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Balaio polonês

Anda Rottenberg, curadora do Festival de Cultura Polonesa, fala sobre a atual produção artística de seu país, sobre os reflexos do fim do comunismo no Leste Europeu e afirma que a Polônia sempre esteve atualizada com a cultura mundial

A cultura polonesa não é muito conhecida no Brasil. Ficamos bastante tempo sem contato cultural e pensei que os cinco dias do Festival seriam pouco para mostrar tudo. Por isso, tive de escolher um ótimo programa. Queria saber quem já era conhecido aqui, quem conhecia Wajda, Kieslowsky, Krystyna Janda ou o dramaturgo Villquist, por exemplo. Além disso, senti que seria importante mostrar a última produção deles, algo moderno. Assim, os artistas já conhecidos no Brasil serviriam como veículo para que as pessoas pudessem conhecer outros nomes da cultura polonesa. Por exemplo: trouxemos a já conhecida música dos filmes de Kieslowsky e um filme de Wajda baseado em um poema clássico do polonês Adam Mickiewicz (nosso poeta maior, como Camões é para Portugal). Trata-se de Pan Tadeusz, filme feito em prosa e verso, com a atriz Krystyna Janda, que também apresentou um drama de um novo escritor polonês.
Achei que seria bom repetirmos certos momentos conhecidos da Polônia para que esse contato ficasse ainda mais aprofundado. Tentei convidar para os workshops artistas que trabalham com filmes ou músicas.

O teatro polonês
Neste momento, temos vários tipos de teatro na Polônia. Há os independentes, não patrocinados pelo Governo, que são workshops pós-Grotowsky. As idéias de Grotowsky ainda são muito vivas na Polônia. Trata-se de um teatro embasado nas condições de vida da Polônia e nas suas tradições. Há também o teatro que lança mão de elementos tradicionais e do candomblé, na tentativa de captar a alma humana em termos jungianos, antes do catolicismo.
O candomblé é muito conhecido pelos diretores de teatro poloneses. Há um livro intitulado Samba com os deuses, escrito por um teatrólogo polonês que trabalhou com Grotowsky, no qual é traçado um paralelo entre um poema de Mickiewicz, que descreve a maneira como se chama os deuses, e o candomblé, que chama os espíritos. Esse livro narra a viagem de Antonin Artaud por Cuba e México. Eu o trouxe para entender melhor o Brasil.

O fim do comunismo na Polônia
O muro existia na Alemanha, não na Polônia; ou seja, mesmo socialista, o fluxo na Polônia era bom, as pessoas viajavam. Como o Brasil é diferente dos outros países da América, a Polônia era diferente dos outros países do bloco. Não houve um choque cultural, houve um choque econômico.
A Polônia sempre foi agitada culturalmente, só que antes ninguém a via, ela era fechada; não que ela tivesse um caráter fechado, mas ninguém se interessava por ela. As pessoas passaram a se interessar pela cultura polonesa com a queda do muro de Berlim. Para nós era muito engraçado porque os artistas que faziam cultura na Polônia foram os mesmos que mudaram o sistema polonês. Como sempre, a cultura uniu as pessoas.
Ninguém nos trouxe o capitalismo, nós batalhamos pela abertura durante muitos e muitos anos. Desde 1956, a sociedade polonesa lutava contra o stalinismo. Os russos do Kremlin faziam acinte à Polônia; eles agiam como quem dizia "vamos deixar esse experimento polonês de lado". Por isso, pessoas de outros países comunistas iam para a Polônia ouvir música (havia um jazz único da Polônia e festivais de música contemporânea) e assistir a filmes (havia o festival dos melhores filmes do mundo etc.).
Quando se pensa na cultura polonesa, ninguém imagina o quanto nós sempre nos sentimos parte da cultura mundial, mesmo vivendo na Polônia durante o comunismo. Vi Macunaíma, na Polônia, assim que ele saiu no Brasil. Sabíamos mais dos outros que eles de nós. Por isso, quando os poloneses vão a qualquer país sabem muito mais sobre a cultura local do que se imagina.
Sempre respondemos à mesma pergunta: "O que aconteceu na Polônia depois da queda do muro de Berlim?". Mesmo antes da queda do muro, a Polônia já tinha um governo independente.

Financiamento cultural
A maior parte da produção cinematográfica polonesa é privatizada; o Governo investe pouco. Apenas alguns filmes da produção de 2000 foram feitos com uma pequena ajuda do governo polonês. Vajda, por exemplo, não faz mais filmes com dinheiro público. Ele tem um produtor. Mas, de qualquer forma, ele não tem nenhum problema com os patrocinadores, principalmente depois de ganhar o Oscar.
Há também o fato de, como aqui, os cinemas serem privados. Isso se tornou um problema porque, devido à distribuição, há preferência por filmes mais comerciais em detrimento do cinema autoral. Por isso é difícil achar um bom filme, uma produção que una as duas coisas. Por exemplo, os filmes de Pedro Almodóvar e Carlos Saura são difíceis de serem encontrados nos cinemas poloneses, preferem-se os filmes americanos que dão dinheiro.

O Festival de Cultura Polonesa, realizado pelo Sesc São Paulo, por Urszula Groska Produções (no Brasil) e pela Fundação Instituto de Promoção de Arte-Warszawa (na Polônia), aconteceu de 8 a 12 de abril em várias unidades do Sesc São Paulo