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Crônica sobre violência de pessoas negras e o senso comum da morte

Por André Luís*

Criado por Achille Mbembe, o termo “necropolítica” define a relação entre o poder e a morte. Para o pensador e filósofo camaronês, o poder político se apropria da morte qual o objeto de gestão pública. Assim, uma gestão necropolítica está, fundamentalmente, ligada a opressões estruturais de raça, classe e gênero. 

O controle da vida nas mãos do estado se caracteriza não apenas pela morte em si, mas por, também, gerar condições que a favoreçam. 

Decide-se quem morre, como morre e em que condições se morre. No Brasil, a política da morte existe há anos, chancelada pelo Estado e também por um sensacionalismo midiático que torna tudo um grande espetáculo de dor e sangue à custa da população negra. 

A crônica 

Tava na hora, zapeou, achou o canal... já começou. 
Na tela um branco grita: "pega, mata, em nome de Deus!". 
Ela vibra com cada tomada, torce quando vê na mão do PM a arma empunhada. 
Unhas ela já não tem mais, anos ali, mesmo horário, mesma história. Bandido bom é bandido morto...a frase martela na cabeça. Ódio! Maldito. Bandido bom é bandido morto. E na tela um branco grita: "Pega, mata, em nome de Deus!". 
Mas que demora! Tá quase na hora da igreja. Agradecer! O envelope tá ali! "As coisa vão melhorá! ". Ela torce… 
Pega, mata, em nome de Deus! Bandido bom é bandido morto! 
Pegou, pegou!!!! Ah, agora quero ver poder com o poder. 
Atirou, pronto, tá lá, tá feito...que alívio. BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO! Ela comemora. 
Agora mostra! Tá quase na hora de agradecer! O envelope tá ali. 
Olha lá, a câmera tá chegando. De moto é mais rápido….Ou é drone? Olha lá, olha lá…. 
Mas não é bandido….é trabalhador, é estudante! 
É de bem, é de Deus. Não meu Deus! O envelope tá lá! 
Não é bandido não! Não! 
E a torcida vira dor. 
"Meu filho não é bandido. Não senhor, não fala isso. Tá errado. Ele é trabalhador e estudante". Ah meu Deus! Ai que dor. 
Bandido bom é bandido morto. 
Bandido bom é preto morto. 
Preto bom é bandido morto. 
Preto bom é preto morto. 
No fim, é o que branco grita. 

* André Luís é filho e neto de nordestinos negros, pai do Vinicius, da Vivian e da Mariana e esposo da Michele. Atua na área de atendimento do Sesc Sorocaba e é apaixonado por gente. 

Essa crônica faz parte de uma série de ações realizadas pelo Sesc Sorocaba dentro do Iorubrá, projeto que potencializa e valoriza as culturas negras. Leia também o manifesto escrito por funcionários da unidade.