sentado, em frente a um monitor, ele dá início a uma verdadeira maratona de atividades físicas que termina, às vezes, em torno das 22h, já de volta à Zona Leste.
Quando o relógio aponta as 17h, Luiz não pensa em voltar para casa. No lugar, sente uma comichão enorme de liberar “aquela energia que ficou presa na cabeça durante o trabalho por causa do computador”. Então, sem perder um minuto, sai da rua Itapeva e, a pé, num ritmo bem acelerado, anda (ou marcha) rumo ao Sesc Consolação onde, às 17h30, tem início a aula de ginástica voluntária. “Já são quinze anos que eu venho ao Sesc me exercitar. Pratiquei várias atividades. Hoje, faço natação e ginástica”, conta.
Sem se fazer de rogado, o atleta comparece à rua Vila Nova todos os dias da semana, religiosamente. Nos fins de semana, mantém a forma correndo no Parque do Carmo. Essa rotina sofre alterações quando alguma corrida para pedestres se aproxima. Nessas ocasiões, Luiz (que já completou três maratonas) faz um treinamento específico, correndo cerca de 15 quilômetros pelas ruas do bairro, duas vezes por semana. “Para mim, praticar atividade física não é um sacrifício. Ao contrário, é um prazer essencial na minha vida. Os dias em que não pratico, não fico muito bem.” Além disso, ao retardar um pouco a volta para casa, o metrô e o ônibus, necessários para chegar à Vila Carrão, ficam bem mais vazios. “O estresse é menor”, confirma.
Mas, para manter o pique, são necessários alguns cuidados essenciais, seguidos à risca pelo atleta. “Procuro balancear minha alimentação, me hidratar bastante e não forçar muito nos exercícios. Mantenho-me informado por meio de leituras especializadas e publicações distribuídas pelo Sesc.” Embora ache importante a socialização com os colegas de trabalho, a prática de atividade física transformou-se em sua grande paixão. Antes da cervejinha com os amigos, ele prefere convertê-los ao seu próprio estilo de vida e, satisfeito com a própria performance, afirma que já conseguiu convencer muitos a trocar a poltrona pelo suor.

Contra o sedentarismo
Mexer com o corpo também é uma necessidade para Fernando Baldraia e Francisco Maciel. Ambos praticam capoeira no complexo esportivo Baby Barione, gerido pelo governo do Estado.
Nas aulas do mestre Gladson, o ecletismo é a tônica. Afinal, o curso é gratuito, e os alunos são selecionados em um sorteio no início do ano. A faixa etária e o sexo também se misturam. Homens e mulheres, crianças e adultos dividem o espaço. Dessa forma, as classes sociais também se entrelaçam, como ocorre com nossos dois personagens.
O primeiro é estagiário da Folha de S. Paulo. “Trampa” das 8h às 17h, depois vai à Cidade Universitária onde cursa o terceiro ano de História na USP. Nos dias em que não tem aula, seu destino é o bairro da Lapa, onde está localizado o complexo esportivo. É uma rotina puxada, já que com a agenda tomada (mais a namorada que também freqüenta as aulas) dorme apenas cinco horas por noite. Mesmo assim, Fernando não reclama. Seu discurso é outro: “Eu tenho necessidade de praticar capoeira. Muito mais do que um simples exercício físico, existe uma ligação étnica e cultural com ela, já que era a luta praticada pelos meus ancestrais. Minha escolha, portanto, foi muito pessoal e dirigida”.
Fernando conta que devido ao seu interesse pela capoeira se atrasou um pouco nos estudos. “Quando trabalhamos muito com a cabeça, nos esquecemos que temos um corpo e que ele precisa ser trabalhado também.” Este ano, no entanto, o rapaz voltou a pegar firme nos livros e faz um interessante intercâmbio entre a capoeira e as aulas de História. “O que eu assimilo jogando, aplico na faculdade e vice-versa. Trabalho, estudo e capoeira são minhas três prioridades. Se alguma delas vai mal, as outras seguem o mesmo caminho”, explica.
Enquanto Fernando sua para cumprir suas prioridades, tomando ônibus e trem para chegar em Osasco, onde mora, em torno da meia-noite, Francisco Maciel, o Chicão, conta com as benesses que fazem parte da realidade de um cidadão de classe média alta, proventos do seu trabalho como gerente de multinacional.
Duas vezes por semana, os (des)caminhos de Chicão e Fernando se cruzam entre pernadas, gingas e o toque do berimbau e do atabaque. E, além dessa coincidência, há um outro elemento sque aproxima duas rotinas tão díspares: a necessidade de praticar atividade física.
Como o colega estudante, o executivo se desdobra para atender suas necessidades. “Às vezes, é um pouco sacrificante, já que para fazer as atividades físicas me obrigo a cuidar dos meus hábitos alimentares e a diminuir o convívio com minha família.” Também, pudera. Além da capoeira, que pratica há quinze anos e já atingiu o grau de contramestre, Chicão faz ai-ki-dô e musculação. “Mas eu não reclamo. Ao contrário. Quando, por algum motivo, não consigo treinar, fico neurótico. A prática de atividades físicas me fez mudar minha relação com certas coisas. Hoje, sou tranqüilo e paciente. Lidar com um grupo tão heterogêneo como esse do Baby Barione me auxilia a gerenciar os funcionários que trabalham para mim. Aliás, eu insisto para que todos eles pratiquem alguma atividade.”

