Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Questão de peso

Maus hábitos alimentares favorecem, entre outros males, a obesidade

NILZA BELLINI


Venda de pastéis na feira: malefícios da
fritura / Foto: Nilza Bellini

Em 2008, um relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), baseado na análise de 60 milhões de óbitos ocorridos em 2004, apontou como a principal causa de morte no mundo as doenças cardiovasculares, um problema que tem crescido com a profunda transformação dos costumes, ou seja, diminuição do nível de atividade física e alteração dos hábitos alimentares. O excesso de sal, de gorduras, de álcool e de açúcares está entre os fatores que favorecem o surgimento desses males. Frutas, verduras e legumes poderiam reduzir esse risco, mas em nenhum país as pessoas consomem esses alimentos na quantidade recomendada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla em inglês), que é de pelo menos 6% das calorias da dieta diária, como explica o nutricionista Rafael Moreira Claro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP).

Estudioso de hábitos alimentares, em particular da população paulistana, Rafael explica que São Paulo é um exemplo clássico da mudança de padrões dos últimos 30 anos. Com a migração urbana, as pessoas reduziram a ingestão de alimentos básicos (cereais, frutas e hortaliças) para consumir mais produtos industrializados e de origem animal.

Hoje, poucas refeições são feitas em ambiente doméstico. Fast food, doces, refrigerantes e bolachas substituíram a clássica receita do arroz com feijão, mais as “misturas” coloridas que compunham o cardápio nas mesas em torno das quais as famílias se reuniam pelo menos duas vezes ao dia. Cresceu o consumo de carnes, leite e derivados, fontes de proteínas e de cálcio, mas também ricos em gordura animal e colesterol, prejudiciais à saúde. O paulistano adotou sem nenhuma restrição a “dieta ocidental”, ou modelo americano, uma das principais causas da epidemia de obesidade que atinge países desenvolvidos e em desenvolvimento.

O sedentarismo, aliado a esses novos hábitos alimentares, favorece o surgimento de doenças graves. Segundo a OMS, entre 1995 e 2000 passou de 200 milhões para 300 milhões o número de adultos obesos no mundo, e a previsão é que sejam 700 milhões em 2015. O problema já se sobrepõe ao da própria fome em países em desenvolvimento, como o Brasil, uma vez que a obesidade é a principal causa de diabetes e de doenças cardiovasculares. Além disso, estudos médicos indicam maior incidência de câncer em quem está acima do peso.

A prevalência da obesidade em adultos só não está aumentando no Brasil entre as mulheres da região sudeste pertencentes às classes de maior renda. Mais bem informadas e dispondo de mais recursos econômicos, elas em geral têm uma alimentação saudável e praticam alguma atividade física. Em sua dissertação de mestrado, Moreira Claro estabelece uma relação direta entre a renda familiar e o consumo de frutas, legumes e verduras, que os menos ricos quase não compram. Ele admite, porém, que a questão não envolve apenas custo. Os hábitos alimentares se devem a múltiplos fatores, entre eles os culturais, emocionais e psicológicos.

Publicidade e alimentos infantis

O pediatra José Augusto Taddei, livre-docente em nutrologia pediátrica na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que hábitos alimentares são adquiridos na infância e que os anúncios na mídia têm grande interferência nesse processo. Com diversos trabalhos sobre o combate à obesidade em crianças e adolescentes, o professor é um dos principais defensores do controle da publicidade dirigida ao público infantil – uma luta antiga. Discutida desde 2006, a proposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de regulamentação da propaganda de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, gordura saturada, gordura trans e sódio, assim como de bebidas de baixo teor nutricional, deverá ser, finalmente, encaminhada em 2010 para votação na Câmara Federal.

Em outubro passado, em mesa-redonda promovida pela Anvisa, a especialista Renata de Araújo Ferreira mostrou que, entre 2006 e 2007, do total de peças publicitárias de alimentos veiculadas em TVs abertas e fechadas, 77,2% foram dirigidas ao público infantil. As cinco categorias de alimentos mais anunciadas foram fast food (21,3%), doces e sorvetes (19,2%), salgadinhos de pacote (16,4%), bolos e biscoitos doces (11,8%) e refrigerantes e sucos artificiais (9,8%), todos alimentos não recomendados por nutricionistas.

