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Helicópteros: sucesso que incomoda

Trânsito caótico e crescimento econômico ampliam vendas das máquinas barulhentas

OSWALDO RIBAS


Foto: Divulgação

"Moro em São Paulo, no bairro do Brooklin, perto da Avenida Luiz Carlos Berrini, um dos cartões-postais da modernidade paulistana. Tem dias, no entanto, em que sinto vontade de aprender a jogar bumerangue, para ver se acerto a hélice de algum helicóptero que passa pelas redondezas. O que irrita não é estar no meio da rota deles, como acontece em praticamente todos os outros bairros de São Paulo; o que me deixa louco é o vaivém, os círculos que eles ficam fazendo no ar, e o fato de estarem inatingíveis lá no céu, enquanto nós, pobres mortais, enlouquecemos aqui embaixo, tapando os ouvidos e esperando que alguém tome alguma providência para acabar com esse absurdo desrespeito à vida humana."

Esse desabafo, cujo autor prefere ficar anônimo, exprime a angústia e o inconformismo de uma parcela representativa da população paulistana, que sofre diariamente com os pousos e decolagens de helicópteros, um meio de transporte extraordinário por sua flexibilidade, mas cujo uso desenfreado e sem regulamentação acaba por transformar a vida de muita gente (que não utiliza o serviço) num verdadeiro pesadelo.

"Quando um helicóptero pousar ou decolar perto de sua casa, se estiver com janela aberta, corra para fechar. O deslocamento de ar é grande e derruba vasos, traz muitos prejuízos", afirma o advogado Marco Antonio Castello Branco, presidente da Sociedade Amigos do Itaim Bibi (Saib), bairro paulistano que está na rota de helicópteros com destino às avenidas Paulista, Faria Lima e Berrini, ou que delas retornam. Ele conta que a entidade conseguiu, nos últimos seis anos, a interdição de três helipontos na região. Falta, no entanto, uma lei específica relativa ao assunto. "É um desrespeito à cidadania. Ninguém pode ler, conversar ou trabalhar. Não existe nenhuma regulamentação", diz.

Um estudo da associação afirma que o barulho insuportável do motor e das hélices dessas aeronaves é prejudicial à saúde, já que supera em muito o máximo aceitável de 75 decibéis. "Numa decolagem, chega-se a 150 decibéis, mais do que o ruído de uma britadeira, por exemplo, o que pode ocasionar problemas sérios de audição, além de transtornos psicológicos", afirma Léo Rosenbaum, sócio titular do escritório paulistano Rosenbaum Advocacia, que se especializou no assunto, segundo ele próprio admite, por ter sido uma das vítimas desse tipo de poluição sonora.

Tornando-se uma espécie de paladino dos inconformados com o intenso tráfego aéreo paulistano, Rosenbaum considera que o trânsito cada vez mais caótico dos grandes centros, como São Paulo, é a causa do notável aumento de helicópteros sobrevoando os céus das cidades brasileiras. Desdobramento natural dessa tendência de mercado foi a proliferação dos helipontos – áreas destinadas a pousos e decolagens, que podem ficar no solo ou no topo dos edifícios –, mas que não veio acompanhada de regulamentação específica. "Além do barulho, há, claro, também o risco de acidentes, expondo diariamente a população a um perigo real", diz ele.

O estado de São Paulo, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), tem a segunda maior frota urbana de helicópteros do mundo e também a segunda em número de operações. Ao todo, são 754 aeronaves registradas no estado, 464 delas apenas na capital. Outras 80 devem chegar durante este ano. Atualmente, são 260 helipontos na capital paulista, dos quais 200 ficam em pontos elevados (em edifícios), e há uma grande concentração no entorno do Aeroporto de Congonhas, para a facilidade de locomoção dos usuários, geralmente altos executivos e empresários.

O maior problema, reconhecido pela própria Anac, é que nem todos os locais de pouso têm o aval da agência e são licenciados pela prefeitura – determinação legal para que possam funcionar, obedecendo normas urbanísticas que evitem incômodos aos moradores da vizinhança.

