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Entre o remédio e o veneno

REVISTA E - julho 2006

Comportamento


O jornalista norte-americano Gerald Jones defende a polêmica tese de que a mídia para as crianças pode, e deve, lançar mão de certa dose de violência


As idéias do jornalista e crítico cultural norte-americano Gerald Jones lembram muito a máxima que diz que entre o remédio e o veneno a diferença é a dose. Polêmico, o veterano da indústria de histórias em quadrinhos sobre super-heróis - ele já ajudou a criar algumas aventuras de ícones como Batman, Super-Homem e Homem Aranha - é autor do livro Brincando de Matar Monstros - Por Que as Crianças Precisam de Fantasia, Videogames e Violência de Faz-de-Conta (Conrad Livros, 2004), que defende a idéia de que as lutas entre os monstrinhos do desenho Pokémon ou os socos e pontapés de alguns videogames não necessariamente criam crianças e jovens violentos. "Para os adolescentes essa violência é importante, ela é como um rito de passagem", afirma. Quando esteve no Brasil, em abril, para dar duas palestras no Sesc Consolação, o colaborador do jornal norte-americano The New York Times - e pai do jovem Nickolas, de 13 anos - falou com exclusividade à Revista E. A seguir, trechos:


No Brasil, nos Estados Unidos existe uma postura parecida em relação à chamada indústria cultural: achar que tudo que vem dela é ruim. É um tanto comum isso de as pessoas quererem parecer mais inteligentes e cultas e para isso falam mal da indústria cultural. As pessoas se sentem bem fazendo isso porque é uma experiência comum, todo mundo comenta e concorda. Fora isso, há outro elemento: ao falar mal da cultura de massa, o indivíduo se coloca fora dela, se destaca, torna-se especial. Soma-se a tudo isso a postura dos acadêmicos, que estão um pouco distantes e investem tempo e intelectualidade para criar os argumentos do porquê de eles não gostarem da cultura de massa. Nos Estados Unidos se usa o termo ivory tower [torre de marfim]: os acadêmicos ficam no alto da torre vendo o pântano lá embaixo. Eu conheço vários acadêmicos, principalmente os que têm por volta dos 35 anos, que gostam da cultura de massa, vão ao cinema para assistir aos blockbusters [produções mais voltadas para o cinema comercial e que se tornam sucesso de público], jogam videogames etc. Por outro lado, muitos acadêmicos que tendem para uma orientação ideológica de esquerda, costumam criticar e ver esse tipo de manifestação como algo ruim ou maléfico. Eles vêem isso como uma ferramenta do capitalismo. Mesmo os acadêmicos que vêem blockbusters e que jogam videogame tendem a criticar a cultura de massa como uma parte ruim ou negativa do capitalismo. Ao mesmo tempo existem os acadêmicos de direita, que são mais ligados ao governo, à Igreja e às instituições tradicionais, e que igualmente vêem a cultura de massa como algo ruim, algo que não faz bem para a sociedade. Nesse caso, isso ocorre porque para eles é importante manter as tradições, as crenças enraizadas, o status quo [expressão em latim derivada de in statu quo ante, que significa no estado em que (se encontrava) antes]. Logo, esse tipo de cultura pode levar a sociedade ao caos, à fragmentação e a uma perda de controle. É curioso verificar que nessas duas tendências, tanto na de esquerda quanto na de direita, existe uma crítica à violência que lança mão de argumentos diferentes e acaba chegando aos mesmos pontos, como a violência nos games, por exemplo. Ou seja, no final, ambas as tendências acabam tendo a mesma posição. Os conservadores vêem a mídia de massa como ameaça que pode incentivar a violência civil, e os teóricos de esquerda acreditam que a cultura de massa está treinando as pessoas para ser mais militaristas.


O limite da violência
Eu acho que um bom parâmetro é a idade. As crianças pequenas podem ficar chocadas e impressionadas com determinado tipo de imagem. Uma boa providência é não deixar isso muito público, não deixar o acesso tão fácil, até que essas crianças pequenas - de 7 ou 8 anos, dependendo da cultura na qual elas estiverem contidas e do crescimento individual da criança - estejam preparadas. A criança se torna mais preparada por volta dos 12 ou 13 anos. Nessa época, elas aprendem a lidar com esse tipo de violência em TV, videogame etc. Também é bom ter uma certa moral na mídia, porque, às vezes, a violência tende a ser muito visceral e pornográfica - no sentido de apenas mostrar a violência por si mesma. Tem de haver, digamos, um motivo para a violência mostrada, não pode ser algo gratuito. Mostrar a violência e um contexto é uma boa oportunidade para as pessoas formarem suas opiniões e entenderem o fenômeno, justamente para que elas não percam esse limite de vista; esse questionamento é bom. Quando a criança é agressiva, ela pode bater em alguém e ter conseqüências. Quando uma criança joga jogos violentos ou assiste a filmes com cenas de violência e os pais criticam isso, ela acha que a crítica é com ela. Isso porque os pais tendem a pensar que a criança que vê um filme assim é conseqüentemente violenta. Isso é um problema sério, porque a criança passa a não se sentir aprovada, logo, não realizada. E não há como escapar: as crianças sentem um nível de identificação com a mídia de massa, com quem faz os filmes e os jogos - e, diga-se de passagem, essa identificação vem do fato de que quem produz isso entende o que as crianças querem. Resultado: quando essa mídia é atacada, as crianças se sentem atacadas também. No final de tudo, o que a criança quer é ser social, útil, saudável, estável, ela quer conseguir entender como é o mundo real.


Auto-afirmação
A criança começa, digamos, a ficar mais violenta por volta dos 5 ou 6 anos. É quando ela deixa de ser um bebê totalmente dependente para começar a ser um indivíduo que tem algum poder de fazer as coisas, de começar a enfrentar o mundo. É nessa idade que ela vai começar a sentir identificação com desenhos como Pokémon ou Dragon Ball, que justamente envolvem uma certa capacidade e poder para resolver as coisas. É nessa época que ela vai começar a criar mais fortemente uma fantasia de agressividade, essa violência de faz-de-conta. A partir dos 10 anos ocorre uma mudança: a criança se preocupa mais com sua aparência, então, esse tipo de fantasia muda para algo como O Senhor dos Anéis, ou para as histórias de samurai, em que o papel dentro do grupo e o ato de se sacrificar por ele se tornam coisas importantes. Ela ainda está distante do mundo adulto, mas já começa a dar importância a sua aparência e a seu papel dentro de um grupo. A partir dos 13 ou 14 anos, o adolescente começa a conflitar com o adulto, porque ele acha que os adultos são hipócritas, fracos e que estão lhe escondendo informações. Ao mesmo tempo, ele tem necessidade de auto-afirmação, então diz que é forte, que é quase um adulto, que pode lidar com as coisas. É nessa época que a fantasia cai para o mau gosto, para as coisas mais sangrentas e nojentas - filmes de horror, jogos que envolvem crime etc. Eles querem mostrar que já conhecem o mundo adulto e que não têm medo.



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