Os alimentos saudáveis foram pouco anunciados ou destinados apenas a crianças da primeira infância: cereais (2%), carnes magras (0,6%) e biscoitos salgados, pães, massas e outros (0,4%). No evento, Renata também destacou que, para cada dólar gasto pela OMS na defesa da nutrição saudável, US$ 500 são investidos pela indústria para promover alimentos processados. “A competição no setor alimentício é acirrada”, lembra Taddei. “Nos Estados Unidos, são produzidos mais de 150 mil itens, embora nas prateleiras dos megassupermercados não caibam mais do que 90 mil”, destaca.

Responsabilidade

Marcello Nitz, doutor em engenharia química e coordenador do curso de engenharia de alimentos do Instituto Mauá de Tecnologia, contesta a ideia de que a indústria seja a grande culpada pelo aumento da obesidade na população. Ele diz que os milhares de itens disponíveis possibilitam muitíssimas combinações de refeições saudáveis. “O problema não é a indústria, mas a dieta que cada um monta para si”, diz. Nitz afirma, por exemplo, que os produtos industrializados são submetidos a controles toxicológicos e microbiológicos mais eficientes que os alimentos in natura. Além disso, a tendência é produzir mais alimentos minimamente processados, funcionais e dietéticos. “Não existem imposições. Quem controla o mercado é o consumidor”, insiste ele.

Os alimentos minimamente processados são aqueles naturais, prontos para o consumo, conservados em embalagens com atmosfera rarefeita. O processamento mínimo compreende etapas de corte, lavagem, classificação, sanitização (com a utilização de um cloro especial), centrifugação, embalagem e estocagem. Esses produtos são de 20% a 100% mais caros que os convencionais. O gasto extra, porém, não impede a compra por quem opta pela comodidade. Aqueles que têm pouco tempo para cozinhar geralmente dão preferência aos vegetais frescos já cortados, principalmente nos grandes centros.

Os alimentos funcionais ou nutracêuticos são aqueles que colaboram para melhorar o metabolismo e prevenir problemas de saúde. Algumas das substâncias próprias deles, ou acrescentadas, não são novidade. As isoflavonas, por exemplo, ajudam a diminuir o colesterol ruim e fazem parte da alimentação humana desde que a soja começou a ser usada pelos chineses, há mais de 5 mil anos.

“A engenharia de alimentos está cada vez mais sofisticada, mas o fato é que as informações sobre o que é bom ou ruim são muitas vezes contraditórias e confundem o consumidor”, diz Denise Oliveira e Silva, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Alimentação, Saúde e Cultura da Fiocruz Brasília. “Basta a mídia exaltar ou aniquilar um produto, e a aceitação exagerada ou a negação se instala na população”, diz ela. Realmente, a indústria já registrou muitas vezes a queda de vendas pela simples hipótese de contaminação, como no caso da carne suína por causa da gripe A, ou de frutas e verduras pelo uso de agrotóxicos. A mídia também estimula o consumo de produtos que têm representação simbólica e cultural, como a de ascensão a outra classe social, caso dos hambúrgueres de marca conhecida em todo o mundo.

Denise coordenou uma pesquisa com profissionais de saúde para avaliar de que forma pessoas de 25 a 55 anos reagem diante de informações sobre a importância de uma boa alimentação na prevenção de doenças. O estudo mostrou que falar desse assunto apenas sob o ponto de vista biológico, alertando por exemplo para o perigo de diabetes ou hipertensão, é pouco eficaz. A questão da cultura alimentar, destaca a nutricionista, é muito complexa, pois envolve crenças, conhecimentos e práticas.

Houve um tempo em que os cientistas pensavam não ser possível alimentar toda a humanidade. Hoje, porém, acredita-se que é viável produzir comida em quantidade suficiente para todos. Apesar disso, continuam a existir fatores de risco alimentar, na forma de distúrbios como a anorexia, que afeta cada vez mais jovens excessivamente preocupados com a aparência física, ou a “fome oculta”, doença causada pela ingestão constante de alimentos pouco nutritivos.

