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A caiumba em tempos de pandemia

Vanderlei Benedito Bastos

Antonio Filogenio de Paula Junior

A caiumba é uma dança-rito mais conhecida como batuque de umbigada ou tambu. O termo caiumba é utilizado pelos mestres e mestras dessa tradição e sua origem é bantu. O sentido da palavra caiumba é festa ou encontro celebrativo ancestral.

Os bantu são um macro-grupo étnico linguístico que ocupam um vasto território no continente africano, desde a África Central até a África do Sul. Algumas etnias que compõem esse grupo foram trazidas para o Brasil desde o início da escravidão. No país foram distribuídos em todas as regiões. No interior do estado de São Paulo, mais especificamente no médio Tietê ou oeste paulista, conceberam a partir das heranças africanas a cultura da caiumba.

A caiumba busca a harmonia da vida por meio do equilíbrio das energias: feminina e masculina. A dança se caracteriza pela umbigada entre homens e mulheres. A massemba = umbigada é típica em várias danças do universo bantu. O umbigo é o canal de alimentação quando ainda se está no ventre materno. É o eixo de equilibrio corporal e um dos pontos mais importantes para manifestação da força existencial.

A caiumba celebra o encontro em que os viventes lembram seus antepassados e saúdam os seus ancestrais. Com isso, se estabelece uma ideia de comunidade que envolve o mundo espiritual e o mundo material. Na caiumba esses mundos se complementam. 

Além da estética da dança e da música, o que sustenta essa manifestação é uma cosmogonia ancestral amparada em uma ética milenar que revela uma epistemologia complexa com contribuições para a filosofia. A filosofia bantu, conhecida como ubuntu = o ser sendo com o outro, é presente na caiumba. As noções de comunidade, solidariedade, espiritualidade, ancestralidade e corporeidade são essenciais para a ética que fundamenta a cultura da caiumba. Nesse momento de pandemia mundial ocasionada pela Covid-19 em que o isolamento social é a melhor medida de segurança e cuidado até que seja descoberta a vacina para o controle da doença, esses valores éticos vivenciados na caiumba são um alicerce para se lidar com a situação e as dificuldades que ela acarreta.

O desafio imposto a todos nós de permanecer fisicamente distanciados uns dos outros não significa a distância do ser do outro, ou seja, a preocupação pelo outro. Nesse momento reforçamos a atenção e o cuidado da comunidade revigorando os laços de fraternidade e solidariedade tão necessários para emancipação humana no reconhecimento das diferenças e na preservação da natureza, o nosso espaço comum.

A caiumba dialoga com esse momento com a sabedoria ancestral. Tão logo seja possível o encontro, que possamos ser confortados com o abraço acolhedor. Por enquanto, os membros do projeto Casa de Batuqueiro seguem cantando e dançando em suas casas, pois “a nossa casa é casa de batuqueiro” e a esperança e alegria são revigoradas todos os dias.