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Inovar é preciso, educar mais ainda

O desafio tecnológico brasileiro é transformar conhecimento em riqueza

EVANILDO DA SILVEIRA


Ilustração: Rolando Maver

Com 30.451 artigos científicos publicados em 2008, o Brasil passou da 15ª para a 13ª posição no ranking dos países com maior volume de produção acadêmica. Esse número representa 2,12% do total mundial. À primeira vista, esses dados poderiam parecer algo bom. Em parte de fato são. Isso significa que o país tem uma comunidade científica respeitável e produz ciência de qualidade. Esse, no entanto, é apenas um lado da questão. O outro é que isso não está sendo transformado, como deveria, em tecnologia, em produto, ou seja, em riqueza e benefícios para a sociedade.

Parte da explicação para isso é que a maioria dos pesquisadores, e de seu trabalho, está concentrada nas universidades e instituições científicas, e não nas empresas, como deveria ser, e é, nos países desenvolvidos. Nem tudo, porém, está perdido. Aos poucos esse quadro começa a mudar, com a intervenção do governo, que criou mecanismos legais para incentivar a pesquisa e a inovação nas empresas, e com a conscientização dos industriais sobre o papel que devem desempenhar no desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, econômico do país.

Enquanto os resultados desse esforço não chegam, o Brasil continua gerando pouca tecnologia. Basta ver o número de registros de patentes, um dos indicadores usados para mostrar o nível de desenvolvimento de uma nação. O país responde por apenas 0,2% do total mundial. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) traz mais dados sobre o assunto. Intitulado Índice Fiesp de Competitividade das Nações e Agenda de Competitividade para o Brasil – 2009, o trabalho teve como objetivo identificar os principais empecilhos ao crescimento da capacidade de competir brasileira e analisar experiências bem-sucedidas de outros países nessa área, com vistas à elaboração de propostas de políticas de médio e longo prazo.

Em 39 páginas, recheadas de números e gráficos, o estudo faz uma série de comparações entre o Brasil e dois grupos de países. O primeiro é formado pelos dez de economia mais competitiva, mais a cidade de Hong Kong, pertencente à China. São eles Estados Unidos, Japão, Noruega, Suíça, Suécia, Holanda, Alemanha, Coreia do Sul, Israel e Cingapura. Para o segundo foram selecionados outros 11 por apresentar renda per capita próxima da brasileira e ter avançado em competitividade: República Tcheca, Malásia, Hungria, China, Rússia, Polônia, Tailândia, Filipinas, Turquia, Índia e, figurando também nesta lista, Coreia do Sul.

Entre os aspectos comparados estão o tecnológico e o educacional. No primeiro, constatou-se que o investimento brasileiro em pesquisa e desenvolvimento (P&D), de 1,11% do Produto Interno Bruto (PIB), é menor que o dos países competitivos (2,7%), mas maior que o dos selecionados (1,03%). Apesar dessa vantagem em relação ao segundo grupo, os gastos em P&D são insuficientes para produzir resultados comerciais e gerar patentes. Enquanto os países mais competitivos criam em média 7,1 patentes para cada 10 mil habitantes e os selecionados, 3, o Brasil não passa de 0,2.

No terreno dos gastos com educação, o país deu um salto, passando de menos de 4% do PIB em 2003 para 4,9% em 2007, o que é mais do que as médias dos dois grupos de países estudados. Os competitivos investem, em média, 4,7% do PIB em educação, e os selecionados, 4,1%. “Essa melhora recente nos investimentos em educação, contudo, ainda não se refletiu em um aumento proporcional de alfabetização e escolaridade”, diz o coordenador do estudo, José Ricardo Roriz Coelho, diretor titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp.

Poucos engenheiros

Os números dão razão a ele. Enquanto nos países do primeiro grupo o índice de alfabetização da população chega a 99,5% e nos do segundo a 93,2%, no Brasil fica apenas em 90%. No que respeita à média de anos de escola, também estamos atrás: 6,1, ante 10,3 nos países competitivos e 8 nos selecionados. O estudo levou igualmente em conta o número de engenheiros formados, outro indicador do nível de desenvolvimento tecnológico de uma nação. Nesse caso a comparação foi feita com a China, que tem 4,6 para cada 10 mil habitantes, ante 1,6 do Brasil.