O papel do governo

Talvez seja essa complexidade que dificulte a implantação de políticas públicas para estimular o brasileiro a se alimentar de forma mais adequada. As medidas sociais de combate à fome nem sugerem essa abordagem, embora estudos do Ministério da Saúde, divulgados em meados do ano passado, mostrem que 43,3% dos brasileiros se encontram com excesso de peso e 13% do total estão obesos. Os dados são relativos a 2008. Em comparação com 2006, o índice de obesidade aumentou 1,6 ponto percentual. O crescimento foi registrado principalmente entre as mulheres. Porto Alegre é a capital de estado com mais obesos e gordos. Do total no país, 47,3% dos homens e 39,5% das mulheres estão acima do peso. Por outro lado, o Ministério da Saúde verificou na edição de 2008 do levantamento feito pelo sistema Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) que houve queda no consumo de carne com gordura (de 39,2% em 2006 para 33,8% em 2008) e crescimento no total de frutas e hortaliças consumidas pelos brasileiros (de 23,9% para 31,5%). Os dados, não conclusivos, podem indicar o início de um processo de conscientização. Os números deveriam servir para balizar políticas públicas na área, mas nenhuma medida governamental foi efetivamente tomada.

O economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Walter Belik, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) daquela instituição, é um dos que defendem que o governo assuma um papel na educação alimentar no Brasil. Baseado na Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2003, uma das poucas existentes sobre hábitos nutricionais no país, ele mostra que, para cada real adicional de renda, o brasileiro tem propensão a gastar uma parcela significativa em gêneros alimentícios. Números da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) confirmam que as vendas de alimentos cresceram 8,98% em 2008, ano da crise. Já em 2009, até agosto, tiveram um aumento real de 5,30%. Por outro lado, há tendência de crescimento da alimentação fora de casa em relação ao consumo domiciliar. “É fundamental e urgente conhecer e controlar melhor aquilo que o brasileiro come”, conclui Belik.

As propostas e programas de estímulo à mudança de hábitos alimentares, quando existem, são de pequeno alcance. Em Brasília, o projeto experimental Jogo de Cintura, uma parceria entre a Secretaria da Saúde, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade de Brasília (UnB), ensinou 340 moradores de uma cidade da região metropolitana a cultivar micro-hortas em pequenos espaços. Em Belo Horizonte, uma iniciativa conjunta da prefeitura e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) possibilitou a criação de 104 hortas comunitárias, em terrenos cedidos pela municipalidade. Esses, porém, são exemplos insignificantes quando considerada a totalidade da população brasileira.

Para quem estuda

Teoricamente, a merenda escolar deveria ser objeto dos mais importantes projetos nutricionais. Segundo Maria de Lourdes Carlos Ferreirinha, coordenadora de gestão do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição da UnB, em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), esse é o maior programa alimentar do mundo. Oferece uma refeição diária a mais de 45 milhões de crianças e adultos da educação básica durante o ano letivo, de cerca de 180 dias, suprindo assim a fome de muitos.

Sob esse ponto de vista, Maria de Lourdes tem razão em valorizar a merenda. Não se trata, porém, de um programa de educação nutricional, uma vez que ainda não há integração entre a rede de ensino e a de saúde, de modo a contribuir para a melhoria dos hábitos alimentares. Falta também uma participação mais efetiva dos pais dos alunos para que se estabeleça, de fato, o controle social da merenda. Finalmente, é necessário aprimorar os métodos de fiscalização do balanceamento nutricional dessas refeições.

Embora o cardápio escolar devesse ser elaborado por profissional habilitado, com o acompanhamento do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), nutricionistas contratados para essa função ainda são menos de 30% do necessário. Em 2007, dos 5.564 municípios brasileiros – todos atendidos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) –, apenas 3 mil contavam com profissionais cadastrados. Em relação à quantidade de escolas, existe um para cada 20 estabelecimentos, aproximadamente, o que praticamente inviabiliza o real acompanhamento das cozinhas. Na maioria das escolas, a alimentação oferecida ainda é baseada em carboidratos e proteínas. São raríssimas as que oferecem frutas.

