Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Capa
O lado B de São Paulo

Roteiros turísticos diferentes e opções de lazer inusitadas mostram como é possível fugir da cidade sem sair dela

Nas férias, nos feriados prolongados ou em simples finais de semana o que se costuma dizer é que a cidade de São Paulo fica vazia – na medida do possível, é claro. Rumo ao litoral ou ao interior, os paulistanos, ansiosos pela oportunidade de deixar para trás, ainda que por poucos dias, o ritmo incessante e estressante da grande metrópole, lotam as estradas na tentativa de sentirem-se mais tranqüilos e ver o tempo passar mais gentil ao som de pássaros em vez de buzinas ou de sentir o cheiro de mar em lugar de entupir as narinas com monóxido de carbono. Nada mais justo.

Porém a cidade de São Paulo ainda reserva algumas surpresas. Você sabia que o município ainda abriga aldeias indígenas? Ou que é possível curtir um romântico jantar à luz de velas dentro de um barco rumo a uma ilha deserta sem sair da cidade? Pois é. É uma São Paulo que se revela no gosto daqueles que se cansaram de somente reclamar da cidade e resolveram fugir ainda estando nela. Complicado? Mario Jorge Pires, professor de turismo da Universidade de São Paulo, explica melhor: "Existe um movimento extremamente forte no sentido de procurar em São Paulo algo que fuja do que uma metrópole normalmente pode oferecer como opções de lazer. O residente de grandes cidades já tem como hábito procurar áreas verdes ou coisas inusitadas para passar o tempo livre". O professor Jorge completa esclarecendo que esse tipo de comportamento é comum em outras cidades do mundo, onde os parques públicos, por exemplo, recebem um enorme contingente de turistas e moradores que querem desfrutar momentos de calmaria sem estar muito longe de casa.

No entanto, São Paulo ainda se encontra um pouco atrás nesse sentido devido ao que o professor chama de perda do espaço público por parte do cidadão. "Isso acontece desde o logradouro público em frente à casa dele até os parques que ele freqüenta", retoma Mario Jorge. "Por exemplo: atrás do Museu Paulista, no bairro do Ipiranga, tem um pequeno parque que é muito freqüentado pela população local, mas cuja infra-estrutura é extremamente fraca." Ainda segundo o professor, um exemplo a ser seguido é o Parque da Luz, uma boa opção para quem quer ver o centro de São Paulo com outros olhos. "Na minha opinião, o Jardim Público da Luz não é nada convencional", analisa. "A sensação é de que nem estamos na região central da cidade. O parque tem boa vigilância e, recentemente, foi encontrado um aquário do início do século embaixo do Espelho D’Água de Diana (um dos monumentos do parque). Quando a visitação for aberta ao público, imagine quão fantástico será contemplar uma obra que ficou soterrada por cem anos!" Mesmo com o secular aquário em reforma, o Jardim da Luz continua sendo uma boa opção. Os interessados também podem aproveitar para ir à Pinacoteca do Estado. Um programa que sempre vale a pena.

Sombra e água fresca

E, por falar em parque, São Paulo tem 31 espaços públicos de lazer, entre parques e áreas verdes, segundo dados oficiais do Departamento de Parques e Áreas Verdes (Depave), órgão ligado à Secretaria Municipal de Meio Ambiente de São Paulo. Um dos mais badalados da cidade é, sem dúvida, o Parque do Ibirapuera. Dado de presente a São Paulo quando a cidade fez quatrocentos anos, o parque foi projetado por Oscar Niemeyer e teve seu projeto paisagístico concebido por Burle Marx. Até hoje, a região atrai centenas de pessoas nos finais de semana e já foi até chamada de "praia de paulistano". Porém segundo o professor Mario Jorge, a situação poderia ser melhor. "O Ibirapuera, sem dúvida, recebe muitas pessoas. Mas não cumpre seu papel satisfatoriamente. É mal sinalizado e tem uma infra-estrutura muito débil. Isso sem contar a exploração das lanchonetes em relação aos preços", alerta. Mas por que será que, mesmo assim, o Parque do Ibirapuera continua sendo tão freqüentado? Talvez a resposta esteja numa pesquisa feita pela Faculdade de Turismo no próprio campus da USP, na época em que ele era aberto à comunidade. Segundo o resultado, notou-se que os freqüentadores de parques e áreas de lazer não esperam muito desses locais. "No máximo, alguns brinquedos infantis", informa Mario Jorge. "As pessoas, na verdade, não esperam nada muito arrojado."

Esse dado leva à observação de outro comportamento típico do morador de cidade grande. Para fugir da rotina, das obrigações e da correria, o paulistano prefere que, nesses locais, não haja mesmo nada para fazer. "É a idéia do ócio e do descanso como contraponto à agitação do dia-a-dia", analisa o professor. "A área verde, por si só, já tem uma atmosfera que permeia um tipo diferente de estar na cidade de São Paulo, algo mais contemplativo."

