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Democracia participativa

Oded Grajew
é diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e conselheiro da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente

Há vários anos todos os estudos dos departamentos de segurança dos países mais ricos apontam para a escassez de recursos naturais e o imenso contingente de pessoas desesperadas e desesperançadas, vivendo na miséria sem praticamente nada a perder, sentindo-se excluídas e injustiçadas. Os riscos dessas situações para a humanidade são enormes.
Neste cenário, o papel do setor empresarial está mudando rapidamente. Até há poucas décadas as empresas se preocupavam apenas em produzir e oferecer serviços. O dono da empresa fazia filantropia de forma individual, dependendo de sua visão social e de seus recursos. Posteriormente, as empresas também passaram a empreender ações sociais na comunidade.
Atualmente, a responsabilidade social empresarial incorpora-se à gestão e abrange todas as relações da empresa com funcionários, clientes, fornecedores, investidores, governo, concorrentes, acionistas, sindicatos, meio ambiente e a sociedade em geral. Esta evolução tem acompanhado as expectativas que as pessoas têm sobre as empresas. Na pesquisa 2002, Responsabilidade Social das Empresas - Percepção do Consumidor Brasileiro, realizada pelo Instituto Ethos e pela Indicator Pesquisa de Mercado, 39% dos entrevistados revelaram que esperam, principalmente, que as empresas estabeleçam padrões éticos mais elevados e ajudem a construir uma sociedade melhor.
O setor empresarial é o mais poderoso da sociedade. Possui imensos recursos financeiros, tecnológicos e econômicos. A mídia, a indústria cultural e o setor de propaganda são controlados na sua quase totalidade pelo setor privado. Formam valores culturais e influenciam o comportamento da maior parte da nossa população, além de exercerem uma grande influência política por meio do financiamento a campanhas eleitorais e do acesso privilegiado junto aos governantes.
Mas o grande poder do setor empresarial implica uma grande responsabilidade. Apenas a responsabilidade social é capaz de promover uma drástica transformação no quadro humano e ambiental brasileiro e mundial. É fundamental que haja essa grande mudança nas prioridades da agenda de nossa sociedade, colocando em primeiro lugar os temas sociais e ambientais, não no discurso e sim nas ações.
Ao longo do tempo as empresas, mesmo concorrentes, organizaram-se em associações de forma corporativa na defesa dos seus interesses setoriais e regionais. Procuraram construir um ambiente favorável para as suas atividades. Agora, essas mesmas empresas estão percebendo que a deterioração ambiental e social é uma grande ameaça para a sociedade e para as suas atividades. É possível antever que elas, além de incorporar cada vez mais a responsabilidade social na sua gestão, respondendo às expectativas crescentes da sociedade, irão se organizar em associações e apoiar iniciativas coletivas em esferas local, regional e internacional, bem como atuar em parceria com outros segmentos sociais, para que a responsabilidade social empresarial possa, de fato, impactar e transformar profundamente a sociedade. As empresas irão juntar forças e usar este poder para que os imensos recursos hoje existentes (financeiros, econômicos e tecnológicos) sejam utilizados para salvar o meio ambiente e oferecer uma vida digna a todos os habitantes da Terra.
Somos cada vez mais moradores da mesma casa. O bem-estar de todos é fundamental para a paz e a vida no planeta. Ao usar seu poder para criar um lugar ambientalmente sustentável e socialmente justo, as empresas estarão exercendo na plenitude sua responsabilidade social e ajudando a construir um mundo melhor para todos.