Suando nos salões
O esporte também é um auxiliar no trabalho do garçom Fernando Ferreira, empregado do restaurante Arábia. Fernando e mais dez colegas, entre garçons, cozinheiros e o maître do restaurante, frequentam uma quadra no Sesc Consolação, onde se encontram todas as terças-feiras por uma hora. “Tenho muito mais pique para trabalhar depois de jogar futebol ou praticar algum esporte. No término, o pessoal toma banho e volta de metrô ou ônibus para o restaurante, localizado nos Jardins.”
Às quintas-feiras, a bola rola no campo do Itororó, alugado sempre que o pessoal do Arábia combina com o time de algum outro restaurante para uma partida amistosa. “No espaço das três da tarde às sete da noite, estamos sempre livres. Então, quando o pessoal está disposto, combinamos de fazer alguma coisa, como alugar bicicletas para andar no Ibirapuera ou nadar no Sesc”, conta Fernando.
Mas, as terças-feiras são dias sagrados, quando ninguém pensa em ir para casa. Nessas práticas absolutamente recreativas, já que não dispõem de nenhum técnico ou regras muito acertadas, a bola e as brigas rolam soltas e depois ainda rendem papo para a jornada de trabalho da noite.” Após o jogo, não tem como não ficar falando do que aconteceu, de quem ficou nervoso ou de quem se machucou.”
E por falar em contusões, Fernando aponta esses incidentes como um problema no trabalho: “Se, por acaso, alguém se machuca durante o jogo e não pode ir trabalhar, tem desconto no salário. Então, temos de tomar muito cuidado um com o outro”.
Embora se empenhem em manter a prática de atividade física, além de comprar os uniformes e disputar partidas com outros times, os funcionários, na maioria das vezes, recebem pouco apoio da empresa, e estão impossibilitados de participar dos torneios das redes hoteleiras e de restaurantes por não terem seus dias de folga em comum. Mas, mesmo assim, têm grantido o suor, nesse caso, antes de pegar no pesado.


Trampo de bike
As aventuras de um bike repórter pela cidade

“A bicicleta é um meio de fazer exercício, mas, para mim, é também um meio de transporte”, afirma Arturo Alcorta, que em 1988, ao lado de Renata Falzoni, foi um dos introdutores do mountain bike no Brasil, depois dos cariocas. Hoje, trabalha como Bike Reporter da Rádio Eldorado e é colaborador do site Guia Local. No dia-a-dia, chega a pedalar mais de 50 quilômetros. À noite, para descontrair, mais bicicleta. “Passear de bicicleta à noite em São Paulo é maravilhoso, a cidade está super calma. Quando saio com um grupo de umas dez pessoas, num passeio de duas horas, gosto da interação.” Ao deixar o automóvel de lado, o exercício tornou-se parte de sua rotina. Arturo só usa o carro quando é imprescindível, como, por exemplo, quando vai encontrar a namorada bem arrumada num restaurante. Mas nem a distância o intimida. Residente em Pinheiros, quando trabalhava na Capela do Socorro chegava a fazer 34 quilômetros de bicicleta, entre ida e volta. “Percebi que, de carro, o trânsito para ir era tranqüilo, mas a volta era um caos. Então não valia a pena.” Arturo conta ainda que seus colegas de passeio atuais, todos executivos, adorariam seguir sua forma de vida, mas “ainda não conseguem pensar em suas vidas sem o automóvel”.