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Unidade provisória do Sesc Belenzinho, com seus espaços inusitados, cumpriu papel importante para o teatro paulistano

Quando surgiu, em 1998, na Avenida Álvaro Ramos, o Sesc Belenzinho era por si só o resultado de uma idéia inovadora. A unidade, que entra em reforma em abril, adaptou-se, em sua primeira fase de funcionamento, à tradicional paisagem fabril da região, mantendo os galpões da antiga fábrica que funcionava ali e utilizando-os para os mais variados tipos de espetáculos teatrais. Embora representassem apenas uma das muitas atividades que o local ofereceu ao longo dos seus sete anos na ativa – grandes exposições, como Que Chita Bacana (em cartaz até fevereiro), concertos e shows –, as artes cênicas acabaram se tornando o ponto forte da unidade. O primeiro a apostar nesse potencial para o teatro foi o diretor Antunes Filho, que, em 2001, levou para lá seus espetáculos Medéia e Medéia 2. “Eu queria me afastar um pouco do palco italiano para tentar novas coisas”, afirma o diretor. “Queria investir mais no ator. E eu acho que o Sesc Belenzinho embarcou nessa comigo e levou adiante com o maior sucesso.”

Importantes montagens e nomes de peso do teatro nacional e internacional realizaram temporada na unidade, muitos deles indicados ou ganhadores de vários prêmios. Foi na unidade que Denise Stoklos, consagrada como atriz e diretora, estreou sua mais recente montagem no Brasil, Louise Bourgeois: Faço, Desfaço, Refaço, peça sobre a vida e obra da artista plástica franco-americana que dá nome ao espetáculo. “Há muito eu desejava usar aquele espaço, [o teatro principal da unidade] que de imediato me encantou”, diz Denise. “Trata-se de um formato panorâmico, uma platéia quase como de uma ágora, onde, pela perspectiva cênica e pela relação tão próxima de corpos, o ator tem a sensação de um abraço de olhares”, conta ela. A artista lembra ainda a “acolhida espetacular” da platéia à montagem, cujo cenário possuía peças originais da própria Louise. “Muitas vezes o espaço lotava e o público sempre recebeu com carinho minha atuação sobre essa extraordinária artista, que deu a uma brasileira a chance de falar na primeira pessoa de sua vida e de seus profundos pensamentos sobre arte.” Em 2005, o Sesc Belenzinho recebeu outros textos e presenças ilustres. Passaram pelos palcos da unidade no ano passado espetáculos como o inusitado Regurgitofagia, no qual o criador multimídia Michel Melamed discutia o excesso de informações a que o homem do século 21 está exposto. Para tanto, ele utilizava, entre outros recursos, o famoso pau-de-arara, interface por meio da qual cada reação sonora da platéia (respostas a perguntas específicas, risos, vaias, aplausos, tosses etc.) era captada por microfones que a transformavam em descargas elétricas – leves, claro, no caso do espetáculo – em diversas partes do corpo de Melamed.


Produção democrática
O ano passado teve também significado especial na história teatral da unidade por ter sido o local onde o grupo Lume comemorou 20 anos de existência. Para os integrantes, trata-se de um espaço exclusivo, que se caracteriza pela inovação. “Somos, por opção, um grupo ‘fora do eixo’ e, por termos certo vínculo com a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], muitas vezes ainda somos considerados, preconceituosamente, como acadêmicos, conceituais, enfim, com um trabalho chato e inacessível”, explica o ator Renato Ferracini. Há alguns anos, o grupo já viajava muito pelo Brasil, e mesmo por outros países, mas dificilmente se apresentava em São Paulo. “Numa política inovadora, o Sesc Belenzinho traçou um perfil de programação que aliou qualidade com novas propostas cênicas e essa política acabou permitindo que mostrássemos nosso trabalho por aqui”, diz Ferracini. O primeiro espetáculo que o grupo apresentou na unidade foi Café com Queijo, em 2003. O sucesso levou a outra temporada, realizada no mesmo ano. Em 2004, estreou Shi-Zen, 7 Cuias e no ano passado apresentaram o espetáculo Kelbilim, o Cão da Divindade. A produtora e diretora Monique Gardenberg também esteve na casa, em 2005. Entre as diversas atividades ligadas a música, cinema e teatro com que trabalha, ela dirigiu Baque, peça escrita pelo dramaturgo americano Neil Labute e que trazia no elenco a atriz Deborah Evelyn. “A temporada foi maravilhosa. Desde muito cedo, o público se interessou por aquele trabalho de difícil digestão, mas de inegável força teatral”, diz. Segundo a diretora, o que mais agrada no Sesc Belenzinho é a capacidade transformadora de um espaço construído originalmente para outros fins que passou a ser um centro aglutinador da produção cultural do Brasil. “As diversas formas e capacidades das salas permitem uma variedade e uma ousadia na programação que de outra forma não seriam possíveis”, diz ela.


