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Comércio pede passagem

Consumo cresce em 2005, mas expansão do varejo ainda demora

CECÍLIA ZIONI


Arte PB

No próximo ano, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro vai crescer entre 4% e 4,5%, impulsionado, mais que em exercícios anteriores, pelo aumento do consumo doméstico, prevê o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 2005, o comércio - que representa todas as trocas de mercadorias, valores e bens realizadas no país, incluindo as da indústria e da agropecuária - deve ter andado em paralelo com o PIB, depois de registrar dinamismo maior que o do conjunto da economia: 4%, no primeiro semestre, enquanto o PIB avançava 3,4%, informa Rebeca Palis, gerente de Contas Nacionais Trimestrais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde calcula o PIB. Se comparado ao mesmo período do ano anterior, o vigor da expansão do comércio foi ainda maior: 7,9%.

Além de empatar com o PIB, que pode fechar o ano com avanço de 3,5%, o comércio terá crescimento quase igual ao da indústria (3,6%), mas inferior ao da agropecuária (4,2%), estima o professor de economia Antônio Carlos Borges, diretor executivo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), com base nos dados disponíveis. Esse resultado ficará aquém das possibilidades do varejo, mas estará em consonância com o comportamento geral da economia, diz ele.

Há previsões mais otimistas. Para consultorias como a Tendências, há espaço para crescimento do comércio, este ano, entre 4% e 4,2%, mesmo com o abalo na confiança do consumidor, ao longo da crise política que afetou o Congresso e o Executivo, e com a relativa estagnação nos indicadores de emprego, a partir do segundo semestre. Para a MSConsult, o ano fecha com massa salarial de R$ 210 bilhões, 3,5% maior que a do ano anterior, apoiada em aumento de quase 4% no percentual de pessoas ocupadas - além de expansão no rendimento real superior a 4%. Com isso, "vamos ter dois Natais com crescimento de produção e vendas, algo que não ocorria desde 1997", afirma o sócio da consultoria, Fabio Silveira.

Conjunção de fatores

O consumo - os gastos feitos para adquirir bens e serviços - vem crescendo mais rapidamente que o comércio, cuja participação no PIB, em 1990, era de 10,9%, maior que a de toda a agropecuária. Depois, entrou em queda até 1998, quando essa parcela caiu para 7,1% (a da agropecuária também diminuíra e estava em 8,2%). A partir desse ano, altas seguidas, mesmo que pequenas, foram registradas. Em 2004, já estava em 7,8%, nível equiparável ao de 1966, compara Rebeca Palis.

Segundo o IBGE, em linha com isso, o consumo das famílias brasileiras voltou a crescer mais acentuadamente em 2005, e pode fechar com avanço entre 4% e 5% sobre o exercício anterior. Mas Borges, da Fecomercio, alerta que 2006 será um ano ainda morno, e chama a atenção para o fato de que, se a discreta melhora da renda e o volume crescente de crédito permitiram, em 2005, que as famílias consumissem mais e quitassem suas dívidas, isso não se repetirá em 2006.

No médio e longo prazo, explica ele, o efeito poderá ser inverso: sem aumento significativo de renda, a tendência é de maior comprometimento - o crédito consignado tem um lado perverso, que é a redução do salário mensal, na proporção direta do endividamento do trabalhador. Assim, se não forem criadas condições sustentáveis para a expansão da renda e do emprego, a oferta de crédito, que inflou as vendas este ano, pode gerar aumento da inadimplência no próximo. De olho nisso, os bancos poderão elevar as taxas ou voltar a fechar as torneiras. De seu lado, o comerciante pode restringir ou dificultar a oferta de parcelamento das compras, afirma Borges.

O comércio vive bons momentos em 2005: só para citar alguns números, o ano deverá fechar com venda de 8,5 milhões de televisores, 5,2 milhões de computadores e 1,7 milhão de automóveis, além de cerca de 20 milhões de celulares.

É que, na balança de pontos positivos e negativos, o prato a favor do comércio ficou bem mais pesado este ano, como explica Reinaldo Silva Pereira, gerente da Pesquisa Mensal de Comércio, do IBGE. "Foram positivos quatro importantes fatores para as áreas mais sensíveis à variação de renda: primeiro, a inflação em queda a partir de maio, que elevou a renda real; segundo, a desvalorização cambial, que segurou a inflação interna e barateou produtos importados, favorecendo seu consumo; terceiro, a evolução do emprego, com aumentos, ainda que pequenos, mas que beneficiaram o rendimento médio do trabalhador." Em quarto lugar, Pereira cita a expansão do crédito, que, sob formas variadas, como a modalidade consignada, beneficiou também os setores mais sensíveis a financiamento - o de bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, por exemplo.

No prato dos pontos negativos, há só dois itens: o encarecimento dos combustíveis, que superou a inflação (10,8% até julho, resultando em queda quase igual, 10,56%, no comércio de combustíveis e lubrificantes), e os primeiros sinais de um eventual esgotamento da capacidade de endividamento do consumidor e das disponibilidades dos bancos para crédito, especialmente o consignado - o mais barato do mercado -, que, segundo a Fecomercio, teve o volume aumentado em 110% nos 12 meses encerrados em agosto.