Helio Mattar
é presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente

No século 20, as identidades individuais passaram a estar fortemente ligadas ao que se consome, à maneira de consumir e ao próprio ato de consumo, de tal modo que, hoje, aqueles que não têm acesso pleno ao mercado de consumo são chamados de "excluídos".
Em todo o mundo, os consumidores têm revelado que os valores humanos e a contribuição das empresas ao bem-estar social e à preservação do meio ambiente são elementos cada vez mais importantes para a definição de suas escolhas. No Brasil, pesquisa do Instituto Ethos/Jornal Valor realizada no ano 2000 comprovou que 57% dos consumidores julgam se uma empresa é boa ou ruim tendo por base a responsabilidade social. Para 35% dos consumidores, a empresa deve contribuir para melhorar a sociedade. O mesmo percentual foi observado em quase todos os 23 países onde pesquisa semelhante foi realizada pela ONU.
Novos atributos de sucesso empresarial começam a ser desenhados no mercado pelas mãos do consumidor, mobilização que é potencializada pelo trabalho das ONGs e da mídia no sentido de trazer ao conhecimento da opinião pública temas como concentração de renda, desigualdade social, pobreza e destruição ambiental. Com mais informação, os consumidores recompensam e punem as empresas por sua responsabilidade social. Recompensam ao comprar os produtos e recomendar a empresa a seus conhecidos. Punem ao não comprar os produtos e não recomendar a empresa. Assim, revelam seus próprios valores e definem os novos atributos que passam a contar em sua relação com as empresas, obrigando-as a mudar suas condutas. No processo de induzir responsabilidade social aos negócios, há grandes desafios tanto para consumidores como para empresas.
O grande desafio para o consumidor é ir além da expressão de seu poder pela denúncia, passando a usar esse poder também para valorizar as práticas empresariais positivas para a sociedade, o que será fundamental para que as imperfeições, nas empresas genuinamente preocupadas com a evolução de suas práticas de responsabilidade social, sejam continuamente corrigidas e melhoradas, gerando uma competição abrangente pelo acerto ao invés da correção específica e pontual dos erros.
Para a empresa, o principal desafio é qualificar sua preocupação com a imagem com uma preocupação com a reputação, entendendo a imagem como a expressão, externa à empresa, de atributos atraentes a um grupo de consumidores e a reputação como expressão de valores e princípios refletidos em sua conduta em todas as suas relações, de maneira progressivamente mais consistente.
Acredito que a sobrevivência das empresas estará cada vez mais ligada à sua capacidade de criar vínculos permanentes de identidade com os consumidores e que a responsabilidade social terá um lugar central na realização deste potencial de construção. De outro lado, os consumidores, conscientes de que seus atos de compra são atos de cidadania, indicarão ativamente às empresas os principais atributos que definirão esses vínculos, por meio dos quais praticarão e exercitarão suas identidades.
Este me parece o maior desafio a ser vencido nas relações de consumo: criar uma rede de afetividade entre os consumidores da empresa, na qual o consumo é um efetivo exercício de identidade do consumidor, o qual adere a empresas que estabeleçam uma reputação consistente com os mesmos valores e princípios que definem sua identidade. O nome da empresa será, então, definido pela coletividade de seus consumidores, que a acolherá como um de seus verdadeiros cidadãos.

Elisabeth Grimberg
é mestre em Sociologia e coordenadora da Área de Ambiente Urbano no Instituto Pólis - Estudo, Formação e Assessoria em Políticas Sociais

Todos os dias os brasileiros geram cerca de 120 mil toneladas de resíduos - embalagens de vidro, plásticos, papel, papelão, metais. Estima-se que a economia potencial desperdiçada ao enterrar ou "jogar" a céu aberto - lixões ou aterros - seja de mais de quatro bilhões de reais ao ano. Do ponto de vista social temos mais de 200 mil catadores, hoje, no país sobrevivendo da recuperação destes materiais, tratados por eles como matéria-prima. Por meio de dezenas de cooperativas e associações ou isoladamente, um exército de catadores contribui para alimentar a cadeia produtiva da reciclagem, o que também aumenta a vida útil dos aterros e gera uma economia significativa para os cofres públicos. Mais do que isso, os catadores têm demonstrado uma enorme capacidade de organização e, portanto, afirmam seu direito de ser reconhecido como um profissional da área, ou seja, capaz de atuar em sistemas de reaproveitamento de resíduos: coleta, triagem, beneficiamento e comercialização de recicláveis. Em de 2001, 1600 catadores, de 17 estados, participaram do 1º Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis. Elaboraram a Carta de Brasília, com propostas voltadas para o reconhecimento e fortalecimento desta categoria de trabalho. Também no processo de debate do Projeto de Lei que instituí a Política Nacional de Resíduos Sólidos percebe-se a incorporação do catador como agente do processo de recuperação de recicláveis, ainda que de forma insuficiente. Segundo a visão do movimento organizado, mais plural - como, por exemplo, o Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo - a Política Nacional pode estabelecer um sistema de cobrança de taxa do setor gerador de resíduos - indústria, envasadores, importadores -, recurso a ser destinado para o Fundo Federal de Resíduos Sólidos. Este poderá transferir recursos para os Fundos Municipais de Limpeza Urbana, prioritariamente daqueles municípios que implantarem sistemas de recuperação de resíduos integrando os catadores. As contribuições elaboradas no contexto do Fórum Lixo e Cidadania contaram com a participação de ONG's, associações representantes das empresas de reciclagem, universidades e redes em que se articulam os catadores. Outro indicador da atuação da sociedade são os dados sobre catadores no Brasil, apresentados na pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre saneamento ambiental em 2001 - expressão da repercussão da mobilização social. Por fim, a crescente atuação da sociedade na perspectiva da gestão sustentável de resíduos pôde ser atestada também pela realização, em dezembro de 2002, do 1º Encontro de Educação Sócio - Ambiental e o Programa Coleta Seletiva Solidária que reuniu cerca de 100 pessoas, representantes da Fecomércio, Sesc, Fiesp, Cives - Associação de Empresários pela Cidadania, organizações dos catadores, associações das empresas de reciclagem, ONG's sócio-ambientalistas e os governos municipal e estadual. Formulou-se diretrizes e estratégias que constituirão a Plataforma de Educação Sócio-Ambiental e o Programa Coleta Seletiva Solidária, documento que será amplamente divulgado e deverá estimular ações na sociedade que fortaleçam a organização dos catadores e contribuam simultaneamente para a implementação dos "3 R's" - reduzir, reutilizar e reciclar resíduos. Princípios chave da Agenda 21.

