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A explosão dos microcomputadores

Crescimento da economia favorece e anima produtores de desktops e notebooks

MIGUEL NÍTOLO


Fábrica da Positivo / Foto: Divulgação

As pesquisas de mercado e a realidade convergem para o mesmo horizonte: a demanda por computadores pessoais no Brasil experimenta um crescimento arrebatador. Os gráficos de vendas dos fabricantes apontam para o alto e o futuro parece decidido a reservar dias de esplendor para o setor. Ansiosamente aguardado pelas pessoas que vivem da informática, o novo panorama chega para conferir ao Brasil posição de maior realce no contexto mundial, colocando o país na rota dos investimentos e das atenções das grandes empresas que atuam no ramo e ainda não se sentiram tentadas a fincar o pé aqui.

Veja-se o que dizem os números. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o mercado brasileiro de desktops (computadores de mesa) e notebooks (modelos portáteis) teria movimentado, em 2007, em torno de 10 milhões de unidades, um salto de 21,4% em relação a 2006. "As vendas de desktops podem ter alcançado 8,07 milhões de unidades e as de notebooks 1,9 milhão, um incremento da ordem de 7% e 183%, respectivamente, sobre os números do ano anterior", comenta Antonio Hugo Valério Jr., diretor da área de Informática da entidade. Apenas nos três primeiros meses de 2008, o mercado consumiu 2,5 milhões de unidades, uma expansão de 25,6% sobre o mesmo período do ano passado, segundo um estudo da IT Data Consultoria realizado a pedido da Abinee.

O destaque ficou por conta dos notebooks, que responderam na ocasião pela venda de 664 mil unidades, um crescimento de 165% em relação ao desempenho dos três primeiros meses de 2007 e uma comprovação de que está em marcha uma migração de preferência do computador de mesa para o portátil, notadamente entre consumidores das classes mais favorecidas. Valério Jr. destaca que os negócios com PCs começaram a andar a passos largos apenas de uns anos para cá, revelando um vigor até então desconhecido. Em 2004, por exemplo, as vendas gerais de computadores pessoais podem ter alcançado em território brasileiro a soma de 4 milhões de unidades, 3,8 milhões delas referentes a desktops e apenas 194 mil a notebooks. No exercício seguinte o total teria chegado a 5,3 milhões e, em 2006, a 7,7 milhões.

Pesquisa realizada pela IT Data afiança que serão comercializados este ano 11,7 milhões de PCs. Um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) prevê números mais robustos: 13,44 milhões de unidades, um salto de mais de 3 milhões em relação ao resultado de 2007. "Um ciclo virtuoso está se abrindo para a indústria de tecnologia da informação", acentua Valério Jr. Ele argumenta que as pessoas passaram a ver os computadores como ferramentas de eficiência e capacitação, o que se evidencia no fato de os pais estarem oferecendo PCs a seus filhos com vistas a prepará-los para o futuro.

Montanha de dinheiro

A explosão de vendas dos microcomputadores, na realidade, encontra ressonância no incremento da comercialização de um sem-número de outros bens de consumo, resultado direto do bom momento atravessado pela economia nacional. Segundo a aposta de algumas autoridades governamentais lotadas em Brasília, os números ainda devem ficar mais encorpados em razão do esperado ingresso maciço de dólares, graças aos novos níveis de classificação de grau de investimento recentemente concedidos ao país por agências internacionais.

Algumas projeções sugerem que até 2012 o consumo anual dos brasileiros vai pular dos atuais US$ 780 bilhões para US$ 1 trilhão, uma montanha de dinheiro que começa a mexer com a cabeça dos analistas. Os próprios números divulgados pela Abinee reforçam as esperanças. O faturamento dos setores elétrico e eletrônico em 2008 poderá alcançar R$ 123 bilhões, superando em 9% o resultado de 2007 (o crescimento das empresas do ramo no exercício passado já foi 8% maior que em 2006). Importa afirmar que a expansão dos negócios com PCs representa um importante quinhão da escalada comercial dos produtos que o marketing rotulou como objetos de desejo. "É uma conquista superior do ser humano", disse o presidente Lula em seu programa semanal de rádio "Café com o Presidente", a respeito da crescente informatização do brasileiro.

