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Parte das crianças angolanas são órfãs de guerra ou expulsas de casa acusadas de feitiçaria
Parte das crianças angolanas são órfãs de guerra ou expulsas de casa acusadas de feitiçaria

Em palestra no Sesc Piracicaba, analista de sistemas contou um pouco sobre sua experiência de voluntariado e inclusão digital utilizando software livre em Angola.

Alexandre Garcia Aguado, analista de sistemas, ocupava uma das cadeiras na função para a qual tinha estudado e se preparado até ali. Mas ainda faltava alguma coisa.

Entre um café e um post-it, uma sensação de vazio alimentava as elucubrações sobre o trabalho estar ou não cumprindo o real papel que a tecnologia tinha em sua concepção: a sociedade construindo para si na melhoria da qualidade de vida.

A consciência apertou a tecla F1, precisava de ajuda. Aguado, que há algum tempo azeitava a ideia do voluntariado promovido pelos salesianos, tomou rumo a Angola.

Em 2011, logo na chegada ao continente africano, se deparou com a face macerada de um país que tentava se recuperar do estado de guerra que ainda balançava o capim da desconfiança daquele povo.

A estadia era o antigo aterro, agora um bairro de Luanda, não por acaso batizado de Lixeira. Em condições precárias, a mesma luz de velas que à noite iluminava os barracos feitos de barro, cintilava a sensação de impotência: como prover acesso a tecnologias se as pessoas não tinham nem as condições primárias de vida?

Uma coisa era certa, a viagem missionária tomou uma via inversa. Alexandre recebia muitas doações de valores imateriais e lições daquele povo criativo de sorriso fácil. Os protagonistas da história podiam estar em qualquer ruela ou, mais especificamente, ajudando um grupo de voluntários argentinos a construir um biodigestor. Este era o Tio Bitêt.

Tio Bitêt, nos tempos de guerra, captava as transmissões sobre qual aldeia seria atacada, para logo mais prestar socorro às vítimas com seus conhecimentos em ervas medicinais. Numa destas visitas de socorro, não conseguiu proteger a si mesmo de uma mina terrestre, e ficou sem uma das pernas. 

Outra grande lição para Aguado veio de uma menina que não somava mais que seis anos.  Em Angola, parte das crianças são órfãs por conta da guerra ou expulsas das famílias acusadas de feitiçaria. Era o caso.

Cheia de interesse e curiosidade pelo forasteiro, a menina cultivou uma simpatia especial por Alexandre. Enquanto brincavam, Alexandre caiu em uma touceira de carrapichos. Foi aí que a menina usou o mesmo cuidado e carinho que lhe foram renegados para solidariamente retirar um a um dos espinhos das costas do moço.

Com a bagagem cada vez mais cheia, era hora de exercer aquilo que considerava o alicerce da sua viagem: a partilha.

Adepto à ideologia do software livre, o analista customizou para a realidade local a plataforma Ubuntu, e a batizou de UbuntuBosco em alusão ao grupo missionário. Também trabalhou na capacitação de mão de obra, ensinando manutenção de computadores e redes, e mais tarde auxiliou na construção de um site para a comunidade salesiana em Angola.

O trabalho voluntário não é fácil, tampouco pode ser considerado concluído, e enquanto se deslocava até o Sesc Piracicaba para a palestra,  um telefonema atravessou o oceano:

Alexandre, estamos com um problema aqui, o servidor está fora do ar!

Menos mal que algumas conexões independam de fios ou tecnologias. 



Fotos: Talita Bueno Salati e Rafael Belleti