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O mês de maio é muito representativo para os movimentos sociais, afinal no dia primeiro comemora-se a data universal do trabalho. No Brasil, a luta por direitos é incessante e tem particularidades únicas. Este em pauta publica artigos de especialistas que debatem essa controversa questão

Edgar Carone
é professor do Depto. de História da USP
e autor de A República Velha, entre outros

Se quisermos analisar o movimento operário da esquerda brasileira em sua totalidade, devemos considerar que a fase da sua expansão, junto com seu nascimento, é curta na História do Brasil.
O movimento operário nasceu, praticamente, no fim do século 19. Sua tendência principal foi o anarquismo e o socialismo utópico, caracterizado mais pela boa vontade do que pela luta de classes propriamente dita. Desde então, a mobilização operária cresceu e tomou uma forma mais moderna a partir de 1920, momento em que o reflexo maior era a Revolução Russa de 1917.
Em 1922, o bolchevismo entrou no Brasil por meio do Partido Comunista Brasileiro, com a formação e a organização do movimento operário com características modernas. Mas, mesmo tendo essa nuance moderna, alguns elementos do passado não deixaram de existir, como a essência do socialismo utópico e de um anarquismo que lutava contra o sistema patronal.
Nesse momento, o protesto da classe média se misturou ao tenentismo e a outros movimentos. Vemos aí o nascimento de facções e a sua formulação de maneira organizada. Mas apenas depois de 1970 o reflexo do movimento operário mundial se fez presente no Brasil. Os movimentos comunistas e socialistas passaram a ter mais consciência do que pretendiam, e isso os levou a uma luta com características diferentes: a organização e a ideologia apareceram claramente.
No Brasil, entretanto, esse processo foi interrompido pelo golpe do Estado Novo, em 1937, e o movimento operário sofreu os efeitos da nova política. Com Getúlio no poder, ele foi controlado pelo governo, que determinava o que ele devia fazer e a situação tornou-se bastante diferente. Essa pressão se deu num momento em que, no mundo ocidental e na Rússia Soviética, estavam ocorrendo mudanças significativas, como a derrota do nazismo e do fascismo, que criou uma nova condição para o mundo. Falou-se muito em democracia e estimulou-se a idéia de que o processo devia ser social, mas, ao mesmo tempo, focalizado no movimento operário e nas outras classes sociais.
Com a crise na Rússia em 1982, a situação do movimento operário tomou nova forma. Os partidos existentes de classe trabalhadora pensavam em termos de democracia e não mais em termos de socialização. Principalmente depois de 1980, entramos numa nova fase, na qual os países e as classes sociais estão tomando um novo sentido.


Ricardo Antunes

é professor titular em Sociologia do Trabalho no IFCH/Unicamp
e autor de Os Sentidos do Trabalho

Neste novo século que se inicia estamos comemorando mais um 1o de maio, data histórica para a ação dos trabalhadores em suas lutas por direitos e conquistas. Em 1886, quando os “Mártires de Chicago” foram condenados à morte e à prisão perpétua, eles estavam lutando pela redução da jornada de trabalho, buscando conquistar maior solidariedade de classe. Hoje o mundo do trabalho vivencia uma situação ainda mais difícil, tantas são as metamorfoses, os impasses e os desafios presentes. Vamos aqui tão somente indicar alguns desses desafios.
Nas últimas décadas, o mundo do trabalho presenciou uma situação das mais críticas em toda a sua história, desde o nascimento dos sindicatos na Inglaterra. Particularmente a partir do advento da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, a crise dos organismos de representação dos trabalhadores se acentuou.
Em escala mundial, como respostas do capital à crise de acumulação desencadeada a partir do início de 1970, intensificaram-se as transformações no próprio processo produtivo, por meio do avanço tecnológico, da constituição das formas de acumulação flexível e dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, no qual se destacam, para o capital, o modelo de desconcentração produtiva do Norte da Itália, as experiências da Califórnia, nos EUA, e especialmente o chamado “modelo japonês” ou “toyotismo”. Desencadeou-se um enorme processo de reestruturação produtiva do capital, em escala global, que trouxe profundas mudanças no trabalho.
Muitas foram as transformações ocorridas no universo do trabalho urbano, podendo-se destacar: 1) a diminuição do operariado manual, fabril, típico do fordismo; 2) a expansão das inúmeras formas de subproletarização do trabalho, decorrentes da expansão do trabalho precário, parcial, temporário, terceirizado, etc.; 3) o aumento expressivo do trabalho feminino no interior da classe trabalhadora; 4) a enorme expansão dos assalariados médios, especialmente no setor de serviços; 5) a exclusão dos jovens recém-formados do mercado de trabalho, bem como a inclusão precoce das crianças.
Pode-se dizer que a classe trabalhadora fragmentou-se, heterogeneizou-se e complexificou-se ainda mais.
Ao contrário, entretanto, daqueles que defendem a equivocada tese do “fim do trabalho”, o maior desafio hoje, do mundo do trabalho e dos movimentos sociais urbanos e rurais, como o Movimento dos Sem-Terra e o dos Sem-Teto, tanto dos que estão trabalhando até aqueles segmentos que estão mais na franja do processo produtivo, como os precarizados ou os desempregados, é procurar construir um desenho societal que resgate uma vida dotada de sentido tanto no trabalho quanto fora dele, uma vez que uma vida somente pode ser dotada de sentido se o trabalho realizado também o for. E essa é uma batalha imprescindível da nossa era.