Hélio Silva
é mestre em Administração de Empresas e doutorando em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP

Na sociedade contemporânea, a estrutura de organização social, política e econômica passa por um processo de transformação sem precedentes. A figura do Estado dominante e onipotente em que as instituições públicas deliberam, realizam e controlam a vida social, bem como o discurso da economia liberal em que a iniciativa privada dá conta de setores essenciais - como saúde, educação, lazer etc. - parecem ambos enfraquecidos. Dado o esvaziamento destas duas opções de gestão das questões sociais, tem-se verificado uma articulação da sociedade civil por meio de fundações, ONG's, associações, grupos informais, os quais contribuem de maneira cada vez mais contundente para a construção e o exercício da cidadania. Nesse processo, o sistema comunicacional desempenha um papel de destaque na potencialização da interconexão e da interatividade entre diversos atores sociais.
No âmbito do terceiro setor, há iniciativas como a Rits (Rede de Informação do Terceiro Setor), que estimula a democratização dos recursos tecnológicos e a divulgação das informações sobre o terceiro setor; o CDI (Comitê para Democratização da Informática), que promove a inclusão de populações menos favorecidas, utilizando as tecnologias da informação e da comunicação, e a Internews: uma organização global presente em 24 países, dá suporte à mídia aberta e oferece uma programação direcionada às questões sociais, para as quais alcança uma audiência de mais de 300 milhões de pessoas.
Um outro elemento do processo de formação da cidadania que merece relevo é o crescente acesso do cidadão comum à informação. Ainda que no Brasil a navegação na Internet esteja restrita a aproximadamente 13% de pessoas, com a fusão da TV ao computador esse cenário pode mudar radicalmente. Hoje são cerca de 92% dos domicílios brasileiros cujos televisores, num curto espaço de tempo, terão o sistema analógico de transmissão substituído pelo digital; abre-se, assim, a possibilidade de participação de muitos indivíduos na rede on line. Atividade que possibilitará ao espectador desde a escolha da programação até o compartilhamento de experiências para solução de problemas de sua comunidade e mesmo, eventualmente, como suporte do âmbito mais privado da vida.
Um bom exemplo do aproveitamento desse capital tecnológico é o Public Broadcasting Service dos Estados Unidos (PBS), "assistido por mais de 90 milhões de pessoas, com programas educacionais diversos de gigantesco impacto cultural no país. A rede não é nem Privada nem Estatal, é gerida por um conselho que envolve televisões locais e organizações comunitárias, com forte representação de instituições de ensino." (DOWBOR, 2001: 39)
Assim é que as novas tecnologias comunicacionais potencializam o caráter efetivamente participativo da sociedade civil. Provocar e estimular o acesso à informação e ao conhecimento, elementos fundamentais para o exercício da cidadania, a todos nós torna-se o desafio.
Sistemas de comunicação como tv, rádio, revistas, jornais etc. podem estar sob o domínio da iniciativa privada ou pública, o essencial é a participação da sociedade civil nas decisões do processo comunicacional. Isto é, trata-se de reconhecer os meios de comunicação como instrumentos de expressão dos diversos atores sociais e não apenas como mecanismo de exploração mercantil. O caminho a ser percorrido para a consolidação de um sistema de comunicação plural e participativo é arenoso, mas decerto sedutor porque instigante da formação de uma sociedade que se faça cidadã e se compreenda como tal, zelando por isso.

