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Concepção, montagem e direção de The Old Woman (A Velha)

O ator Willem Dafoe e o bailarino Mikhail Baryshnikov. Montagem sobre fotos de Alexandre Nunis
O ator Willem Dafoe e o bailarino Mikhail Baryshnikov. Montagem sobre fotos de Alexandre Nunis

Quem acompanha a Eonline já sabe: The Old Woman (A Velha) é o sexto projeto do diretor norte-americano Robert Wilson, um dos maiores nomes do teatro de vanguarda, a ocupar os palcos do Sesc São Paulo.

Apresentado no Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros, até domingo (3 de agosto), o espetáculo reúne o bailarino letão Mikhail Baryshnikov e o ator hollywoodiano Willem Dafoe em torno de uma narrativa que comunga da tradição do Teatro do Absurdo: The Old Woman segue os passos de um escritor que não consegue alcançar a paz consigo mesmo e é assombrado pela figura de uma velha mulher.

A novela foi escrita pelo autor russo Daniil Kharms em 1939 sob os ecos da Segunda Guerra Mundial e sob os impactos da perseguição intelectual empregada pelo regime stalinista; a versão encenada é uma adaptação produzida pelo escritor americano Darryl Pinckney, colaborador de longa data de Wilson. Aparentemente simples, as cenas e diálogos ganham densidade dramática a partir da repetição e do jogo de luzes, sons e silêncios que caracterizam as encenações do diretor.

A seguir, você conhece os processos de concepção, montagem e direção do espetáculo por meio dos depoimentos que Baryshnikov e Dafoe concederam durante um encontro com jornalistas realizado no Sesc Pinheiros.

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A concepção

Mikhail Baryshnikov: Já conhecia o Bob há 15 ou 20 anos socialmente, sempre admirando seu trabalho na condição de espectador. Nos Estados Unidos é muito comum você jantar com alguém, conversar e depois dizer: ‘Nós temos que fazer alguma coisa juntos’. O Bob continuou em alguns encontros dizendo isto e querendo saber o que eu achava da ideia. Passamos então por uma série de projetos até chegarmos a esse. Conhecia  o trabalho de Daniil Kharms desde a infância -- é um autor excêntrico, que escreveu também muitos textos infantis. Eu não estava, porém, familiarizado com The Old Woman (A Velha), ou, se já havia lido esta novela, não me lembrava mais. Mas o fato é que li o texto que Bob me enviou, me encantei e fiquei muito contente por termos o mesmo sentimento com relação a esta obra.

Fui então para The Watermill Center [centro de pesquisa da performance criado em 1992 por Robert Wilson] e trabalhamos por uma semana em workshops com estudantes, que participavam do processo de criação e ao mesmo tempo formavam o nosso público. Fizemos algumas improvisações com o próprio Bob e no final do período ele disse que não sabia quais seriam os desdobramentos da encenação, mas sabia que seriam dois atores em cena.

Alguns nomes começaram a surgir, mas ele dizia que o intérprete talvez precisasse ser uma pessoa muito alta, ou muito grande, ou muito gorda, ou muito pequena… E então me perguntou: ‘Você conhece o trabalho do Willem Dafoe?’. Claro, conhecia há trinta anos. Bob tinha acabado de trabalhar com Willem e me contou, empolgado, que era um intérprete incrível, que cantava, dançava… Esta é, enfim, um pouco da gênesis do projeto.

 


A montagem

Willem Dafoe: Quando começamos a conceber The Old Woman (A Velha), não tivemos nenhuma preparação corporal especial. No início, nós ficávamos no palco, Bob se sentava na plateia e apresentava elementos, uma arquitetura do projeto. Existia um texto com esboço de cenas e uma designação de personagens, A e B. Quando li o texto, perguntei: ‘Sou o A ou o B?’ E Bob logo disse que não sabia... Ele quase atira os textos, diz ‘você lê isto e você lê aquilo’, e passa uma série de orientações formais: ‘Leiam tantas vezes, repitam, façam isto, façam aquilo’. Por um lado ele foi muito preciso, mas, por outro, mais que pensar em coreografias, precisavávamos encontrar soluções para que tudo aquilo funcionasse no palco. Este processo de preparação exige que o ator seja muito flexível, entregue-se e se submeta à direção dele.

M. B.: Bob trabalha com tudo ao mesmo tempo. Ficam umas 15 pessoas nas coxias -- equipe de luz, cenário, maquiagem, todos os elementos são trabalhados ao mesmo tempo. Seu primeiro trabalho é o desenho de luz, depois tudo é construído ao mesmo tempo.

 


A direção

M. B.: Estou há quase 60 anos continuamente no palco. Comecei muito novo, aos 9 anos já trabalhava profissionalmente, então é natural que acumule uma série de linguagens, um repertório baseado na dança, nas séries de televisão e nos filmes que fiz. E o que Bob faz é tentar extrair o que há de mais profundo no intérprete, ele nos dá a imagem de um anzol que engolimos para extrair o que há de mais profundo, inclusive os lugares e experiências que nos deixam fora da zona de conforto. E ao mesmo tempo nos dá orientações formais, como ‘cante como um violino’. Bob nos coloca no desconforto, o que já não deve ser tão difícil para Willem, que trabalha com pessoas como Lars von Trier!

W. D.: Isto é verdade! Eu me sinto desconfortável quando estou no conforto. [...] Gosto muito de trabalhar com Bob, esta é a segunda vez [o primeiro encontro entre o diretor e o ator se deu em Vida e Morte de Marina Abramovic]. Eu acredito que uma das coisas mais bonitas do teatro seja sua artificialidade. Sou moldado por um teatro baseado em elementos formais, que coloca o movimento como a primeira questão. Para mim, não tem nada mais bonito do que se transformar em uma coisa, se transformar na luz, na arquitetura. E Robert Wilson permite que você faça isto.

M. B.: Uma das grandes influências do Bob Wilson é o teatro asiático – nô, kabuki, toda esta tradição cênica. Seu trabalho dá valor à forma e, portanto, é um teatro que permite, assim como o asiático, que o ator vá ao máximo da sua capacidade.

M. B. e W.D.: Esta não é uma peça engraçada, nem séria. Em alguns momentos fazemos o mesmo personagem, às vezes interpretamos diversos personagens, homem, mulher, personalidades que saltam de um para o outro. Isto representa a forma de Robert Wilson trabalhar: ele nunca ilustra o trabalho original, mas faz paralelos com outras histórias.