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O Nordeste e suas múltiplas referências culturais são o grande foco do projeto Paisagem Zero - Nordeste é Todo Lugar

De 30 de novembro a 6 de dezembro, a área de convivência do Sesc Pompéia abrigou um projeto cujo objetivo era mostrar o Nordeste para o Sul. Porém, ao contrário do que se pode esperar de eventos como esse, a Experiência 01 do projeto Paisagem Zero - Nordeste é Todo Lugar não estava interessada em bater na tecla do folclore para mostrar a cultura nordestina.
Coerente com o título, o evento quis provar que antes de qualquer coisa "nordeste" é uma referência geográfica e que os costumes que o dividem do sul e sudeste do País não representam - ou, na verdade, não deveriam representar - muros tão altos, a ponto de nos impedir de enxergar. "Existe um preconceito em relação ao Nordeste", começa a explicar Ricardo Muniz, curador-geral da exposição. "Numa cidade como São Paulo existe uma noção de diferença entre o Sul e o Nordeste, algo como um 'Sul Maravilha'. Por isso, a gente resolveu trabalhar em cima da idéia de como se estabelece a relação entre Norte e Sul, Leste e Oeste, como o Nordeste existe na cabeça das pessoas."
Com este projeto, o Sesc de São Paulo e a Fundação Joaquim Nabuco dão continuidade a uma parceria que teve início em 1999, com o projeto Nordestes. Na ocasião, no mesmo Sesc Pompéia foi apresentado um grande panorama da cultura contemporânea produzida na região do Nordeste. "O projeto Paisagem Zero nasce sob a inspiração de diversas figuras emblemáticas da cultura brasileira e nordestina", explica o diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda. "A primeira delas é Gilberto Freyre, um homem polêmico e inquieto, criador da Fundação Joaquim Nabuco, um daqueles intelectuais que Antonio Candido demonstrou serem verdadeiros revolucionários do pensamento social brasileiro, junto de Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Júnior."
Dentro desse espírito que propõe uma reflexão sem fronteiras e sobre elas, a curadoria concluiu que, na verdade, o nordeste pode existir em todo lugar. "Ele é uma referência geográfica", retoma o curador. "Percebemos também que a questão dos estigmas e preconceitos poderia ser elaborada de outra forma." A solução encontrada coloca em xeque a própria noção de obra-de-arte. Um conceito sofisticado que demandou muitas discussões da equipe até que todos tivessem certeza que a mensagem seria passada com o mínimo de ruído possível. "Foram inúmeras discussões em torno de temas como arte contemporânea", explica Silvana Meireles, superintendente do Instituto Cultura, Fundação Joaquim Nabuco. "Discussões organizadas em dois seminários realizados nas cidades de Recife e de Fortaleza, contando com a participação de pesquisadores e artistas, até optar-se por trabalhar com estratégias de criação." Isso explica o modelo escolhido para a grade de programação. A preocupação foi a de não mostrar produtos típicos nordestinos, mas sim analisar como se concretizam os processos de criação da arte contemporânea. "A gente não trouxe um espetáculo de maracatu, mas trouxe a mulher que é a rainha do maracatu para contar a história do ritmo e da dança junto com um único dançarino que ilustrou como ele, pessoa, existe dentro dessa manifestação", exemplifica o curador.

Paisagens
Essa negação do folclore nordestino pasteurizado se reproduziu em outros momentos do final de semana dedicado às performances. O sergipano, radicado em Recife, DJ Dolores colocou adultos e crianças para dançar numa rave que misturou ritmos nordestinos com batidas eletrônicas - bem ao estilo de Dolores. Além disso, o bailarino dinamarquês (que mora no Nordeste) Peter Dietz improvisou uma dança ao som de Fred Zero 04, do Mundo Livre S/A; o professor de Filosofia e tradutor de Gilles Deleuze no Brasil, Peter Pal Pélbart, junto com a atriz Ondina, fez uma performance com a presença de porcos vivos, numa referência à Deleuze - segundo o qual a filosofia seria destinada a crianças e porcos; e blocos e cordões em sessões de carnaval fora de época passaram pela rua principal da unidade, terminando na boca da Cobra Grande, de Márcia Benevento, exposta no evento. A parte visual contou também com um penetrável de Hélio Oiticica, o PN16 - Nada.
Mas, numa exposição que se propõe a refletir o Nordeste, como se explica a presença desses artistas? "O espaço onde aconteceu o projeto no Sesc foi concebido por Lina Bo Bardi", começa respondendo Ricardo. "Ela chamava aquele laguinho que corta a área de convivência do Pompéia de Rio São Francisco. Além disso, ela fez um espaço aberto para a criação do espectador. Por isso que a gente trabalhou com a Cobra Grande. Aquela cobra jogada lá é simplesmente um túnel de metal, mas o espectador constrói um imaginário em cima daquilo. Já o Hélio Oiticica é outro criador que com seu PN16 - Nada também coloca, teoricamente até, a questão do espectador como co-criador." A obra de Oiticica consiste num labirinto escuro onde o espectador/criador/participante entra e mergulha num blecaute total. Em meio a essa sensação, o visitante é instigado a dar a sua opinião sobre o nada. "Ou seja, você desaparece e se torna o artista, você cria o seu espaço e a sua imagem", retoma o curador. "Por isso Hélio Oiticica e Lina Bo Bardi. São pessoas que trabalharam com essa idéia de processo de criação e de valorização de discursos comuns, ou seja, do homem comum e não somente do artista."