O que também ajudou a engordar o orçamento do brasileiro, em 2005, foi a melhora salarial. Neste ano, ao contrário dos anteriores, a negociação direta de reajuste salarial entre empregados e empresa, dispensando entidades sindicais na representação do conjunto da categoria, resultou em mais aumentos acima da inflação.

Melhora na renda

Em 2004, 45% dos acordos e convenções firmados no primeiro semestre haviam resultado em ganho real; este ano, o número subiu para 66%, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). Para os analistas, é positivo o fato de a grande maioria (mais de 90%) dos acordos salariais ter dispensado campanhas, mobilizações e greves. As maiores paralisações foram as de servidores públicos, como a do INSS e a dos Correios, para citar apenas duas. Dos acordos fechados no primeiro semestre por 28 sindicatos filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), só 7% não repuseram a inflação (INPC) e outros 7% zeraram as perdas inflacionárias, mas os restantes 86% obtiveram reajustes acima da inflação.

Além da melhora nos acordos, o aumento real da renda do consumidor veio da trajetória de queda da inflação, por meses, acusada em todos os indicadores em circulação no país. Foi significativo o recuo dos preços dos alimentos, itens de maior peso no orçamento das famílias de baixa renda - carne, batata, cebola, feijão e leite, por exemplo. Comida mais barata se explica tanto pela boa oferta da maioria dos produtos agrícolas como pela valorização do real em relação ao dólar, com impacto também no preço de produtos de valor agregado mais alto - como eletroeletrônicos e computadores. Mais: a deflação no atacado se refletiu nos índices (IGP-M e IGP-DI) que servem de referência para os reajustes anuais de energia elétrica, telefonia e aluguéis.

Característica dessa volta do brasileiro às compras em 2005 é que ele começou com os produtos mais caros e deixou para a segunda etapa os rotineiros, como alimentos e material de uso doméstico. Há uma importante razão para isso: o ano se iniciou com uma inusitada oferta de crédito para consumo (o que, aliás, fez a alegria dos bancos, que registraram lucros recordes nesse período), embora a taxa básica de juros, a Selic, tenha sido mantida em níveis reais sempre superiores a 12% ou 13% ao ano.

Em 2005 foram marcantes também o avanço das lojas sobre os bancos na oferta de crediário, a explosão do crédito consignado (para empregados, aposentados e pensionistas) e a ausência de trégua na guerra dos cartões de crédito. Novidade foi o surgimento de novos cartões: o de loja para clientes de renda mais alta e o de compras para aposentados e idosos, sempre associados a uma bandeira de cartão de crédito.

Destinados inicialmente a consumidores de renda mais baixa, os cartões de loja no Brasil se expandiram em 153%, de 1998 até 2005: já foram emitidos mais de 81 milhões, com faturamento, no ano passado, de R$ 17 bilhões - o dos cartões de bandeira foi bem maior (R$ 100 bilhões). Mais recentes no mercado, os cartões de compras do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical não cobram anuidade e dão 40 dias para pagamento sem juros ou cobram juros de 3,2% mensais para prazos maiores.

As famílias trocaram os celulares velhos por novos, substituíram a TV adquirida na bolha de consumo do agora remoto ano de 2000, compraram ou modernizaram o DVD (que nunca esteve tão barato, tão pequeno e tão completo), mudaram o carro a gasolina pelo motor flex (65% do total das vendas), deram um upgrade no computador, incluíram a câmara digital ou a filmadora na lista de presentes obrigatórios (viva o dólar barato!).

Só de janeiro a agosto, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) registrou mais de 13 milhões de novas habilitações para aparelhos celulares. Com isso, a teledensidade, índice internacional que aponta o número de celulares em serviço para cada grupo de cem habitantes, subiu para 42,85 - um aumento de quase 35% no período de 12 meses encerrado em agosto -, com 78 milhões de unidades em uso.

Estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que quase 60% das famílias com renda mensal de dois a cinco salários mínimos têm pelo menos um telefone celular (pré-pago) e nenhum fixo. A cada ano, mais de 10 milhões de telefones móveis têm sido vendidos no Brasil.

Até o fim do ano, aumento de mais de 200% é esperado nas vendas de televisores com tela de plasma ou de cristal líquido (LCD). Esse equipamento, quase desconhecido do consumidor em 2004, já deve significar 3% dos 8,5 milhões de aparelhos que serão produzidos e vendidos até o Natal, estima a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros): só no primeiro semestre de 2005, as lojas comercializaram mais que em todo o ano passado. O dólar barato tem ajudado a vender 35 mil desses aparelhos em 2005, começando a substituir a coqueluche de até então, o DVD, ainda recorde absoluto. No caso dos televisores, a venda prevista de 8,5 milhões de unidades supera em 13% a de 2004 e em 70% a média dos três anos anteriores.

