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A Arte de Ser Infantil

Cada vez mais a produção de teatro para crianças é pautada por alto profissionalismo e muito talento - da dramaturgia às montagens

Embora haja muita gente talentosa fazendo teatro infantil atualmente - nomes que vão desde os veteranos Vladimir Capella e Ilo Krugli até novatos como Claudia Vasconcelos e Carlinhos Rodrigues -, o estilo ainda perde com o amadorismo mostrado em algumas produções. "É um círculo vicioso", começa explicando Dib Carneiro Neto, jornalista e crítico. "De fato, há produções fracas, improvisadas demais, que acabam por aumentar o estigma de 'teatrinho'."
O jornalista analisa que esses espetáculos pouco compromissados com a qualidade e o profissionalismo acabam por afastar o público. Isso torna as produções não-rentáveis - "pobres, deficitárias e deficientes", categoriza Dib. Assim, as produções continuam ruins, num crescendo que, por sua vez, afasta a mídia. "Se a imprensa dá menos espaço, as peças também não se viabilizam, pois elas precisam de divulgação", retoma. "Sem divulgação, não há público. Sem público, não há dinheiro. Sem dinheiro, não há um mínimo de cuidado com a qualidade técnica e visual. Enfim, é mesmo um círculo vicioso."
Ainda segundo o crítico, a solução nos leva ao início da discussão: "É preciso eliminar o preconceito, não só do público que tacha injustamente o teatro infantil de 'teatrinho', mas também dos produtores com relação aos temas a serem abordados, da imprensa com relação aos espetáculos e dos adultos com relação às crianças", afirma.
Para a diretora Cristina Lozano, que montou o espetáculo infantil As Roupas do Rei, a partir de texto de Claudia Vasconcelos, a categoria ainda sofre de mais um mal: a visão estritamente comercial que parece reinar na produção infantil, seja no teatro ou na televisão. "Muitas vezes, a coisa vem absolutamente pronta e a criança simplesmente deseja um produto", explica. "Não há um questionamento se aquilo lhe serve, se lhe é bom."
Procurando uma abordagem que apontasse para um caminho inverso, Cristina optou pela delicadeza e pelo respeito ao universo infantil em seu espetáculo. Resultado: seus esforços foram reconhecidos. As Roupas do Rei foi escolhida a melhor peça infantil pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 2002. "Tudo começa quando o texto consegue ser abrangente em todos os sentidos", retoma referindo-se ao elogiado trabalho realizado pela autora, Claudia Vasconcelos. "Quando ele (o texto) trata a criança a partir do ponto de vista da observação, como a criança observa as coisas, como ela recebe as informações externas."

Sensibilidade e escolha
As Roupas do Rei não se identifica com didatismos ao lidar com sua platéia, mas interessa-se, sim, por sugerir o caminho que leva ao exercício da reflexão. "A peça vem para fazer a criança questionar, mas de uma forma muito delicada. Eu acho que é assim que a criança deve ser tratada. Essa peça fala basicamente de sensibilidade e escolha." Claudia Vasconcelos completa ressaltando a responsabilidade de escrever para os pequenos e o poder que o adulto tem ao falar com a criança. "É preciso prestar atenção naquilo que é adequado para a criança", enxerga a autora. "E o adequado é apresentar um universo de imaginário muito aberto, um lugar onde a imaginação funcione, trabalhar com a criatividade e nunca se valer de nenhum moralismo, mas sim fazer as coisas de maneira acolhedora."
Em texto escrito para o catálogo do espetáculo, Claudia confessa: "(...) foi a criança em mim que escreveu essa peça (...)". Sentimento que, embora soe o contrário para alguns, é muito mais sério e necessário do que se imagina. "Parece piegas, mas é decisivo estimular seu lado criança se você quer ser um adulto melhor", concorda Dib. "A fantasia é fundamental. Estimula a inteligência, a criatividade. Faz pensar. Quem não fantasia é pobre de espírito, mata sua sensibilidade e sua capacidade de ser tolerante neste mundo cada vez mais intolerante."

Os truques da Truks
"O Sesc São Paulo tem, na verdade, uma preocupação constante com a qualidade em tudo o que realiza. Não poderia ser diferente com a programação de teatro infantil", começa esclarecendo Adolfo Mazzarini, coordenador de programação da unidade Belenzinho do Sesc, que irá receber quatro espetáculos da companhia de teatro de animação Truks, de São Paulo. "As crianças de hoje são o público de amanhã", enxerga. "E certamente um público infantil bem formado será um bom público de teatro."
A companhia é destaque, na verdade, num gênero que ultrapassa a divisão teatro adulto/teatro infantil. Mas é inegável o apelo que a manipulação de bonecos exerce sobre as crianças. "Costumo dizer que a nossa opção primeira é trabalhar para crianças", explica Henrique Sitchin, que divide com Verônica Gerchman a batuta da Truks. "Admiramos muito o universo infantil. Há um aspecto da infância que sempre me atraiu de forma mais intensa e sempre me intrigou no que se refere aos próprios caminhos da humanidade: creio que construí na criança a imagem do ser humano, digamos, natural, o ser humano em estado mais primitivo, mas ao mesmo tempo mais purificado."
Henrique completa ainda que é preciso sempre ter em mente que teatro, antes de tudo, é arte e deve ser feito com arte, seja voltado para crianças ou adultos. "O teatro infantil tem o vício, infelizmente, de querer ser excessivamente didático", conta. "Creio que ele deve conter sempre uma inspiração artística. Acho que os seres humanos são feitos por aspectos objetivos e subjetivos. Aos artistas foi reservado expressar-se no subjetivo: intrigar, instigar, emocionar, divertir."
Quanto ao preconceito que o gênero sofre, Henrique dá a dica: talvez a mudança comece por deixar velhos conceitos e enxergar a realidade atual. Será que a reação a isso não está aí, diante dos nossos olhos? "Tive a oportunidade de ver muita coisa em outros países, e digo com muita certeza que a produção brasileira é certamente uma das melhores do mundo", responde Henrique. "Seria realizar um sonho assistir a uma potencialização cada vez maior desta nossa capacidade. Acho que as crianças agradeceriam."
A Truks apresenta O Senhor dos Sonhos nos dias 11 e 12 de janeiro e 1 e 2 de fevereiro; Cidade Azul, dias 18 e 19 de janeiro e 8 e 9 de fevereiro; Contar até 10, dias 25 e 26 de janeiro e 15 e 16 de fevereiro; e Vovô, dias 22 e 23 de fevereiro. Todos os espetáculos no Sesc Belenzinho. Confira a programação de Teatro Infantil das unidades do Sesc São Paulo no Caderno de Programação desta edição.