São Paulo com ares de balneário

Já para aqueles que preferem intercalar momentos de calmaria com alguma atividade, a região dos mananciais de São Paulo pode ser uma boa opção. O próprio Sesc Paraíso, unidade do Sesc responsável pelo setor de Turismo Social da instituição, organiza concorridos passeios até a represa de Guarapiranga, na zona Sul. É o chamado Roteiro São Paulo dos Mananciais. E quem pensa que o grande atrativo da visita é ficar olhando a água que abastece a cidade, está enganado. "A proposta do trabalho do Sesc é não fazer o cotidiano. Não fazer aquilo que as pessoas já conhecem da cidade", explica Marcos Scaranci, técnico da unidade. E, de fato, basta saber procurar para que represa de Guarapiranga se transforme num iate clube em plena capital paulista. Alguns barcos realizam passeios com os visitantes, o que rende histórias bem engraçadas. O marujo urbano Mario Parussolo mora num barco há um ano e meio nas águas da Guarapiranga. Cansado da água salgada de Parati, Mario resolveu "aportar" em águas doces. "Na verdade, moro no barco há dezoito anos. Acho que não conseguiria mais morar numa casa. Aqui tenho de tudo. Cozinha, banheiro, chuveiro quente. O único problema é quando tenho insônia. Daí, tenho de ficar naquele espacinho mesmo", conta ele, que inicia os passeios às 9 horas e pára apenas às 17, 18 horas se o tempo estiver bom. Durante a semana, Mario realiza passeios agendados. São excursões de escolas, igrejas, encontros românticos à luz de vela e até festas de aniversário: "Às vezes, as pessoas querem só o espaço do barco; outras querem que eu forneça a festa completa. Aí tem churrasco, bolo e bebida". Uma festa flutuante em São Paulo... nem parece verdade. "Elas não acreditam que estão em São Paulo, principalmente quando conhecem a ilha dos Eucaliptos, que fica a meia hora do píer da represa. Eu as levo lá para caminhadas e festas de aniversário", conta com um certo orgulho. "Nessa ilha tem dezessete macaquinhos que vão até as pessoas e pegam banana das mãos delas."

Da represa, seguindo mais adiante – aliás, bem mais adiante – chega-se a outra região da cidade de São Paulo que em nada lembra a metrópole. É o bairro de Engenheiro Marsilac, situado no extremo sul da capital paulista. O bairro tem cerca de 50 mil habitantes e é uma verdadeira área rural dentro de São Paulo. Marsilac faz parte da Área de Preservação Ambiental Capivari-Monos. Aliás, toda a região é pitoresca. Nos arredores, existem 35 mil pessoas que moram literalmente dentro de uma cratera, um bairro que fica dentro de um buraco de 2,932 milhões de metros quadrados, formado pela queda de um meteorito há cerca de 20 milhões de anos. Cinco quilômetros antes, na região de Parelheiros, uma aldeia indígena tenta preservar seus costumes. Cratera, índios, mata intocada. Tudo isso também é São Paulo. "Fiquei bastante surpresa. Não fazia idéia que uma cidade tão cheia de concreto pudesse ter uma área verde tão grande", espanta-se Natalina Tosca, de 74 anos. "Nunca tinha visto um índio de tão perto. Adorei vê-los em seus hábitos e conhecer sua cultura. Nunca pensei que veria uma aldeia indígena sem viajar para fora de São Paulo", conta Tânia Imaculada Presto, de 51 anos. Ambas viajaram pelo Sesc Paraíso no roteiro São Paulo Rural.

Para os "urbanóides" inveterados

É claro que sempre tem aquele perfil de "aventureiro" urbano que prefere encontrar o inusitado mais em si mesmo do que na cidade. Ou seja, em vez de visitar aldeias indígenas, crateras ou fechar os olhos num parque fingindo que está num campo bem distante de qualquer sinal de metrópole, algumas pessoas preferem abrir bem os olhos e olhar a cidade de maneira diferente. Uma maneira mais atenta, levando em consideração os detalhes e deixando de olhar apenas para o chão. Para esse tipo de lazer, São Paulo revela, tímida às vezes, as belezas que acumulou durante quase meio milênio de história. Suas ruas, prédios históricos e modernos arranha-céus ganham outro tom se admirados com calma. Tom de cidade turística. Dentre os roteiros do Sesc Paraíso que contemplam os interessados em diferentes visitações à velha São Paulo, dois deles se destacam pela originalidade dos itinerários. São o Caminhando pela Paulista e o Altos de São Paulo. Os nomes já revelam um pouco do que será mostrado, mas nem de longe dão uma dica das surpresas que esses roteiros reservam. No primeiro, a avenida Paulista é dissecada numa caminhada de uma hora. Durante o passeio, monumentos públicos, casarões antigos e áreas verdes – como o Parque Siqueira Campos, ou Trianon, como é mais conhecido – ganham atenção especial e explicações históricas. "Quem se interessa muito por esse roteiro são alunos de turismo e de arquitetura, embora todo tipo de gente participe", explica o técnico do Sesc, Marcos Scaranci, que conta que várias vezes curiosos e interessados se juntaram ao grupo. "Começamos com um número de participantes e, ao terminarmos, percebemos que a audiência dobrou. Claro que damos um jeito e acabamos explicando para todo mundo", revela.