Clandestinidade

Estima-se que só na cidade de São Paulo 170 helipontos estejam, pelas regras do município, na clandestinidade. Para tentar resolver a questão, o poder municipal decidiu criar uma série de normas para o funcionamento desses espaços. Elas devem ser divulgadas durante o segundo semestre, mas já são contestadas por associações de pilotos de helicóptero, que as vêem como empecilho burocrático ao desempenho da profissão. O ponto mais controvertido é a exigência de um alvará de funcionamento, a ser expedido pela prefeitura paulistana. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero (Abraphe), Cleber Mansur, o atual debate é descabido. Ele afirma que não há razão para discutir regras ou novas autorizações para as áreas de pouso, principalmente por iniciativa da prefeitura, que, de acordo com ele, não tem estrutura nem funcionários competentes para esse trabalho. "Dois helicópteros não utilizam o mesmo ponto ao mesmo tempo. Não há uma aeronave trafegando sem comunicação com as demais em operação. Essa discussão é motivada pelo ano eleitoral." Mansur avalia que a autorização para o funcionamento dos helipontos deve vir só da Anac, sem ingerência da prefeitura.

O problema, segundo o vereador Rogério Farhat (PTB), que defende o aval técnico da prefeitura, é que a Anac não leva em conta o adensamento urbano nas proximidades das áreas de pouso. "Eles só avaliam o tráfego aéreo da região e se é possível ou não mais um aparelho voar naquele corredor. Isso precisa mudar. Serão necessárias as duas autorizações [da Anac e da prefeitura] ou o heliponto não vai operar", acrescenta.

O futuro texto, segundo expectativa da Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla) deverá proibir que um condomínio (comercial ou residencial) permita que outras aeronaves utilizem seu heliponto, uma prática comum na capital paulista. A comissão encarregada de discutir o assunto, segundo informa a prefeitura, também debaterá a proibição de helipontos perto de escolas e hospitais – à exceção, evidentemente, daqueles instalados nas próprias dependências destes últimos – e poderá regulamentar o horário permitido para o tráfego de aeronaves.

"A boa notícia é que já é possível a interdição judicial dessas áreas, com base na lei civil e na jurisprudência dos tribunais", alega Rosenbaum, incentivando a população incomodada a reclamar. Ele explica que a lei civil protege de forma ampla o direito de vizinhança, e o barulho de helicópteros em zonas residenciais, muitas vezes, acaba por violar esse direito básico, como o do sossego e da segurança de áreas estritamente residenciais e até comerciais em zonas de escritórios.

Enquanto isso, para tentar reordenar o tráfego aéreo e reduzir a dor de cabeça de quem mora perto desses locais, a prefeitura de São Paulo já começou a impor limites para a instalação de novos helipontos na capital. Entre as metas em jogo estão a de reduzir o número excessivo de helicópteros, exigir uma distância mínima entre um ponto e outro, limitar o horário de pousos e decolagens, que só poderão acontecer entre as 7 horas da manhã e as 22 horas (atualmente o horário é indiscriminado) e restringir a existência de helipontos instalados a menos de 500 metros de áreas residenciais e 300 metros de escolas e hospitais, além de implementar normas relativas a ruídos.

A entrada de novos helicópteros em circulação no estado de São Paulo, principalmente aparelhos modernos, deverá elevar seu número a 10% da frota total de aeronaves, fato que causa inquietação ao chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), Jorge Kersul Filho. Ele destaca a recente preocupação do órgão com o crescimento do risco de acidentes. "Uma frota maior aumenta ainda mais o tráfego aéreo no estado, que já concentra 40% do movimento total do país, e, claro, também o risco de acidentes no entorno de três dos quatro aeroportos com maior movimento no Brasil, que ficam em São Paulo: Guarulhos, Congonhas e Campo de Marte." Kersul Filho participa da audiência pública promovida pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional para discutir, ainda, a segurança dos vôos no Aeroporto de Congonhas, desde o acidente com o Boeing da TAM, que matou quase duas centenas de pessoas em julho de 2007.