É, de fato, um êxito sem par. Até maio passado, o mercado vinha adotando como referência a informação de que o Brasil encerrara 2007 com uma base instalada de 27 milhões de PCs ativos, 15,4 milhões deles utilizados dentro das empresas (ambiente corporativo) e 11,6 milhões de uso doméstico. É uma estimativa modesta, comparada com os números divulgados pela FGV, resultado de uma pesquisa que realizou. A importante entidade de ensino afirma que naquele mês o país alcançou a incrível marca de 50 milhões de computadores em pleno uso, um crescimento de mais de 200% sobre o início da década. O levantamento da FGV também revela que até 2012 a base instalada dessas máquinas no país poderá atingir 100 milhões de unidades.

É uma seqüência de boas notícias. "Com as vendas registradas em 2007, o Brasil tornou-se o quinto maior mercado mundial de computadores pessoais", declara Gérson Rolim, diretor executivo da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. "Apesar de se achar ainda distante dos números exibidos pelos quatro grandes do setor – Estados Unidos, China, Japão e Reino Unido –, temos a festejar o fato de o país ter subido duas posições no ranking global de computadores, deixando para trás a Índia, uma nação emergente de expressão", esclarece. Em razão dessa excelente performance, estima-se que o mercado brasileiro ocupe o terceiro lugar no ranking até 2010, ficando atrás apenas dos EUA e da China. "Acredito que as vendas de PCs no Brasil podem crescer à média anual de 20% nos próximos três a cinco anos. E o mercado de notebooks poderá dobrar todo ano até 2010, quando, então, passará a responder por 30% a 35% das vendas totais do setor", salienta Elber Mazaro, diretor de Marketing no Brasil da Intel, líder no segmento de processadores. Ele sugere que o potencial de mercado é de um PC por lar. "É o mínimo", diz. E completa seu raciocínio com a informação de que no país há 50 milhões de lares e que a maioria ainda não dispõe de computador.

Mais que televisores

A julgar pelo desempenho do setor, a indústria e o comércio de computadores pessoais estão no caminho certo. Segundo Reinaldo Sakis, analista sênior de PCs e monitores da IDC Brasil, empresa que atua nas áreas de inteligência de mercado, consultoria e conferências no campo da tecnologia da informação e telecomunicações, "2007 foi um ano muito forte em vendas, marcado pela consolidação de modelos com monitores LCD e pela procura por design mais arrojado e melhor performance. Houve ainda a oferta de pacotes promocionais com operadoras de telefonia empenhadas em popularizar a banda larga, contribuindo para ativar as vendas do setor". Pela primeira vez, foram vendidos mais computadores no Brasil do que televisores, afirmou à imprensa o professor Fernando Meirelles, fundador do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da FGV e coordenador da pesquisa que apontou a existência de 50 milhões de PCs ativos no país. "Nos Estados Unidos, isso aconteceu há seis anos", informou.

Claudio Neszlinger, coordenador regional em São Paulo do Comitê para Democratização da Informática (CDI), realça que a indústria brasileira de computadores pessoais deu mostras de força e tudo indica que isso vai continuar. "Devemos lembrar que a tecnologia ainda tem seu uso limitado a certo público e a certas regiões", observa ele. Neszlinger explica que Brasília, por exemplo, é a campeã na relação computador/domicílio e que no sudeste a quantidade de lares com computador é, pelo menos, 15 vezes maior do que no nordeste e no norte. O fato é que, à medida que o tempo avança e o computador pessoal alarga sua presença no mercado, o consumidor comum vê ampliada sua participação nos negócios do setor. Há três anos, apenas 30% da base instalada de PCs dizia respeito ao ambiente doméstico. Daqui a dois anos, no entanto, segundo as estimativas, esse percentual terá subido para 50%. Atrás dessa impressionante escalada está, dentre outras causas, o câmbio favorável e a ampliação do financiamento, situações que resultam em ganhos de escala e, por extensão, no barateamento do PC. Ivair Rodrigues, diretor de Pesquisas da IT Data, recorda que o desktop mais barato custava, no varejo, em torno de R$ 2 mil no final de 2004. Hoje, o mesmo produto pode ser adquirido por menos de R$ 1 mil. "No caso do notebook, a queda foi ainda maior", acentua. "Era um produto que custava R$ 4 mil, mas agora, dependendo do modelo, pode ser comprado por menos de R$ 1,3 mil".