Andar pela avenida Paulista com mais calma pode ser uma atividade inusitada e divertida, além de gratuita. Uma verdadeira aula de história. A famosa avenida, que fez 110 anos no dia 8 de dezembro, abrigava casarões de cafeicultores e já foi recomendada por sanitaristas que diziam que áreas mais altas eram mais saudáveis. Hoje, cedeu os espaços de seus casarões para abrigar imponentes prédios onde são discutidos os rumos econômicos de todo o Brasil. A avenida Paulista foi eleita o símbolo da cidade em 1990 e recebe diariamente 1,2 milhão de pessoas. Porém, poucas delas com a ousadia de olhá-la com o curioso olhar de um turista.

Outra abordagem inusitada da cidade é olhá-la de cima. Isso mesmo. Não voando em um helicóptero, mas simplesmente subindo no último andar de alguns de seus mais altos edifícios. É isso que quem fizer o roteiro Altos de São Paulo, promovido também pelo Sesc Paraíso, irá ver. O roteiro inclui edifícios como o Patriarca, o do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), situado na Praça do Patriarca – aquele prédio no centro que parece ter uma floresta na cobertura e realmente tem uma – e o Martinelli, realização de um sonho do imigrante italiano de mesmo nome que jurou expressar o progresso de sua nova pátria com a construção de um arranha-céu, hoje modesto, mas que já foi o mais alto do país. Os interessados em conhecer São Paulo das alturas podem incluir ainda o charmoso Edifício Itália, no centro da cidade, visitando o seu charmoso café. Basta um pouco de criatividade e curiosidade. Opções, a cidade oferece.

 

Na ilha deserta - Acredite: a região dos mananciais esconde mais surpresas

Alugue um barco, convide os amigos e comemore uma data significativa numa ilha habitada por simpáticos macaquinhos que vêm comer na sua mão. Parece slogan de agência de viagens convidando você para conhecer algum paraíso no Caribe, certo? Pois saiba que tudo isso pode ser feito sem sair da cidade. "Tem gente que aluga meu barco para festas de aniversário ou até romanticos jantares à luz de velas", garante o marujo urbano Mario Parussolo, proprietário de um barco na represa de Guarapiranga.

 

Um roteiro diferente - Os cemitérios podem ser uma boa aula de arte e história

Um tipo de atividade que pode ser muito interessante, embora não tenha se tornado hábito entre os turistas que visitam a cidade e muito menos entre os próprios paulistanos, é a visitação a um verdadeiro museu a céu aberto que não cobra ingresso: o cemitério. Isso mesmo. Nada de passeios entre túmulos à meia noite ou algo que lembre filmes de terror adolescente. A história é séria... ou melhor, muito divertida e instrutiva. "Existem coisas extremamente não usuais, simplesmente esquecidas em São Paulo, uma delas é a visitação a cemitérios", analisa Mario Jorge Pires, professor de turismo.

Em São Paulo, um dos que mais abriga obras-primas em arte tumular – sem contar figuras ilustres enterradas – é o Cemitério da Consolação, fundado em 1858 num terreno doado ao município pela Marquesa de Santos, cujos restos mortais se encontram lá. No local, pode-se encontrar um número significativo de obras de artistas como Victor Brecheret, arquitetos como Ramos de Azevedo e túmulos de ilustres figuras da cidade e de todo o Brasil, como a pianista Guiomar Novaes, os escritores Mário de Andrade, Monteiro Lobato e Oswald de Andrade, a pintora Tarsila do Amaral, a atriz Itália Fausta e os ex-presidentes da República Campos Salles e Washington Luís. "Visitar cemitérios com essa abordagem histórica e cultural é um hábito comum em outras cidades do mundo", começa explicando o historiador e ex-administrador do cemitério, Délio dos Santos. "Mas foi difícil, no começo, afastar a idéia mórbida que as pessoas geralmente têm dos cemitérios." O historiador explica que o trabalho de organizar roteiros de visitação a túmulos começou há dez anos no Cemitério da Consolação, iniciado pessoalmente por ele; porém, há apenas um ano o projeto se intensificou e aprimorou. Hoje, Délio ministra cursos nos quais explica como era a questão do sepultamento para civilizações antigas, qual a importância da simbologia do cemitério, e visita pessoalmente os túmulos com os participantes. "As pessoas deveriam dar mais valor a isso. Aqui em São Paulo, essas visitas são gratuitas. Há cemitérios, em outras cidades do mundo, que até cobram para que as pessoas vejam os túmulos dos ilustres." Mas ao que parece, Délio tem feito um bom trabalho na divulgação do aspecto histórico-cultural do cemitério. Cada vez mais, professores têm procurado o roteiro e feito das informações acerca das figuras históricas matéria de prova para seus alunos. "Parece coisa de doido, mas é bem legal", resume a jovem Thais Nascimento, de 16 anos. Já seu professor, Carlos Matheus, não teve problemas para convencer a turma. "Adolescentes adoram coisas escatológicas. Não é o caso desses roteiros, é claro, mas só o fato de ser um cemitério já soou diferente o bastante para atraí-los", conclui.