Estanislau da Silva Salles
é licenciado em história, sociólogo e gerente de programas socioeducativos do Sesc São Paulo

Com a consolidação da abertura política na década de 1980, discussões sobre a condução da sociedade que ocorriam em caráter restrito ganharam espaço considerável. A Constituição de 1988 oficializou o espaço de participação da sociedade, que, após alguns anos desse exercício, começa a se familiarizar com as práticas democráticas. Além disso, os políticos de hoje têm sua atuação mais visível e questionada. A crescente participação, aliada ao amplo acesso à informação, faz com que sejam estabelecidas mais conexões e, conseqüentemente, desenvolva-se maior criticidade diante das carências e inoperâncias do poder público.
Uma explosão de grupos, movimentos e instâncias de manifestação da sociedade ocorreu nos anos de 1980, mas seu amadurecimento teve lugar na década de 1990, quando várias dessas manifestações perceberam-se muito mais como um desabafo do que como processo de trabalho em construção.
Imerso nessas circunstâncias, o trabalho realizado pelo Sesc, que visa contribuir para o desenvolvimento integral do indivíduo ao criar situações para o exercício de habilidades, acesso aos bens culturais, diversificação do repertório acerca de expressões humanas, promover a sociabilidade, a troca de idéias e conseqüentemente a formação da visão e atuação críticas, constitui importante enriquecimento do processo de edificação de uma sociedade participativa.
A organização das formas de participação é, talvez, o fruto mais visível desse processo. A Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais), por exemplo, já tem dez anos e conta com 251 membros. Empresas perceberam que podem interferir na qualidade de vida da sociedade das mais diversas formas, além da produção. Os movimentos sociais proliferaram, tais como o de mulheres, consumidores, relacionados à Aids e outras doenças de caráter socialmente grave, pelas diversidades raciais, de opção sexual, políticas, religiosas, pela erradicação de formas degradantes de trabalho (infantil, escravo), MST etc.
Redes que englobam ONGs, movimentos sociais, grupos acadêmicos e governo ao redor de um tema específico, mantidas principalmente por meio da Internet, colaboram para a divulgação de informações e potencializam as possibilidades de participação em discussões, formulação de documentos a serem encaminhados para quem de direito, posicionando interesses, necessidades e expectativas de uma significativa fração da sociedade.
O trabalho voluntário ganhou impulso significativo nos últimos três ou quatro anos. Tem sido gratificante para quem o pratica e cria uma nova forma de atuar do cidadão em prol da sociedade. Isto tem exigido a profissionalização do trabalho de entidades, através da capacitação de voluntários voltada para a gestão da ação social.
Há instâncias de participação formatadas pelo governo, tais como comitês de bacias hidrográficas, audiências públicas para a discussão de questões da comunidade, orçamento participativo, entre outras, que têm consagrado as vantagens de ter a sociedade civil como co-responsável pelas decisões e ações. O comprometimento das partes potencializa sua eficiência.
A organização e a sistematização das ações sociais possibilitaram o crescimento do chamado terceiro setor. Como escreveu recentemente Stephen Kanitz (revista Veja, 30/10/02): "As 400 entidades do país ajudam 13,4 milhões de pessoas diretamente e muito mais do que isso indiretamente. É muito voto. Sempre acreditei que um dia o setor seria uma força política para garantir a eleição de qualquer candidato, hoje e no futuro. É um setor que tem acabativa (qualidade de transformar planos em realidade), que busca o que precisa com unhas e dentes, que não fica no discurso fácil da academia e da política". O poder atual do terceiro setor atesta a emergência e o fortalecimento de novos valores expressos por conceitos cada vez mais prestigiosos: participação, cidadania, responsabilidade social e solidariedade. Incorporados ao uso e ao vocabulário cotidianos, esses conceitos/palavras passam a funcionar como símbolos e indicadores de uma época. Eles caracterizam o período atual, de transição de um século a outro.
Assim, percebe-se o impulso transformador permeando nossa comunidade, que fomenta o sonho teimoso de fazer uma sociedade mais justa, digna e satisfatória para todos.