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P.S.

por Mário Fernandes da Silva

Ilustração: Marcos Garuti

“[...] Tempo, tempo, tempo, tempo [...] / Vou te fazer um pedido [...] / Compositor de destinos / Tambor de todos os ritmos / [...] Peço-te o prazer legítimo / E o movimento preciso [...] / De modo que o meu espírito / Ganhe um brilho definido [...] / O que usaremos pra isso / Fica guardado em sigilo [...]”.



Inicio citando um poema de Caetano Veloso para ilustrar como a idéia de tempo mistura-se à noção de vida. Estou escrevendo este texto numa desafiante tarefa, em tempo preestabelecido, dentre outras tantas que tenho a cumprir até o final do dia. Esses exemplos mostram como nossas vidas estão inegavelmente marcadas pela divisão do tempo em minutos, horas, dias, semanas, meses, anos e, por conseqüência, infância, juventude, maturidade e velhice.

Até um tempo atrás, simplificando, tínhamos a seguinte conta: num dia de 24 horas, 8 horas estavam reservadas para dormir, 8 horas para o trabalho e 8 horas para o “resto”. Tenho noção de que estarei desagradando autores e suas teorias sobre os estudos do lazer, mas, como não pretendo aqui fazer um tratado sobre o assunto, me permito chamar esse “resto” de tempo livre. Ou seja, o tempo que estava a seu dispor, para usar como quisesse. Olhando dessa forma, a divisão parece simples e nosso cotidiano está resolvido. Mas será que temos o total controle sobre esse tempo livre? Será que estamos usando esse tempo a nosso favor? Estaremos dedicando tempo suficiente à família? E à formação continuada? Thomas Wood, em seu artigo 24 x 7, publicado na revista Carta Capital, observa a influência das novas tecnologias na administração do tempo e desconstrói a antiga noção da divisão proposta acima. Ele afirma que, a par de outras transformações, vivemos uma era de profundas alterações na relação entre o tempo e espaços de realização de nossas atividades, pois pessoas fazem ginástica na empresa, trabalham em casa e estudam em todos os lugares. Estamos plugados 24 horas por dia, o que acaba gerando o que ele chama de hiperatividade e hiperansiedade.

Aproveito para acrescentar nessa situação um potente “aditivo”: o consumo. Witold Rybczynski cita Staffan Linder em seu livro Esperando o Fim de Semana, onde diz que “grande parte do tempo livre está sendo transformada no que ele chamou de tempo de consumo” e que “os americanos hoje gastam mais de 13 bilhões de dólares por ano em roupas para o esporte. Em outras palavras, cerca de 1 bilhão e 300 milhões de horas que poderiam ser de lazer são trocadas por roupas de lazer”, uma vez que eles têm de trabalhar mais para poder comprar mais.

Eu também não estou imune ao consumo; já me peguei tendo vontade de comprar um jipe para o campo, uma moto para a estrada, um jet ski para o mar, e assim por diante. Essa lógica do consumo não tem seus limites nos bens materiais. Invade até mesmo as expressões artísticas, transformando tudo em mercadoria com prazo de validade, que deve ser consumida no menor tempo por um maior número de pessoas.

Em geral, o resultado desse panorama que apresento é um exército de pessoas (consumidores) deprimidas e oprimidas pela angústia em comprar aquele último modelo de qualquer coisa e, por conseqüência, não investindo no nosso capital maior que são nossas próprias vidas.

Concluo propondo uma tese: o movimento (atividade física), encarado de forma destacada desse contexto, manifestando-se por meio de atividades lúdicas, prazerosas e conscientes, pode ser um espaço de resistência em que nossos corpos redescubram o poder do imaginário, testem seus limites e experimentem a possibilidade de relacionamentos mais genuínos. Talvez seja esse o principal valor do tema do Sesc Verão de 2006 – Tempo, Movimento e Qualidade de Vida –, o de apresentar a possibilidade de refletirmos sobre como estamos gerenciando o tempo de nossas vidas, em quais valores estão embasadas nossas escolhas e se estamos usando o tempo presente em favor da qualidade de vida. Bem, acho que é hora de encerrar, pois a elaboração deste texto precisa obedecer o limite de prazo ao qual está submetido.

Mário Fernandes da Silva, graduado em educação física, é assistente técnico do Sesc