Outro estudo, chamado Os Novos Instrumentos de Apoio à Inovação: Uma Avaliação Inicial, desenvolvido em conjunto pela Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) – uma organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) –, de certa forma corrobora esses dados. Realizado pelos economistas Roberto Vermulm e Sandra Hollanda, o trabalho analisa em sua primeira parte os resultados da mais recente Pesquisa de Inovação Tecnológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pintec/IBGE), referente ao período 2003-2005 e divulgada em julho de 2007.

A principal conclusão é que a atividade inovadora ainda é restrita no Brasil. Os dados da Pintec mostram que mais de um terço das empresas analisadas não fez nenhum investimento nessa área em 2005, ano para o qual se dispõe de informação mais recente. “Apenas 17% das indústrias de transformação realizaram gastos com P&D interna, que é a atividade inovadora mais diferenciada de todas, porque permite a geração de conhecimento e o aprendizado”, escreveram Vermulm e Sandra. A maioria, porém, se contenta em fazer inovações incrementais, que não exigem grandes investimentos ou esforços em sua implementação.

Entre as causas da dificuldade brasileira de transformar conhecimento em riqueza está a própria história do desenvolvimento econômico do país nas últimas décadas e, por assim dizer, a juventude do sistema nacional de ciência e tecnologia. Quanto a esse último aspecto, o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Mario Neto Borges, lembra que ele tem pouco mais de 50 anos. “Seu início data da fundação da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], instituições criadas em 1951”, informa.

Eduardo Costa, diretor de Inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência de fomento ligada ao MCT, lembra que antes disso não havia nem pós-graduação no país. Na verdade, os cursos de mestrado e doutorado são mais recentes: foram criados na década de 1960. Por isso, em sua opinião, embora devesse estar melhor, o Brasil até que está bem nessa área. “As coisas não acontecem de uma hora para outra”, diz. “A consolidação do sistema de ciência e tecnologia precede o desenvolvimento tecnológico.”

Sem riscos

Quanto à história do desenvolvimento econômico brasileiro, o diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz, lembra que por muito tempo as indústrias do país não precisaram enfrentar desafios, pois o Brasil tinha uma economia fechada, praticamente sem concorrência de empresas estrangeiras. “Durante décadas foi possível compensar bem os investimentos com pouco risco”, explica. “Isso criou uma cultura de medo, de resistência às incertezas inerentes ao desenvolvimento tecnológico.”

Coelho, da Fiesp, concorda. De acordo com ele, a política de substituição de importações foi imposta de cima para baixo e contribuiu para fechar o mercado brasileiro. As indústrias fabricavam similares nacionais de produtos que seriam importados, sem precisar investir em pesquisa e desenvolvimento. “Elas compravam pacotes tecnológicos prontos e assimilavam muito pouco da inovação que vinha com eles”, explica.

Um dos motivos dessa baixa assimilação era, e ainda é, o reduzido número de pesquisadores nas empresas. Do total de cientistas em atividade, dois terços estão nas universidades e instituições de pesquisa e apenas um terço nas indústrias. É a proporção exatamente inversa da encontrada nos países desenvolvidos. “Isso ocorre porque o modelo adotado em nossa política (ou não política) industrial no passado foi basicamente importador de tecnologia”, diz o secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCT, Ronaldo Mota. “Quando explorar o potencial das empresas que apostam em inovação for o modelo predominante, certamente teremos um equilíbrio melhor.”

Além disso, a baixa interação entre as universidades, instituições de pesquisa e cientistas, de um lado, e as empresas, de outro, é mais um fator que emperra a transformação do conhecimento em tecnologia no Brasil. “Culturalmente, há um afastamento entre o setor produtivo e a comunidade científica”, diz Coelho. Soma-se a isso certa incapacidade dos pesquisadores de transformar suas descobertas em riqueza, em ganho econômico. “O cientista é muito teórico e tem pouco senso prático”, acrescenta.

Nessa mesma linha, o diretor presidente da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Ruy Garcia Marques, diz que é fato reconhecido que os cientistas não são os melhores difusores de suas descobertas. “A utilidade dos produtos criados por eles normalmente leva alguns anos para ser reconhecida”, explica. Independentemente disso, Marques ressalta um ponto com o qual a maioria dos especialistas concorda. “Não é correto pensar que cabe apenas às universidades e centros de pesquisa a responsabilidade pela inovação tecnológica”, diz. “Esse também é um papel das empresas.”