Não dá para não ver: não fosse a explosão do crédito no varejo, a história do acelerado crescimento das vendas de PCs no Brasil talvez tivesse um outro enredo. "Em 2005, quem se aventurasse a comprar um computador teria de se contentar com parcelamentos de, no máximo, 5 ou 6 vezes", comenta Sakis. "Em dezembro de 2007, no entanto, já era corrente a venda de PCs faturados em até 24 vezes." Valério Jr., da Abinee, observa que "o crédito facilita o ajuste da compra ao tamanho do bolso do consumidor". E diz que, no exercício passado, o varejo respondeu por 39% das vendas de microcomputadores. "Quem se beneficiou pela primeira vez foi um segmento da sociedade que até então não conseguia adquirir esse tipo de produto: as classes C e D", comenta Claudio Neszlinger, do CDI. "Cerca de 20 milhões de brasileiros saíram da pobreza e emergiram para a classe C", lembra Daniel Guedes, diretor de Operações da Microlins, uma das principais franquias do país no ramo do ensino profissionalizante, com mais de 700 unidades e 40 modalidades de cursos (com destaque para o de informática, que foi freqüentado por 1,5 milhão de alunos desde sua fundação, em 1991). "Nas classes menos abastadas e por conta do orçamento, o desktop chegou para substituir a antiga enciclopédia da década de 1970, um presente para o futuro. Já o notebook, pode-se dizer, é uma alternativa que condiz mais com a classe A e, eventualmente, a B, não apenas pelo custo, que está se aproximando daquele do PC convencional, mas pelo seu uso", elucida Charles Argelazi, responsável pela área comercial da Kelow, fabricante baiana de computadores, no mercado desde 2000.

"O mercado brasileiro ainda compra muito desktop, principalmente quando se trata do primeiro computador", destaca César Aymoré, diretor de Marketing da paranaense Positivo Informática, maior indústria de computadores do Brasil. "Nosso exemplo mostra isso claramente: de todos os modelos comercializados pela Positivo, 83% são desktops e 17% notebooks." No entanto, nem tudo são flores, conforme assevera Neszlinger. Ele observa que "como 50% das famílias brasileiras ganham até dois salários mínimos, o computador ainda não é um bem acessível a todos, a menos que seu preço final seja 100% subsidiado". César Aymoré, por sua vez, entende que o governo fez sua parte para incentivar os negócios do setor, citando como exemplo a isenção de impostos (PIS e Cofins) conferida por meio da "MP do Bem", medida que tem contribuído para baratear o PC e, conseqüentemente, permitir que ele chegue a um número maior de lares. Segundo Rodrigues, da IT Data, a redução de preços também tem colaborado para a inclusão digital de uma quantidade elevada de microempresas. Ele estima que o segmento representado por profissionais liberais e microempresas que adquiriram um PC pela primeira vez em 2007 tenha demandado 600 mil computadores pessoais no período.

De certa forma, o governo não parece alheio à distância que separa o preço do computador do poder de compra de parcela importante da população, pelo menos no tocante ao uso do equipamento na educação. Um bom exemplo é o Programa Banda Larga nas Escolas, oficialmente apresentado à nação dias atrás, e que objetiva oferecer a 55 mil unidades escolares de ensino básico o acesso rápido à internet até dezembro de 2010. "Nós iremos atender 37 milhões de jovens", disse em seu programa de rádio o presidente Lula, informando que até o final de 2008 os computadores estarão presentes em 12 mil salas de aula.