Foi por questão de segurança que São Paulo se tornou a primeira cidade do mundo a possuir um centro exclusivo de controle de vôo de helicópteros. Trata-se do Serviço de Controle de Tráfego Aéreo para Helicópteros, que se encontra em operação desde 2004 e cuja missão é monitorar as aeronaves a partir da torre do Aeroporto de Congonhas. Sob supervisão do Ministério da Aeronáutica, o serviço é responsável por uma área que corresponde a um círculo de aproximadamente 10 quilômetros de diâmetro, dentro da qual todos os aparelhos são obrigados não apenas a se identificar, como também a seguir as coordenadas passadas pelos operadores, que se revezam em turnos, durante 24 horas. Em tese, o centro desempenha o mesmo papel dos controladores de vôo em relação a pouso, decolagem e rotas de aviões instalados nos aeroportos e em pontos estratégicos de todo o país. Antes da implantação desse sistema, quando o tráfego aéreo já dava sinais de saturação, era registrada uma média de 80 situações de risco por ano envolvendo rotas de colisão entre aviões e helicópteros na região de Congonhas. Depois que o serviço passou a funcionar, esse número foi aos poucos sendo reduzido a praticamente nenhuma ocorrência de risco mais grave. Até março de 2008, segundo dados do próprio órgão, só foi registrado um incidente.

Embora de incidência baixa, os acidentes que envolvem helicópteros são quase sempre fatais. Ainda está presente na memória o dia 1º de novembro de 2007, quando em menos de 24 horas três helicópteros caíram no estado de São Paulo, mais precisamente em Carapicuíba, Mogi das Cruzes e Ribeirão Preto, com três vítimas. Em 2008, segundo dados da Anac, já foram registradas 8 quedas de helicóptero, a maioria no estado do Rio de Janeiro, com 8 vítimas. Também está na lembrança dos brasileiros o fato de ter sido exatamente um acidente de helicóptero no litoral fluminense, próximo a Angra dos Reis, que tirou a vida do líder político Ulysses Guimarães no dia 12 de outubro de 1992. Junto com Ulysses, então no auge da carreira, estavam a mulher, dona Mora, o senador e empresário Severo Gomes e sua esposa, e o piloto. Um fato que até hoje intriga os historiadores é que seus restos mortais jamais foram encontrados.

A ausência de regras definidas e de fiscalização também já é motivo de disputas não só da população civil contra empresas de helicópteros e operadoras de helipontos, mas também entre grandes grupos. No ano passado, o Banco Safra processou a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) porque a estatal construiu um heliponto ao lado do prédio do banco, na Avenida Paulista. A obra está embargada. A Cesp informou que aguarda aprovação da prefeitura e da Anac para revogar a liminar concedida em favor do Safra. O banco não se manifestou. Por causa de situações como essa, o engenheiro Alexandre Paixão, da GPC Assessoria Aeroportuária, afirma ser importante a imposição de limites. "Há áreas saturadas, como a do eixo da Faria Lima. Mas é um processo que requer cuidado, pois os helicópteros se tornaram um serviço de extrema valia para o setor corporativo e não é mais possível simplesmente tirar as aeronaves de circulação."

Hoje, ter heliponto é fator essencial nas vendas de escritórios em condomínios comerciais, dizem os especialistas. Segundo a arquiteta Nádia Marzola, da Sempla, a prioridade da comissão que estuda o assunto é tentar reduzir ao máximo o incômodo para os vizinhos. Para ser aprovado, o heliponto deve ser usado só pelos proprietários do prédio. Porém, segundo ela, existe um comércio ilegal. "Tentaremos controlar os pousos e decolagens", diz Nádia.

Mercado promissor

De olho nos congestionamentos crescentes de trânsito em 2008 na capital paulista – que acumula uma frota de 6 milhões de veículos e já registrou recorde superior a 250 quilômetros de lentidão, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) –, representantes do setor de táxi aéreo não escondem sua euforia e já prevêem a melhor temporada de faturamento dos últimos anos.

"Esperamos para 2008 o maior volume de negócios desde que a empresa foi criada, há nove anos", diz Alexandre Davi, diretor de operações da Helimarte, companhia que faz em média 290 vôos por mês. A expectativa é que os ganhos cresçam entre 25% e 30%.

