Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Comportamento

Mesmo já tendo passado por sua era de ouro, o rádio se mantém um fenômeno de audiência e de comunicação popular

 

Houve um tempo, nos idos das décadas de 40 e 50, em que o Brasil parava em frente do rádio e roía as unhas enquanto ouvia uma novela. A mocinha conseguiria finalmente ficar com o galã? O público não via nem um nem outro, mas nem precisava. Era o tempo de botar a imaginação para funcionar e viajar na voz rouca e sedutora do herói ou nos suspiros apaixonados da heroína. “Os textos que eu lia diziam o que toda mulher queria ouvir. Era uma coqueluche”, lembra César Monteclaro, galã das radionovelas da Rádio Tupi por quase 20 anos, um dos participantes do evento Vozes e Imagens Femininas nos Tempos Pioneiros do Rádio e da TV, do Sesc São Caetano (veja boxe Veículo de imaginação). “Aquelas meninas estão hoje com 60, 70 anos e ainda me contam que sonhavam com a minha voz.” A primeira radionovela brasileira, Em Busca da Felicidade, foi ao ar em 1942 pela Rádio Nacional, e, assim como os programas de auditório, logo se transformou em líder de audiência. Basta dizer que três anos depois, no auge do sucesso alcançado pelo gênero, a Rádio Nacional transmitia diariamente 14 novelas. Também são desse tempo as vozes masculinas e femininas que marcaram a chamada era de ouro do rádio – divas como Aracy de Almeida, Dalva de Oliveira e Carmen Miranda, e cantores como Orlando Silva, Francisco Alves e Vicente Celestino. Mas nem só de romantismo vivia o meio de comunicação. Abrigava uma grande produção e os nomes responsáveis pelos primeiros fenômenos de venda em grande escala no show business brasileiro. “Era um momento em que se começava a formar no Brasil o conceito de indústria cultural”, explica o professor de comunicação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e jornalista Ricardo Alexino, que participou do evento Nas Ondas do Rádio, realizado em abril no Sesc Bauru (veja boxe Veículo de imaginação). “As emissoras e gravadoras perceberam que a arte vendida para muitos gerava lucro.”

 

 

Caixa de Pandora

 

Foi assim que o aparelho deixou o canto da sala e ocupou posição central nos lares,  transformando-se numa usina de sonhos, ditando modas e padrões de comportamento – cena muito parecida com a que a televisão protagoniza hoje. E, quando se fala em era de ouro, estamos falando sobre a bem-sucedida empreitada de reunir na programação das emissoras o que havia de melhor no campo da música, da dramaturgia e do jornalismo. Isso tudo numa época em que não existia outro meio de comunicação que chegasse a tanta gente ao mesmo tempo em lugares tão distantes entre si. Daí para que empresários percebessem o enorme potencial de negócio que a interatividade e o alcance atingidos pelo rádio poderiam gerar foi um pulo. “A Rádio Nacional foi o elo central de integração do imaginário pátrio nas décadas de 40 e 50”, diz o jornalista Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás. A Nacional foi a primeira emissora do Brasil a organizar uma redação própria para noticiários, com a rotina de um grande jornal impresso diário. Um de seus maiores – e até hoje inesquecíveis – sucessos foi o Repórter Esso, criado em 1941 e que ficou no ar até 1968, imitado, ou retransmitido, por várias emissoras.

 

Esse imenso poder de comunicação não passou despercebido ao governo de Getúlio Vargas – que, depois do golpe de 1937, tinha plenos poderes no Estado Novo. Getúlio percebeu que o veículo também seria uma mina de ouro para a propaganda política. Tanto é que, em 1940, o Estado encampou a Rádio Nacional.

 

A partir da década de 60, no entanto, o rádio começou a perder definitivamente seu espaço para a televisão. A Nacional, que chegou a ser uma das cinco maiores estações do mundo, já não era mais o elo entre as regiões do Brasil e acabou caindo num processo de sucateamento. No ano passado, um projeto do governo brasileiro, em convênio com a Petrobras, reinaugurou a sede da rádio (agora uma emissora local), no mesmo edifício na Praça Mauá, centro do Rio de Janeiro. “Não queremos eternizar o que foi a Rádio Nacional, mas preservar o seu passado”, esclarece Bucci. “De outro lado, queremos uma rádio preparada para novos tempos.”

 

 

Avanço da TV

 

Ocorre, porém, que há 40 anos, os novos tempos estavam destinados mesmo à televisão. Um golpe do qual o rádio não pôde se recuperar por completo. Mas, ainda assim, acompanha as novidades do mundo com muito jogo de cintura. “O veículo se tornou mais popular, não lembrando em nada o glamour que o envolveu nos anos 40 e 50”, analisa o professor Ricardo Alexino. “De certa forma, isso é muito bom, pois o deixou mais próximo do cotidiano.” O caminho encontrado pelas emissoras foi ajustar a programação a um público diversificado, o que acabou gerando linguagens radiofônicas diferenciadas. Prova disso é a variedade de estilos que se encontra quando percorremos o dial. Há desde emissora especializada em notícias, como a CBN, a rádio focada em conteúdo esotérico, como a Mundial. Sem contar a popular Rádio Cidade, ou a eclética Eldorado. Isso para ficar só na freqüência FM. “O rádio nunca perdeu a força”, observa Alexino. “De fato, ele sofre concorrência acirrada da televisão, principalmente no chamado ‘horário nobre’. Fora isso, ele reina.”