Viva o mercado interno

No IBGE, a rubrica dos equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação explodiu, com alta acumulada de 40,57%, apenas entre janeiro e julho. Isso se explica pela valorização do real frente ao dólar, que barateou os computadores, por exemplo, em mais de 6%, entre julho de 2004 e julho deste ano, assinala Reinaldo Silva Pereira, do instituto. A consultoria especializada IDC, por sua vez, diz que as vendas se aceleraram a partir de agosto e, até dezembro, terão sido comercializados 5,2 milhões de PCs no país, dos quais 2 milhões para famílias.

No auge da crise política, em setembro, a pesquisa CNT/Sensus detectou que esse mês era considerado bom momento para a aquisição de bens duráveis por 15,4% dos entrevistados e, para comprar carro, por outros 6,9%. Não à toa, na metade do ano a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) já quase dobrava sua estimativa de desempenho, apostando que, nas vendas internas, de quase 1,73 milhão de unidades, 2005 será o terceiro melhor ano de sua história (depois de 1996, com 1,73 milhão, e de 1997, com 1,94 milhão).

A projeção de aumento na fabricação de veículos (carros, ônibus e caminhões) saiu de 5,4% e foi a 11% para o ano inteiro, com produção de 2,45 milhões (2,210 milhões em 2004), razoavelmente próxima à da capacidade instalada nos tempos de glória, em meados da década de 1990, e que vai a 3 milhões de unidades.

Boa parte desse resultado decorre das exportações, claro, apesar dos estragos na rentabilidade provocados pelo dólar fraco. Mas a expectativa maior acaba se dirigindo ao mercado interno, onde a projeção é vender 5% mais que em 2004. Para 2006, a entidade espera que se repitam as taxas de crescimento deste ano, ainda que o histórico das vendas internas do setor não apresente evolução constante (ver matéria sobre o mercado de veículos nesta edição) e a trajetória de queda dos juros e o comportamento do dólar ainda sejam uma incógnita.

Há mais aviões de carreira nos céus do Brasil, e o brasileiro viajou mais em 2005, também. O Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) informa, com dados do Departamento de Aviação Civil (DAC), que aumentou em mais de 15% o número de passageiros transportados entre destinos nacionais, só entre janeiro e agosto, quando as rotas internacionais registravam crescimento de 10% na comparação desse período com o correspondente em 2004.

O entusiasmo do consumidor parece menor quando se trata das compras rotineiras. A Associação Brasileira de Supermercados tem expectativa de fechar este ano com apenas 2% a mais no faturamento do setor.

Mas o consumo foi 6% maior (alimentos, produtos de higiene e limpeza, bebidas) no primeiro semestre deste ano do que no anterior, segundo pesquisa da consultoria especializada ACNielsen. Não é muito, é verdade, mas é bem mais do que foi em anos anteriores: em 2004 só 1,4%, na comparação com 2003, e, nesse ano, menos ainda, 0,6%, sobre 2002.

Essa expansão de vendas não se refletiu, na mesma proporção, em faturamento maior para o comércio, por causa da baixa generalizada e acentuada de preços. A recuperação de receita e margem deve vir em 2006, segundo estudo da LatinPanel, também especializada em consumo.

O volume de vendas de produtos alimentícios, de limpeza e de higiene, bebidas e fumo cresceu, nos hipermercados e supermercados, diz o IBGE, influenciado pela estabilidade no nível de ocupação e pelo aumento no rendimento médio, apresentando alta de 3,36% entre janeiro e julho de 2005 e de 5,58% nos 12 meses encerrados em julho. Segundo Reinaldo Silva Pereira, do instituto, as vendas do setor chegaram a enfrentar até retração (-1,22%) em abril, mas voltaram a se ampliar a partir de maio, quando a inflação começou a ceder.

Meca do consumo, não faltou movimento em 2005 nos 240 shopping centers brasileiros (há mais duas dezenas em construção). No ano passado, o setor faturou R$ 36,6 bilhões, cerca de 18% do varejo nacional (sem veículos e combustíveis), informa a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), que calculou circulação média mensal de 185 milhões de pessoas, no ano passado - mais que o total da população brasileira, que no final de 2004 era de 180 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Em 2005, só em maio e junho as vendas do setor ficaram abaixo das do ano anterior, e a partir de julho o desempenho voltou a ser positivo.


Missão específica

Em setembro, um ano depois de os supermercadistas pedirem, o governo federal criou a Secretaria de Comércio e Serviços, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e encarregada de propor, elaborar e implementar políticas públicas para o desenvolvimento do comércio e serviços. Entra aí um pouco de tudo: combate à informalidade, medidas de simplificação, desburocratização e desregulamentação das atividades de comércio e serviços e melhoria da logística.

A secretaria terá fóruns de competitividade como os da indústria, para mapear e analisar os principais entraves em cada setor - além de funcionar como um canal de comunicação entre a iniciativa privada e o governo, para produzir análises gerenciais das informações disponibilizadas e orientar a adoção de políticas públicas, especialmente para micro e pequenas empresas, que predominam na área de comércio e serviços.

 

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