Criada em 1955, a merenda escolar é hoje gerenciada pelo FNDE – os municípios e os estados que mantêm cursos de ensino básico recebem da União R$ 0,22 por aluno/dia para sua produção. O repasse, que tem como base o censo escolar do ano anterior, é fiscalizado pelos CAEs, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pela Secretaria Federal de Controle Interno (SFCI) e pelo Ministério Público. Trata-se de um dinheiro destinado exclusivamente à compra de gêneros alimentícios. Muitas vezes ele é complementado com verbas da prefeitura, mas isso não é obrigatório. O salário da merendeira ou da nutricionista, por exemplo, é de responsabilidade do município.

A descentralização desse repasse reduziu a corrupção, endêmica no setor, embora denúncias de concorrência fraudada ainda sejam comuns. O orçamento do programa, em 2009, foi de R$ 2,02 bilhões. Com a lei nº 11.947, de 16/6/2009, 30% desse valor será, agora, investido na compra direta, em cada município, de produtos da agricultura familiar. Pesquisa realizada antes da lei, apresentada pelo economista Walter Belik em evento realizado em outubro na Unifesp, mostrou que a compra pelas prefeituras de gêneros alimentícios diretamente dos produtores rurais locais em 2004 e 2005 foi pequena: 26,1% em 2004 e 30,3% em 2005.

Por que ainda não estão inseridas na merenda da maioria das escolas as frutas e verduras? O professor Taddei tem uma hipótese: a dificuldade de armazenamento. Poucos são os estabelecimentos de ensino que contam com geladeiras e armários adequados. O Programa Dinheiro Direto na Escola, do FNDE, pode ser utilizado para a compra desses equipamentos, mas em geral é usado para suprir outras necessidades escolares.

Existe um projeto, o Hortas Escolares – cujo embrião surgiu de um acordo assinado em 2005 entre o FNDE e a FAO –, que propõe conciliar educação ambiental com alimentação saudável. Até hoje, porém, sua abrangência é restrita. “Não é representativo numericamente, mas tem muita qualidade”, diz em sua defesa a coordenadora do programa, Najla Barbosa. A princípio, os repasses vinham da FAO. Hoje, porém, seu custeio, de R$ 1 milhão, é feito pelo FNDE. “Não se trata de um programa obrigatório”, destaca Najla. “Sua ampliação é gradativa e depende da demanda de cada município.”

Finalmente, também não estão regulamentadas em todos os estados as regras de funcionamento das cantinas terceirizadas dentro das escolas. Teoricamente, deveria caber à Associação de Pais e Mestres (APM) a administração direta ou indireta dessas cantinas. Teoricamente ainda, elas deveriam oferecer aos alunos alimentos que criassem hábitos alimentares saudáveis. Na maioria das vezes, porém, os comerciantes disponibilizam apenas frituras e refrigerantes, além de exibir, sem controle, cartazes de propaganda de produtos de baixo teor nutricional.

Como se vê, ainda há muito a fazer na área. Apesar das iniciativas de combate aos maus hábitos alimentares, falta um envolvimento maior do governo, principalmente no que se refere a campanhas educativas dirigidas à população de menor escolaridade. A redução do custo de alimentos saudáveis, com base em incentivos fiscais, também poderia ser buscada, assim como a introdução de temas de boa prática dietética no currículo escolar. São receitas simples, basta segui-las.


Você é magro, gordo ou obeso?

Para saber se estamos apenas gordos ou se já somos obesos, é necessário calcular o IMC (Índice de Massa Corporal), uma ferramenta simples. É possível obter o IMC de uma pessoa encontrando-se a razão entre seu peso (em quilos) e sua altura (em metros) elevada ao quadrado. Por exemplo, se você pesa 60 quilos e mede 1,67 metro, deve utilizar a seguinte fórmula para o cálculo: IMC = 60 ÷ 1,67², o que dá 60 ÷ 2,78 e, como resultado final, IMC = 21,5. De acordo com os dados atuais da Organização Mundial da Saúde, a classificação atual segundo o IMC é a seguinte:

< 18,5 = Magreza

18,5 a 24,9 = Condição saudável

25 a 29,9 = Sobrepeso

30 a 34,9 = Obesidade moderada

35 a 39,9 = Obesidade clínica

≥ 40 = Obesidade mórbida
 


 

Comente

Assine