 

Parece mesmo inevitável comparar o rádio com a televisão. As diferenças são óbvias e num primeiro olhar tem-se a impressão de que a TV, por conseguir mostrar aquilo que o rádio só conta, está em clara vantagem. Mas não é bem assim. Uma análise mais atenta revela que a imaginação pode ser tão poderosa quanto a imagem pronta. Segundo Alexino, esse é o ponto mais eloqüente do rádio e que permite uma maior interatividade. “O ouvinte imagina o que o rádio está transmitindo. Isso é algo pessoal, único e intransferível. A partir de suas experiências é que o ouvinte constrói a forma do que escutou. Nesse sentido a TV é muito mais impositiva”, explica. A prova de que ainda há muita vida para o rádio é a audiência que ele vem reconquistando. Nos últimos cinco anos, dados do Ibope divulgados pelo Grupo de Profissionais do Rádio mostram que a audiência do veículo aumentou 44%. Conseqüência disso é também o aumento dos anúncios publicitários, uma brisa de fim de tarde no orçamento das emissoras. “Colocar um dinossauro num filme custa muito caro. No rádio basta um grito em estúdio”, comparou o publicitário André Kassu, em entrevista ao site da revista Meio & Mensagem, publicação voltada para o mercado de propaganda e marketing. Parece que o olhar dos publicitários para o rádio anda crescendo, e até mesmo a comissão organizadora do Festival Internacional de Publicidade de Cannes, na França, já o notou. Em 2005, pela primeira vez na história do evento, foi criada uma categoria para premiar propagandas feitas especialmente para o rádio.

 

 

Perfil do ouvinte – Sexo* Perfil do ouvinte – Classe social* Faixa etária*
Mulheres 53% C 37% Idade alcance
Homens 47% B 29% 10-14 anos 91%
D 23% 15-19 anos 96%
A 9% 20-29 anos 95%
E 2% 30-39 anos 92%
40-49 anos 89%
50-64 anos 83%
65 anos ou mais 74%

                 

  

Outras curiosidades*

 

No Brasil

  • 86,8% dos lares possuem aparelho de rádio.
  • 74% da população ouve rádio todos os dias contra 70% de telespectadores.
  • É a mídia que mais cresce em audiência (aumento de 44% nos últimos cinco anos).

 

No mundo

  • Os Estados Unidos são os campeões no número de emissoras: mais de 12 mil.
  • O Brasil é o vice: cerca de 6.200.
  • Na Inglaterra, em 2004, o rádio conquistou 9% dos anúncios publicitários contra 2% do ano anterior. O crescimento foi comemorado no mundo como reflexo positivo do setor.

  

Veículo de imaginação – Eventos traçam um panorama da história e da importância do rádio no Brasil e relembram seus momentos marcantes

 

Durante o mês de abril, duas unidades do Sesc São Paulo refizeram a trajetória do rádio. O projeto Nas Ondas do Rádio, realizado pelo Sesc Bauru, reuniu profissionais para debater a história do veículo na cidade e em todo o Brasil. “O rádio tem uma magia que não existe em nenhum outro meio de comunicação porque conta com uma liberdade de improviso que não se encontra nem na TV nem na internet”, afirma o radialista Kid Vinil, um dos participantes do evento, que começou no rádio em 1979 e hoje comanda um programa na Brasil 2000, em São Paulo. Para a jornalista Patrícia Palumbo, que também esteve presente, o rádio é um “supercompanheiro” devido ao seu longo alcance e formato portátil. “Além de estimular a imaginação como nenhum outro veículo”, ressalta a também apresentadora do programa Vozes do Brasil, na rádio Eldorado, em São Paulo. Patrícia contou ainda fatos que provam que o meio de comunicação continua popular. “Em festas ou rodas de amigos, quando me apresentam só como Patrícia, de repente alguém fica olhando com cara esquisita e diz que é muito familiar conversar comigo, aí descobrem que me ouvem todo dia. Isso é muito divertido e acontece sempre.” No projeto, além de debates e oficinas, foram organizadas três exposições que abordavam a evolução do rádio em seus 83 anos de vida.

 

Já no Sesc São Caetano o rádio apareceu por meio da mostra fotográfica Vozes e Imagens Femininas nos Tempos Pioneiros do Rádio e da TV. Uma exposição que serviu também para contar aos visitantes como se deu a transição dos artistas de um veículo para o outro. “Muita gente que foi fundamental para a consolidação da TV no Brasil veio do rádio”, conta César Monteclaro, nome famoso do rádio. “Dias Gomes, Mário Lago, Janete Clair, Walter Clark, Lima Duarte, Cassiano Gabus Mendes e muitos outros foram meus companheiros desse tempo”. Monteclaro, que foi trabalhar na TV Tupi como assistente de Cassiano Gabus Mendes, lembra também os acidentes que marcaram essa transição. “A programação era improvisada e muitas vezes não conseguia ir ao ar. E toda vez que algo dava errado, o Cassiano me mandava entrar no ar e pedir desculpas ao público. Eu não tinha a menor vergonha de dizer que o programa não ia passar, mas morria de medo que minhas fãs das radionovelas descobrissem que aquela voz bonita não pertencia a nenhum galã”, recordou.