Além da dificuldade de locomoção na cidade, as empresas atribuem o crescimento aos bons ventos da economia. A estimativa é que, em 2008, cerca de 25 novos helicópteros integrem a frota da capital, segundo o comandante Cleber Mansur, da Abraphe.

"O trânsito tem feito bem para os negócios do setor. A coisa não pára de piorar; antigamente, 90 quilômetros de lentidão já eram um absurdo", afirma Mansur, que, no entanto, não comemora a expansão."Eu preferiria ter uma cidade mais organizada, com menos helicópteros, mas não posso esconder minha satisfação com o boom que estamos experimentando."

Um exemplo claro do crescimento dos negócios na área é dado pela LocAir, empresa de táxi aéreo de São Paulo, onde o clima é de celebração: a demanda pelas viagens aumentou 60% em relação ao ano passado. O movimento é maior nos feriados prolongados; muita gente procura vôos de algum heliponto do centro ou de Congonhas para Guarulhos, para pegar um vôo internacional no aeroporto de Cumbica. Uma maratona de uma hora de espera e lentidão pelas ruas, de acordo com a empresa, é substituída por um passeio de 15 minutos pelo espaço aéreo paulistano.

Segundo dados da Monark Turismo, 60 minutos de passeio custam de R$ 800 a R$ 7,5 mil, conforme o modelo da aeronave. Se o helicóptero for biturbinado, mais rápido, os vôos ficam mais caros.

Também como iniciativa para popularizar ainda mais o uso dessas aeronaves, já há pacotes românticos, principalmente em datas como o final do ano, o dia dos namorados etc., nas quais o casal é recebido em uma sala especial no Aeroporto Campo de Marte, bebe champanhe, sai para um sobrevôo pela cidade e pousa em um hotel cinco estrelas, onde é recepcionado com jantar de luxo e hospedagem confortável.

Tanto glamour em torno dessas aeronaves está levando a Helibras, única fábrica de helicópteros da América Latina, a aumentar sua capacidade de produção. Um projeto em andamento prevê a duplicação da planta instalada em Itajubá, no sul de Minas Gerais, com o objetivo de consolidar um novo pólo aeronáutico no país. O governo mineiro e o federal, além dos sócios privados, estão no momento negociando para que essa expansão tenha início em breve. "O projeto ainda não está pronto, encontra-se em elaboração, e Minas Gerais vai ter muito a ganhar se der certo", afirma Jorge Viana, presidente do conselho de administração da empresa.

Desde sua criação, em 1978, a Helibras, subsidiária do grupo francês Eurocopter, já produziu e entregou ao mercado cerca de 500 helicópteros, 70% deles do modelo Esquilo, considerado uma opção de transporte versátil para as grandes cidades. Esse aparelho é o mais vendido no país e um dos mais comercializados no mundo. O projeto de expansão da Helibras prevê também a fabricação do modelo Super Cougar, uma aeronave de transporte com capacidade para 20 pessoas e aproximadamente 10 toneladas de carga, para atender o mercado interno e externo.

A empresa fornece também toda a orientação técnica necessária aos operadores. Em seu centro de treinamento, localizado em Itajubá, são desenvolvidos hoje mais de 60 diferentes programas de formação, com modernos recursos de ensino, entre os quais uma maquete de helicóptero em tamanho natural e sistemas de instrução assistida por computador. Com cerca de 250 funcionários, a Helibras apresenta atualmente um faturamento líquido anual de aproximadamente US$ 90 milhões. Entre os maiores importadores de suas aeronaves estão alguns países sul-americanos, como Argentina, Bolívia e Chile.

Recentemente, os helicópteros produzidos no Brasil conseguiram reconhecimento internacional através da Federal Aviation Administration (FAA), a autoridade aeronáutica dos Estados Unidos. Desde 2004, vigora o acordo bilateral assinado entre os governos brasileiro e americano, o qual passou por uma revisão de procedimentos para implementação de novas atividades aeronáuticas. As vendas de helicópteros americanos para o Brasil já acontecem desde 1976. A denominada revisão 1, solicitada pela agência reguladora brasileira, visa permitir a exportação de helicópteros fabricados pela Helibras para os Estados Unidos. 

 

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