Mundo digital

Engana-se quem pensa que o PC é parte apenas do universo de crianças, adolescentes e adultos mais jovens, como tudo leva a crer. Mesmo que vagarosamente, essa máquina – que já foi chamada de infernal no começo de sua caminhada – começa a participar da vida de pessoas de idade mais avançada, mudando sua rotina e, às vezes, ajudando a dar novo sentido a sua vida. "Os idosos procuram a informática porque querem se atualizar, entender como funciona esse mundo digital e, mais do que tudo, se sentir em dia com o moderno", comenta Vitória Kachar, psicóloga, pedagoga, mestre e doutora em educação. Ela explica que alguns nem gostam tanto da informática, mas querem vencer a barreira da compreensão da linguagem e, assim, superar outros desafios, tais como lidar com o caixa eletrônico, o celular e entender o novo linguajar que marca presença na mídia e no meio social. Autora do livro Terceira Idade e Informática: Aprender Revelando Potencialidades, Vitória lembra que, hoje, todos os eletrodomésticos têm funções digitais e exigem esse domínio. "Então, é essencial se ‘alfabetizar’ nesse novo código de linguagem para adquirir autonomia e exercitar a cidadania", afirma. Professora de graduação e pós-graduação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo, Vitória conta que alguns dos alunos (na sua grande maioria mulheres) que freqüentam a Universidade Aberta à Maturidade (UAM) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) utilizam a internet para fazer pesquisas específicas relacionadas às questões discutidas em sala de aula. "Também se interessam por temas referentes a saúde e envelhecimento, cultura geral e culinária." Além disso, ela diz, costumam utilizar o PC para se comunicar por e-mail com os parentes, especialmente filhos e netos. "E gostam de receber e encaminhar as mensagens que circulam na internet", conclui Vitória, que criou o jornal "Maturidades", publicado pela UAM, e responde por sua coordenação.

A internet exerce um fascínio incomum sobre as pessoas, contagiando usuários de todas as idades e colaborando exponencialmente para a expansão do comércio de computadores pessoais. Pesquisas indicam que o Brasil abrigava 23 milhões de internautas ativos em março último, um incremento da ordem de 40% em relação ao resultado de um ano atrás. O internauta brasileiro, mostram as estatísticas, ama surfar na rede mundial de computadores. Ele está entre os primeiros lugares no ranking dos usuários com o maior tempo médio mensal de navegação residencial, uma particularidade que confirma o potencial de vendas de PCs.

Apesar das conquistas registradas até aqui e das boas novas em relação ao futuro, há entretanto alguns aspectos que andam tirando parte do brilho do espetacular avanço registrado pelo setor. Conforme explica Valério Jr., trata-se do "contrabando, roubo, sonegação, falsificação ou mesmo do emprego informal e, por conseguinte, da oferta de produtos de baixa qualidade", situação que, por motivos óbvios, virou caso de polícia, dada a dimensão dos números envolvidos.

O "mercado cinza" (nome dado a esse conjunto de irregularidades) avançou nos três primeiros meses de 2008 em comparação com o último trimestre de 2007: segundo a Abinee, a participação do desktop informal nas vendas passou de 29% para 32%, devido, em grande parte, à greve dos auditores da Receita Federal, que se estendeu por longos 55 dias. A associação informa que a retenção de componentes oficiais nas alfândegas pode ter motivado a procura por produtos muitas vezes contrabandeados. Há no entanto o que comemorar. O mercado cinza de notebooks – PCs cujas vendas crescem como um bolo cheio de fermento – recuou, caindo de 37% para 34%.

O combate à pirataria, dizem os empresários do ramo, tem o mérito de gerar mais empregos e, conseqüentemente, estimular a economia brasileira. "Para alcançar as previsões de crescimento, em 2008, seria interessante atacar de modo mais agressivo o mercado informal", sugere Sakis, da IDC Brasil. "Os fabricantes, unidos, têm poder para pleitear medidas desse tipo", diz. Aymoré, da Positivo Informática, por seu turno, traz a boa notícia de que a queda de preço do PC está fazendo com que as pessoas se decidam por equipamentos fornecidos por empresas que dão garantia, dispõem de rede de serviços e disponibilizam documentação em português. 

 

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