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Por uma cultura de solidariedade

Danilo Santos de Miranda

A sociologia, a política, a economia e outras ciências nos fornecem muitas explicações para a questão da fome e da desnutrição. Entretanto, todas as razões e análises redundam em mera retórica se não ancoradas pela ética e pela moral. A fome e a desnutrição no planeta são inconcebíveis. A civilização amarga o terrível paradoxo de alcançar progressos notáveis em áreas como a tecnologia, por exemplo, mas ser incapaz de promover o bem-estar para mais de um bilhão de pessoas que sobrevivem com uma renda menor que 1 dólar por dia. A idéia de que o progresso reverterá esse quadro pode ser falsa, pois o número de pessoas vivendo com essa quantia cresceu 20% entre 1995 e 2000 - passando de 1 bilhão para 1,2 bilhão - enquanto a população mundial nesse mesmo período aumentou em cerca de 7%.
As riquezas crescem para poucos enquanto a miséria se multiplica para muitos. De um lado, minorias se embriagam com o consumo exacerbado, orientado por necessidades supérfluas e que chegam a ameaçar, por esgotamento, a vida no planeta; e, por outro, multidões não têm satisfeitas as necessidades mínimas para uma vida com qualidade e bem-estar.
A idéia mais ilusória e reacionária de progresso se refere a transformar pão em brioches ou água em vinho. Mas a possibilidade de progresso baseado na acumulação e no consumo não se propagou pelo mundo. Nem mesmo países ricos, como Estados Unidos, Canadá e os da União Européia, foram capazes de eliminar bolsões internos de miséria. Ao contrário, esse padrão de progresso se fortaleceu de maneira voraz à custa da desestruturação social e da descaracterização cultural de muitos países e comunidades que, fendidos e extirpados de seus modos de produção e organização, viram a dificuldade se transformar em impossibilidade.
No Brasil essa realidade tem contornos muito graves. Aproximadamente 35 % da população brasileira vivem abaixo da linha de pobreza e cerca de 15% sequer chegam ao patamar da indigência. Segundo o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na virada do século, mais de 80% dos brasileiros vivem em meio urbano. Sintomaticamente, é especialmente nas grandes cidades - os centros geradores de riqueza - que se escancara a dimensão mais aviltante da miséria, aquela que além das adversidades de ordem material compromete a identidade pessoal, a dignidade, os valores éticos, as formas de vida comunitária e o sentimento de solidariedade.
O Brasil se destaca pela concentração de renda. Segundo o Banco Mundial, em 1997, 67,5% da renda nacional estavam nas mãos de 20% da população. Mas, além disso, temos também a triste constatação de que o Brasil rico desperdiça muito, alheio ao que se passa no Brasil pobre. Os números são alarmantes: 25% do que se produz na agricultura é perdido, seja no próprio campo, no transporte, ou mesmo nas condições de estoque e manuseio.
Esses dados deixam claro que desenvolvimento nem sempre significa prosperidade, especialmente quando se orienta para a canalização de riquezas e gera, em círculo vicioso, um padrão de consumo insustentável. A saída desse redemoinho só será possível quando às políticas de bem-estar social se agregarem valores como ética, cooperação e solidariedade. Não nos referimos apenas às ações sociais desenvolvidas por ONGs e instituições, mas a um universo mais amplo, que conceba uma cultura de paz, solidariedade e cooperação entre indivíduos e comunidades.

Danilo Santos de Miranda é Diretor Regional do Sesc São Paulo