Políticas públicas

A importância de colocar a teoria em prática, no lugar correto para que isso aconteça, é ressaltada por profissionais da área. Roberto Lotufo, diretor executivo da Agência de Inovação da Universidade Estadual de Campinas (Inova Unicamp), afirma: “Para ser convertido em produtos e serviços que beneficiem a sociedade, o conhecimento produzido nos centros de pesquisa e universidades depende de sua incorporação pelas empresas”. Ele não vê o desenvolvimento e a comercialização de produtos, processos e serviços como função da academia, e acrescenta: “É muito raro o resultado de uma pesquisa científica, invenção ou patente ir diretamente para o mercado, sem passar pelo setor privado”.

De acordo com Lotufo, a principal função da universidade é educar e formar profissionais para que, esses, sim, desenvolvam tecnologias inovadoras quando forem trabalhar nas empresas, órgãos do governo e outras organizações. “Quem gera a riqueza são as empresas”, diz. “Elas é que precisam usar o conhecimento para criar inovação e, consequentemente, progresso econômico.”

Essa ideia começa a ganhar espaço entre o empresariado. Pelo menos é o que se pode concluir do fato de a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ter lançado no dia 19 de agosto de 2009 um manifesto no qual afirma que “a inovação é prioridade para a indústria” e estabelece como meta para o setor privado duplicar o número de empresas inovadoras nos próximos quatro anos.

Armando Monteiro Neto, presidente da CNI, classificou o lançamento do documento de “momento histórico” para o país, lembrando que a inovação é, antes de tudo, uma imposição do mercado para as empresas. Segundo ele, a iniciativa privada precisa do respaldo do governo, que pode ter um papel decisivo nesse cenário.

Embora reconheça a importância dos passos que foram dados, em termos de política pública, pelos fundos setoriais, pela Lei de Inovação (nº 10.973/2004) e pela Lei do Bem (nº 11.196/2005), além da Política de Desenvolvimento Produtivo e do Plano de Ação em Ciência e Tecnologia, o manifesto expõe as principais dificuldades que as empresas enfrentam para inovar, incluindo deficiências nas áreas de infraestrutura e educação, problemas do sistema tributário, concorrência desleal e custo de capital, num quadro agravado pela crise internacional. O texto chama a atenção ainda para o fato de as economias desenvolvidas estarem se voltando para novos setores e tecnologias, com ênfase na sustentabilidade, e alerta que outros países emergentes devem se tornar fortes competidores do Brasil. “Nos próximos anos”, diz o documento, “o mundo mudará de forma significativa.”

Quanto à relação empresa-universidade, a CNI enfatiza a importância de fortalecê-la, sem deixar de mencionar que, apesar dos progressos registrados na pesquisa acadêmica, ainda há falta de centros de excelência. As deficiências na área educacional, aliás, são motivo de preocupação do empresariado.

Segundo o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e coordenador do Movimento Empresarial pela Inovação (MEI), Rodrigo da Rocha Loures, o grande desafio é adequar os currículos e a cultura universitária para que os estudantes tenham uma formação compatível com as demandas atuais das empresas. Em sua opinião, falta um sistema que permita que os talentos se manifestem em sua plenitude.

Apesar de todas essas dificuldades, Mota, do MCT, mostra otimismo. De acordo com ele, o Brasil dispõe de “um marco regulatório moderno e adequado”, que, se por um lado ainda apresenta certa lentidão para produzir efeitos, por outro já tornou possíveis algumas mudanças significativas. Em 2008, por exemplo, a Lei da Inovação e a Lei do Bem permitiram ao MCT, por intermédio da Finep, aumentar em 35% seu desembolso para investimentos em P&D, atingindo o recorde anual de R$ 2,7 bilhões. Já o BNDES pôde elevar em 45% sua participação em inovação, chegando a R$ 1,3 bilhão. “Enfim, há um conjunto de intenções e de ações nessa área que permitirá definir objetivos claros, com metas monitoráveis, além de fortalecer a coordenação entre as várias instituições, ampliando a capacidade do Estado de formular e operar políticas para o desenvolvimento tecnológico do país”, conclui.

O estudo já mencionado de Vermulm e Sandra, no qual foram ouvidos técnicos e dirigentes de cerca de 30 empresas de diferentes portes, setores de atuação e regiões geográficas, associadas ou não à Anpei, captou sinais dessa mudança no quadro geral. Segundo eles, é inegável o crescente interesse do setor privado pelos novos instrumentos de política tecnológica, “conforme atestam a expansão da demanda, o volume de recursos aplicados e os próprios relatos que ouvimos em nossas entrevistas”. São os primeiros passos, talvez, para o avanço que se espera.

 

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