Antonio Rezende
é professor do Depto. de História da UFPE e
autor de História do Movimento Operário no Brasil

Há quem afirme o fim da Política e da História, o que não deixa de ser uma manifestação de desencanto que desmonta a possibilidade de se pensar nas utopias. Fica-se, portanto, preso ao presente e instala-se o culto ao pragmatismo. A sociedade do valor de troca envolve os desejos e as fantasias. São limites de um território que está distante das idéias básicas que consagraram o projeto de modernidade. Sua cartografia é outra. Com a morte da Política e da História quer se anular a rebeldia que movimenta e questiona a ordem reinante. Os sujeitos políticos terminam por submergir, fica-se à sombra das maiorias silenciosas, lembrando Baudrillard.
Essa leitura pessimista da crise da modernidade estrutura-se numa concepção que não acredita nos espaços de reinvenção construídos na História. A política continua, porém, fundamental, o que muda são seus significados e as práticas sociais. Com isso, exigem-se outros comportamentos, a transgressão ganha outros conteúdos. Nessa perspectiva, a História é entendida como uma abertura para o inesperado e a Política, o lugar de se buscar alternativas para resolver os conflitos e as dificuldades resultantes da convivência social.
Há vários sinais de resistência tecidos, cotidianamente, que desafiam os valores estabelecidos. A hegemonia do capitalismo não é absoluta, aliás, não há poder que anule, radicalmente, qualquer forma de rebeldia. As resistências, com sua crítica ao mundo do vencedor, criam contrapontos, colocam em dúvida as famosas leis do mercado. As resistências são produzidas por sujeitos que se encontram sufocados pela fragmentação que caracteriza a sociedade contemporânea. Elas representam as dissonâncias.
Os movimentos sociais não podem ser pensados sob o signo de uma revolução emergente ou como substitutos da missão histórica atribuída antes à classe operária. Os cenários urbanos são outros, a economia tem outro ritmo, a convivência social inventou outras necessidades e desejos. A globalização e o predomínio da cultura de massas uniformizam certos comportamentos e procuram neutralizar as transgressões. Há uma grande dificuldade de se pensar um projeto coletivo que desafie, efetivamente, o modelo dominante. Os trabalhadores não cessaram suas lutas políticas, mas há obstáculos para unificá-las. O controle social é mais sutil.
A complexidade das relações sociais existentes coloca na cena histórica uma diversidade de sujeitos com reivindicações antes impensáveis. O desafio é entrelaçá-los num movimento de solidariedade que resolva as diferenças. Fica difícil, portanto, visualizar uma identidade ou um projeto político para os movimentos sociais. As cidades e os trabalhadores urbanos continuam como pontos de referência fundamentais. Há sinais, porém, de que a política precisa ser reinventada para que a história permaneça como lugar da utopia. Uma inscrição feita num muro de Quito sintetiza as incertezas da nossa época: “A noite avança, mas os sonhos não”.


Claudio Henrique Batalha
é professor do Depto. de História da Unicamp
e autor de O Movimento Operário na 1a República

