Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Encontros
Pesquisa em alta

por Luiz Nunes de Oliveira

Um dos locais mais agradáveis da Cidade Universitária é a Praça do Relógio, com seus tijolos vermelhos em contraste com o verde das árvores. No seu piso, lê-se uma frase do Professor Miguel Reale: "No Universo da Cultura, o centro está em toda parte." Ao longo do tempo, as centenas de milhares de pessoas pararam frente à inscrição para encontrarem nela a expressão de um espírito visionário. Nos últimos anos, porém, o vigoroso crescimento da pesquisa em nossas universidades agregou outro significado àquela máxima: aos poucos, a aventura da descoberta científica se espalha e invade todos os setores da sociedade brasileira.
O crescimento de nossa atividade de pesquisa aparece em diferentes indicadores. Um deles está na base de dados do Institute for Scientific Knowledge, instituição que cataloga a produção publicada nas principais revistas científicas internacionais. Essa base registrou, em 1990, 4.000 artigos assinados por autores brasileiros; em 2002, esse número está chegando a 15.000. Triplicamos nossa produção em uma década, e a qualidade da nossa ciência evoluiu ainda mais: cresceram o número de nossas publicações nas revistas mais seletivas e o destaque dado a trabalhos brasileiros nas capas de tais revistas. Nossa ciência toma espaço antes ocupado por outros países.
É comum dividir-se a pesquisa em básica e aplicada, mas os melhores trabalhos aplicados produzem conhecimento científico enquanto geram resultados práticos. Há abundantes ilustrações dessa combinação, e vale a pena examinarmos alguns exemplos. O primeiro é um estudo publicado em uma das mais importantes revistas internacionais de Medicina Forense. O professor Daniel Muñoz, docente da Faculdade de Medicina da USP, foi consultado por uma empresa de seguros: alguns meses antes, ela havia vendido uma apólice de seguro de vida para um rapaz, que poucas semanas depois desaparecera. Depois disso, a polícia encontrara em uma lagoa o corpo de um jovem morto a tiros. No IML, a família beneficiária fizera o reconhecimento, antes de procurar a seguradora. Como o corpo tinha sido cremado, a companhia tinha dúvidas sobre a identificação. Consultado, o professor Muñoz recuperou dos arquivos do IML as balas extraídas na autópsia e encontrou nelas vestígios de sangue em quantidade suficiente para que uma comparação com o DNA dos pais do assegurado pudesse ser feita. O resultado negativo comprovou fraude.
Outro exemplo provém de Piracicaba. Um trabalho em colaboração com uma cooperativa agrícola permitiu que, a cada ano, se identifique a época ideal para pulverização dos laranjais contra uma lagarta conhecida como bicho-furão. O professor José Roberto Parra, docente da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, conduziu um estudo de que resultou uma armadilha à base de feromônios que atrai o macho da mariposa que gera a lagarta. Instaladas em diferentes pontos de observação no Estado de São Paulo, as armadilhas são monitoradas pelos agricultores, que mantêm informada uma central de controle. Quando a taxa de aprisionamento de insetos atinge nível crítico, a central recomenda a aplicação do defensivo. O sistema economiza recursos e minimiza os danos ambientais da aplicação incontrolada do agrotóxico. O trabalho foi descrito em três publicações em revistas internacionais.
Uma terceira ilustração pode ser encontrada na Santa Casa de São Carlos. O tomógrafo de ressonância magnética daquele hospital foi desenvolvido pelo grupo do professor Horacio Panepucci, docente do Instituto de Física de São Carlos, da USP. Com isso, um equipamento com valor comercial de aproximadamente 1 milhão de dólares foi entregue a custo praticamente nulo: o hospital só teve de arcar com o preço da construção das salas que abrigam o instrumento. Desse trabalho, além de diversas publicações em revistas internacionais, resultou uma parceria de longo prazo entre o hospital e o grupo de pesquisa.
Há uma década, tais sinais de vitalidade inexistiam. Os benefícios da expansão da pesquisa alcançam a sociedade de diferentes formas. Eles aprimoram a formação dos estudantes que freqüentam a Universidade, dão origem a novas empresas e ajudam empresas já estabelecidas a consolidar a sua base tecnológica. Entre as frentes de aprimoramento do ensino se destaca o programa de Iniciação Científica, que oferece ao estudante a oportunidade de participar de um projeto de pesquisa sob a orientação de um docente. Esse programa é tão vigoroso que universidades americanas de prestígio têm procurado a USP para copiar esse modelo.
O surgimento de pequenas empresas constituídas por pesquisadores provindos da Universidade é uma novidade que cresce continuamente em importância. Há uma década, havia poucas empresas, e nenhuma delas tinha peso expressivo na economia. Hoje, elas começam a nuclear cinturões em torno dos campi, estimulam a pesquisa tecnológica na Universidade, oferecem número substancial de empregos e despontam nos indicadores econômicos. O faturamento de tais empresas em São Carlos, por exemplo, é hoje comparável ao investimento que o governo estadual faz no campus da USP daquela cidade.
O crescimento da pesquisa impõe desafios. A Universidade de São Paulo, responsável por 25% dos resultados de pesquisa produzidos no País, preocupa-se não só com a consolidação dessa conquista, mas também com a organização das forças responsáveis pela expansão. Um esforço está sendo feito para nuclear atividades de pesquisa em torno de problemas importantes para nossa sociedade. Uma ilustração é a recente criação do Instituto de Ciência e Tecnologia de Resíduos e Desenvolvimento Sustentável (ICTR), uma organização virtual constituída por uma centena de pesquisadores de todas as universidades paulistas que trabalha para se converter em centro de referências sobre as questões ambientais associadas à produção de resíduos. O escopo do ICTR inclui desde projetos educacionais até planos para reorganização de empresas.
Várias outras iniciativas estão sendo tomadas com objetivo semelhante. A organização de uma rede permite que pesquisadores da área básica trabalhem ombro a ombro com os de áreas aplicadas, com mais motivação e melhor disseminação do conhecimento. Notícias dos resultados desse trabalho não tardarão a chegar à sociedade.