Teatro sempre
A unidade provisória do Sesc Belenzinho marcou a cena teatral da cidade, com seus espaços alternativos, mas outras unidades da instituição apostam forte na área. Experiências inovadoras foram – e continuarão sendo – realizadas no teatro/arena do Sesc Pompéia ou ainda nos grandes palcos do Sesc Consolação, Vila Mariana e Pinheiros. E mais, até fevereiro a metrópole ganhará mais um desses locais. A antiga sede do Sesc São Paulo (que agora ocupa um prédio construído para este fim ao lado dos galpões da unidade prestes a entrar em reforma), situada no número 119 da avenida Paulista, irá se encarregar de não deixar os amantes das artes do tablado com um endereço a menos. Segundo Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo, as instalações da Paulista serão voltadas à “arte, corpo e tecnologia”, como revelou em reportagem publicada no site do jornal O Estado de S.Paulo em 19 de dezembro. A idéia, segundo segue o texto, é “instalar vários equipamentos tecnológicos para compensar a falta de espaço para construir um grande teatro ou um grande ginásio de esportes”. Em outra reportagem da mesma data publicada no jornal Folha de S.Paulo, o diretor regional tratou da mudança da sede. “Achamos conveniente, já que havia espaço no Belenzinho, levar a administração para ele e deixar a sede destinada à programação. A Paulista tem uma facilitação para a freqüência”. A unidade oferecerá ainda uma sala de Internet Livre além de um espaço chamado por Miranda de “academia tecnológica”, na qual os usuários poderão se “exercitar” em várias mídias. “A nossa ação deve sempre ter um caráter educativo”, explicou.


A magia do espaço teatral - Exposição repassa a vida e a obra do tcheco Josef Svoboda, um dos maiores cenógrafos da história do teatro
A um cenógrafo cabe a responsabilidade de achar o equilíbrio perfeito entre o texto e os ambientes nos quais a história se desenrolará e os personagens ganharão vida. Esse ponto de convergência é delicado, pois o trabalho deve prender a atenção, porém sem roubar a cena. Essa difícil equação foi resolvida exemplarmente pelo tcheco Josef Svoboda (1920-2002), cuja obra pode ser conferida até 29 de janeiro no Sesc Pinheiros (fotos), na maior exposição dedicada a ele já vista no Brasil. Sob a curadoria de Helena Albertová, conterrânea do grande mestre e responsável pelo acervo dos arquivos e dos trabalhos realizados pelo cenógrafo, a mostra Josef Svoboda – A Magia do Espaço Teatral reúne no térreo e no terceiro andar do Sesc Pinheiros maquetes de cenários, salas de projeção e painéis fotográficos. São imagens que retratam mais de 100 cenários concebidos para balé e óperas. Lá se vê o trabalho de Svoboda para Édipo Rei, de Sófocles, Tristão e Isolda, de Wagner, O Rigoleto e A Traviata, de Verdi, Idomeneo, de Mozart, Salomé, de R. Strauss, e Carmen, de Bizet, entre outros espetáculos. O ponto alto da mostra, no entanto, são as maquetes que representam seus trabalhos feitos para as peças de Wagner, que o consagraram como o profissional que mais cenários criou para as óperas do compositor alemão. Uma das grandes curiosidades fica por conta do módulo que recria uma de suas mais importantes realizações, o Teatro Lanterna Magika, de Praga. Para isso foi construído um túnel de 11 metros de comprimento no qual o efeito de iluminação e projeções de imagens reproduzem a sensação experimentada pelo público no teatro original. “Essa exposição é um prêmio para todos que trabalham com cenografia”, diz o cenógrafo JC Serroni, que preparou o projeto da mostra. “Trata-se de uma mostra completa, que retrata todo o trabalho desse gênio.”


Equilíbrio perfeito
Josef Svoboda nasceu em maio de 1920 na cidade tcheca de Caslav. Ainda muito jovem, começou a fazer maquetes e projetos cenográficos em um grupo amador. Nessa época, o aspirante a cenógrafo pretendia seguir para a universidade, mas, com a Segunda Guerra Mundial, todos os estabelecimentos de ensino tchecos fecharam e Svoboda teve de esperar. Passados os conflitos, surge nova chance de estudar e dessa vez ele aproveita para se inscrever no curso de cenografia no Conservatório de Praga, a capital da República Tcheca. Ao longo da carreira, criou mais de 700 cenários. Trabalhou com mestres da dramaturgia, como John Dexter e Laurence Olivier, em Londres; e Otomar Krejca, em Praga. Para o cenógrafo JC Serroni, o tcheco é uma grande referência. “Não imagino ninguém que trabalhe sério nessa área que não se deixe influenciar pela sua linguagem”, afirma. “Eu tento, e espero, um dia chegar lá e encontrar a mesma síntese que ele propõe em seus projetos.” O primeiro contato de Serroni com o mestre europeu aconteceu no final da década de 60, durante a Bienal de São Paulo, quando ainda existia nessa mostra a seção de teatro. “Fiquei impressionado na época com suas concepções cenográficas e seu poder de síntese”, lembra Serroni. Para Helena Albertová, curadora da mostra Josef Svoboda – A Magia do Espaço Teatral, torna-se cada vez mais evidente que ele foi um dos mais importantes artistas do século 20. “Devemos estudar a grandiosa obra de sua vida não somente pensando em suas descobertas tecnológicas, mas em seu dom artístico e teatral”, afirma.

Além de ter trabalhado no Teatro Nacional e no Teatro Lanterna Magika, ambos na República Tcheca, Josef Svoboda projetou o cenário de diversas peças e óperas no exterior. No Brasil, ele foi vencedor dos grandes prêmios da seção de teatro da Bienal Internacional de São Paulo nos anos de 1961, 1963 e 1965, fato que estimulou a criação da Quadrienal de Cenografia de Praga.