No próximo dia 1º de maio será celebrado pelo 112º ano consecutivo o Dia do Trabalho no mundo. Ou seja, desde sua primeira comemoração em 1890, seguindo a decisão do Congresso Internacional Operário Socialista reunido no ano precedente em Paris, o 1º de maio percorreu mais de um século de existência. Se considerarmos como data inicial o 1º de maio de 1886 em Chicago - apesar de somente ter adquirido um caráter anual a partir de 1890 -, quando teve início uma greve pela jornada de oito horas de trabalho terminada alguns dias depois em tragédia, a data tem um início ainda mais remoto.
O 1º de maio surgiu quando o trabalho industrial ainda estava no início, uma parte considerável dos trabalhadores trabalhava em pequenas oficinas pouco mecanizadas e no setor de serviços, em grande parte, ainda preservando uma cultura de artesãos. As organizações sindicais nesse contexto também eram um fenômeno relativamente novo. Além disso, a presença significativa de socialistas e anarquistas de diferentes matizes entre os dirigentes operários reforçava a crença de que para alcançar sucesso na luta por suas reivindicações, particularmente as oito horas de trabalho, o movimento deveria assumir um caráter internacional.
Podemos dizer que o sucesso dessa data foi considerável, pois em poucos anos venceu seu maior desafio que era a realização simultânea de manifestações, com a interrupção do trabalho, em muitos países nos cinco continentes. A resposta muitas vezes veio com uma repressão violenta, mas com o passar do tempo o Estado adotou formas mais sutis de controlar e desvirtuar a data, como a transformação desse dia em feriado (a exemplo do que fez o presidente Artur Bernardes em 1924) ou a apropriação do dia abandonando seu significado de luta (tanto no Brasil varguista, como na Alemanha nazista). Ainda assim, a manifestação resistiu e chegou até os dias de hoje.
Essa longevidade remete inevitavelmente a uma pergunta: como foi possível, a despeito das mudanças no mundo do trabalho, na composição dos trabalhadores, na forma de produzir, no sindicalismo, nas ideologias presentes no movimento operário e nas relações entre trabalhadores e Estado, a persistência do 1º de maio?
Mesmo que alguns vejam na presença de bandeiras vermelhas e de outras referências à visão de mundo que animava os primeiros tempos dessa manifestação um sinal de nostalgia, seria ingênuo supor que foi apenas a força da tradição que manteve o 1º de maio vivo. O que manteve e periodicamente revigora esse ritual operário é a persistência de reivindicações comuns à maioria dos trabalhadores e a capacidade de fazer dessa data um momento privilegiado para exprimi-las.
Historiadores normalmente têm o bom senso de não se entregarem a exercícios de futurologia; assim, não ousarei fazer qualquer previsão sobre a capacidade do 1º de maio de atravessar o novo século. Afinal de contas, não faltaram aqueles que nas últimas décadas previram o fim das ideologias, da classe operária, do sindicalismo, sem que até o momento nenhum desses prognósticos tenha se realizado. Ouso, porém, afirmar que o fim dessa data ainda não está próximo, uma vez que a luta dos trabalhadores da qual ela se nutre continua a existir.

Celso Frederico
é professor da ECA-USP
e autor, entre outros, de Crise do Socialismo e Movimento Operário

Tornou-se um lugar comum na historiografia brasileira a afirmação de que antes de 1930 a questão social (que envolve diretamente a classe trabalhadora) era considerada “caso de polícia”, tornando-se, depois, “questão política”. Na caracterização do pós-30, os nossos historiadores, muitas vezes, deixaram-se levar por uma interpretação simplista que enfatizava o varguismo como versão brasileira do fascismo, acrescida do “populismo” (conceito genérico usado para rotular as mais diferentes formas de relação entre o governo e a classe trabalhadora urbana).
Há pouco tempo, Alfredo Bosi escreveu um livro revelador, Dialética da Colonização, que esclarece o ideário que presidiu a montagem do moderno Estado brasileiro. Sua interpretação inovadora lança uma nova luz para se entender a história dos trabalhadores urbanos no Brasil. Não foi o fascismo italiano, mas a filosofia positivista que orientou a atuação dos revolucionários de 30 e, uma vez no poder, Vargas aplicou diretamente à realidade brasileira o programa positivista. O ideal republicano, o fortalecimento da federação, o Estado intervencionista, a implantação da escola pública, laica e gratuita, são pontos programáticos do ideário positivista.
A classe trabalhadora estava no centro da ação do novo governo: Vargas organizou uma poderosa rede sindical urbana atrelada ao Ministério do Trabalho. Esse “sindicalismo de Estado” tornou-se uma sólida presença graças ao imposto sindical recolhido compulsoriamente, que viabilizou a existência de uma pesada estrutura sindical. A legislação social, aplicável somente aos sindicatos reconhecidos pelo Estado, obrigou as lideranças anarquistas e comunistas, contrárias ao “atrelamento”, a registrarem no Ministério do Trabalho as entidades classistas que controlavam. Outro ato importante foi a instituição do salário mínimo: com ele, o Estado interferia diretamente no mercado de compra e venda da força de trabalho.
Toda a ação de Vargas, exprimindo diretamente o ideário positivista, buscava instaurar uma forma de organização corporativa para substituir o antigo liberalismo. O mercado desregulado, sem a presença do Estado, havia levado à crise de 1929. Para sair dela, os novos governantes colocaram o Estado no centro dos acontecimentos, em clara oposição aos liberais que, desde então, passaram a combater essa “ingerência” no mercado (em especial, o salário mínimo, o imposto sindical, a legislação trabalhista e a criação das empresas estatais).
Assiste-se hoje a um movimento pendular da História. FHC, ao ser eleito, afirmou que seu governo iria marcar “o fim da era Vargas”. O Estado, conseqüentemente, passou a ter sua ação restringida ao mínimo para que o mercado pudesse ajustar livremente as relações sociais no interior da sociedade. Com isso, a classe trabalhadora vem progressivamente perdendo a rede de proteção herdada do varguismo - os direitos trabalhistas. Na selva do mercado impera o implacável darwinismo social: só os mais fortes sobrevivem. Assim, os grandes sindicatos, às duras penas, procuram manter direitos e salários, enquanto o resto - a grande maioria - atravessa um dos momentos mais dramáticos de sua história.