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“É preciso agir”

Fecomercio cria conselho para discutir e repensar o país


Reunião inaugural do Conselho de Planejamento Estratégico / Foto: Gabriel Cabral

Propor um pacto de gestão em prol do crescimento do Brasil, revisar a fundo as regras estabelecidas pela Constituição de 1988 e flexibilizar a legislação trabalhista. Enfim, planejar para transformar o país a partir de idéias construtivas. São essas as premissas do Conselho de Planejamento Estratégico, recém-criado pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), com o intuito de apresentar novos caminhos e levar à sociedade civil a discussão sobre a necessidade de estabelecer diretrizes rumo ao desenvolvimento sustentável.

Na primeira reunião do conselho, realizada em setembro, economistas e empresários mostraram ter ciência de que o grande desafio para o sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva será gerar um crescimento forte o suficiente para sustentar a economia ao longo dos próximos anos. E, para isso, defenderam um choque de gestão, somado a metas fiscais mais duras que permitam, inclusive, a redução da taxa de juros.

"O debate apresentou caminhos para a obtenção da prosperidade que o brasileiro sente que perdeu. E esse é apenas o passo inicial", afirmou o economista Paulo Rabello de Castro, presidente do conselho.

A Fecomercio acredita que o conselho, que não terá componentes fixos e promoverá reuniões periódicas, poderá vir a se transformar num foro, à disposição da sociedade, onde idéias construtivas possam ser debatidas. "A intenção desse grupo é contribuir para que se derrubem alguns mitos, como o do fatalismo do baixo crescimento", adiantou o presidente da Fecomercio, Abram Szajman.

"As diversas tentativas de estabilização feitas desde o Plano Cruzado, passando por todos os demais, estavam em contraposição às regras básicas do mercado, criando espaço político para um mutirão reformista", contextualizou Szajman. "Essas oportunidades foram perdidas, e o Brasil ficou atrasado em relação às demais economias emergentes do mundo", explicou ele, alertando para a necessidade de ação contra esse cenário.

Ainda no primeiro encontro do conselho, Castro apresentou a "Agenda da Transformação - Metas e Meios para o Alcance da Prosperidade". Dessa idéia inicial surgiu a discussão que levou à proposta do choque de gestão. Em comum, os trabalhos expostos por ele e pelo deputado Delfim Netto reforçaram a crítica à atual política econômica. Castro destaca, ainda, a necessidade de uma mudança radical urgente na gestão da dívida pública interna. Conforme ele explica, se esse nó crucial fosse desatado, haveria possibilidade de redução real das taxas de juros.

Nova Constituinte

Mesmo sem consenso geral, parte expressiva dos participantes da primeira reunião do conselho defendeu a criação de uma assembléia constituinte exclusiva para alterar artigos relacionados a previdência, tributação e pacto federativo. E a justificativa para essa posição foi dada pelo convidado especial, Delfim Netto: "Os últimos dez anos da economia brasileira foram um verdadeiro pesadelo. O crescimento anual per capita do PIB foi de apenas 0,8%. Nesse ritmo ele dobrará apenas a cada 88 anos", afirmou.

Delfim defendeu a adoção de uma emenda constitucional para que a questão seja equacionada. "Para melhorar as coisas na Turquia, bastou um programa crível. Mas, quando o governo não tem credibilidade, é preciso uma emenda constitucional, o que não é tão seguro, mas é o mais seguro", disse.

De acordo com o secretário do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais do Rio Grande do Sul, Luis Roberto Ponte, a eleição de deputados constituintes deveria ocorrer já no ano que vem, com a condição de que esses parlamentares trabalhassem exclusivamente para pôr em prática a revisão constitucional e atuassem de forma independente dos demais membros do Congresso. Ele destacou, também, a importância do ajuste fiscal: "A sociedade não tem se mobilizado quanto à redução das despesas".

A esse respeito, o especialista em contas públicas Raul Velloso acrescentou que o espaço para que o governo realize o superávit primário está acabando. "Não é possível elevar a receita com carga tributária, os gastos obrigatórios já subiram ao limite, e os não-obrigatórios, que incluem os investimentos, estão no fundo do poço." Velloso classificou o esforço fiscal feito pelos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso como a "saga do superávit envergonhado". Isso porque é sempre maior do que o percentual que está estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias, porém não derruba as taxas de juros.

Embora tenha afirmado concordar com a proposta de Delfim Netto, o diretor de Assuntos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Paulo Mansur Levy, considerou justo o temor do governo de retorno da inflação. "De qualquer forma, existe espaço para que haja aperto fiscal", disse.

No contraponto, o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luiz Carlos Mendonça de Barros criticou o conservadorismo do governo e, em especial, dos dirigentes do Banco Central (BC), que impede o país de crescer em níveis superiores aos que têm sido apurados. Mas também não poupou o governo de Fernando Henrique, do qual fez parte. "O grande erro recorrente nos últimos dez anos é não aproveitar as oportunidades. Quando há 70% de condições favoráveis ao crescimento, os outros 30% se obtêm durante a expansão", afirmou.

Ele avaliou que a estabilidade de preços já foi conquistada pelo Brasil e que, por isso, os economistas têm de pensar em novos desafios. "Diria que o Plano Real acabou, mas falam que essa é uma expressão muito forte. Então, digo que ele terminou porque conseguiu seu objetivo principal, que era a estabilidade."

Com a consolidação da estabilidade e o cenário macroeconômico que se projeta para 2006, Mendonça de Barros também defendeu uma mudança mais explícita da política econômica. "Se olharmos os fundamentos, veremos que, se nenhuma catástrofe política ou externa acontecer, o próximo presidente vai ser eleito em situação econômica extraordinária", ponderou.

Emprego para os jovens

Para as próximas reuniões, está pautada, por exemplo, a discussão acerca do desafio de criar condições para que os jovens brasileiros tenham emprego, o que remete à necessidade de atualizar as leis trabalhistas, que datam de 1943. Sobre esse tema, Castro explica que hoje "a multiplicidade de ‘missões’ impostas ao vínculo empregatício acaba por torná-lo mais pesado sob a ótica do empregador". Por isso, ele acredita que combater o trabalho informal nos dias atuais, sem dar espaço ao crescimento da formalidade, seja o mesmo que "tentar debelar os efeitos de uma doença sem combater suas causas".

"O desemprego só poderá ser evitado - ou ao menos reduzido - por intenso treinamento. De modo que transformar a mão-de-obra em capital humano - com a incorporação de conhecimentos gerais e profissionais pelo cidadão-trabalhador, por meio de sua crescente preparação técnica - será o maior desafio do século 21", afirmou Castro.

Ao término da reunião, o economista fez questão de ressaltar: "Com essa iniciativa, a Fecomercio faz coro com outras entidades e demonstra disposição de apresentar um caminho pragmático para discutir uma rota de crescimento sustentado. A sensação de perda de tempo do povo brasileiro é dramática. Não estamos aqui para discutir incertezas. É preciso agir". Ao instalar o conselho, ele adiantou ainda que a entidade convidará, no próximo ano, todos os candidatos à presidência da República para apresentar e debater seus programas econômicos para 2007.

 

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