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Conquista histórica

Bairro paulistano mobiliza comunidade e reduz números da violência

MAURÍCIO MONTEIRO FILHO


Jardim Ângela: menos homicídios, mas a mesma miséria / Foto: Maurício Monteiro Filho

Depois de ser considerado, em 1996, a região mais violenta do planeta pela Organização das Nações Unidas (ONU), o distrito de Jardim Ângela, na zona sul da capital paulista, com seus mais de 250 mil habitantes, celebra uma conquista histórica. Segundo um levantamento da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), publicado em julho deste ano, entre 2000 e 2004, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu mais de 45%, de 118,31 para 64,5 (em números absolutos, 290 mortes em 2000 para 172 em 2004).

A redução supera em muito a verificada no estado no mesmo período. De acordo com o Mapa da Violência de São Paulo, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e publicado em maio deste ano, a queda dos índices em São Paulo foi de apenas 15%.

Na época do infeliz recorde constatado pela ONU, o Jardim Ângela chegou a superar os índices de cidades como Cali, na Colômbia, que atravessava um dos piores períodos da guerra do narcotráfico. Hoje, passou a ser o quarto distrito mais violento da capital. Acima dele, estão Brás, Grajaú e Parelheiros.

Entre as explicações para essa queda estão, certamente, maiores investimentos públicos em serviços básicos e policiamento mais preparado e consciente. Mas, sem dúvida, a maior contribuição vem do poder de mobilização da própria comunidade. Apesar da considerável diminuição dos homicídios, a população amarga, no entanto, as mesmas condições de miséria, desemprego e privação de direitos.

Números violentos

Para o padre Jaime Crowe, da Paróquia Santos Mártires, um verdadeiro centro de referência para projetos sociais no Jardim Ângela, antes de falar em redução da violência, é preciso atentar para suas causas. Segundo ele, a raiz dos conflitos está na própria história da ocupação do distrito. "A região foi um dos locais onde se estabeleceu a mão-de-obra barata para as fábricas das imediações da marginal do rio Pinheiros", explica. "Com a saída desses empreendimentos da área, o número de desempregados aumentou muito." Em conseqüência, no começo da década de 80, surgiu uma onda inicial de violência, marcada pelos confrontos entre a polícia e a população desocupada.

Dali em diante, a escalada de crimes, majoritariamente assassinatos, foi crescendo, em especial com a intensificação do tráfico de drogas. De acordo com dados da Fundação Seade, em 1996 a taxa de homicídios por 100 mil habitantes foi de quase 98, totalizando 209 casos. Esse número, no entanto, ainda ficou distante do maior índice já registrado, de 123, em 2001, correspondente a 309 ocorrências. Essas estatísticas tornam-se mais aterradoras se considerada a parcela da população mais vulnerável a esse tipo de crime: jovens do sexo masculino de 15 a 19 anos.

Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), coordena o projeto NEV Cidadão, que trabalha com jovens da comunidade. O objetivo é divulgar, através de um site na Internet e de spots de rádio, veiculados nas emissoras da região, a questão do acesso aos direitos humanos. Ele é categórico ao explicar os índices de violência no Jardim Ângela. "O crime ocorre onde há maior privação de serviços básicos, como água, luz, iluminação pública e ruas calçadas." A tese do pesquisador é bastante plausível se forem considerados alguns indicadores sociais do distrito. Para se ter uma idéia, em 2000, ainda segundo a Fundação Seade, mais de 19% dos responsáveis por domicílios não possuíam nenhum rendimento.

Outro indicador que revela a péssima qualidade de vida na região é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) - que combina renda per capita, expectativa de vida e acesso à educação - do distrito. Enquanto o Brasil ocupa a 63ª posição entre 177 países, com um IDH de 0,792, o valor para o Jardim Ângela, isoladamente, é de 0,402. Esse dado aproxima a área das condições de nações como a Tanzânia, 164ª no ranking da ONU.

Passos, não grades

Léa Novaes coordena o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) no distrito. Segundo ela, a função da entidade é atentar para o desenvolvimento de políticas específicas para esse público e trabalhar na prevenção de crimes contra crianças e adolescentes.

Criado quatro anos atrás para cuidar de cem casos por mês, recebe atualmente entre 350 e 400, a maioria de violência doméstica e abuso sexual. Pelo fato de a região não contar com uma rede de atendimento para esse tipo de ocorrência, o centro, que deveria apenas fazer a triagem de crianças e adolescentes e encaminhá-los para instituições competentes, acaba realizando também o tratamento. Entre os serviços prestados estão suporte psicológico e assistência social. Além disso, a equipe do Cedeca promove oficinas nas escolas para capacitar educadores a prevenir esse tipo de agressão.

Em sua experiência na entidade, Léa constatou que a quebra de vínculos familiares tem ocorrido cada vez mais cedo. "Hoje, há crianças de 9 anos fugindo de casa", diz ela.

Triste coincidência, foi há exatos nove anos que o Jardim Ângela ganhou as manchetes mundiais. Mas foi justamente a partir dessa época que a comunidade decidiu se mobilizar para combater esse quadro.

"Começamos a tomar vergonha", declara Crowe. Por meio de uma articulação promovida pelo padre, algumas entidades se reuniram ainda em 1996 para refletir sobre propostas de combate às altíssimas taxas de assassinatos. Com isso, em agosto daquele ano, surgiu o Fórum Social pela Defesa da Vida e Superação da Violência. "A princípio, a solução do problema significava construir grades mais fortes e muros mais altos", diz ele. Contrapondo-se a essa filosofia, as atividades da entidade se iniciaram com uma caminhada pela paz, que contou com a participação de 5 mil pessoas.

Hoje, o fórum tem reuniões mensais, e a cada encontro comparecem em média de 50 a 60 pessoas, entre representantes de associações de bairro, diretores de escolas, delegados de polícia e, eventualmente, subprefeitos. A primeira grande iniciativa do fórum foi lutar pela implantação do policiamento comunitário na região. "Queríamos policiais que tivessem nome", conta o padre. O resultado foi a criação de duas bases, em 1998 e 1999.

A união de esforços de diferentes setores da comunidade resultou também num diagnóstico das causas da violência. A partir desse levantamento, constatou-se que cerca de 80% dos crimes estavam relacionados, direta ou indiretamente, às drogas. Com isso, foi implantada na região, em parceria com a Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), uma Unidade Comunitária de Álcool e Drogas (Ucad) para auxiliar no tratamento e na prevenção da dependência química. A ação foi fundamental, já que uma pesquisa realizada em 1999 indicou que havia um bar para cada dez moradores do Jardim Ângela.

Por isso, na sua décima caminhada, marcada para 2 de novembro deste ano, a entidade terá muito a comemorar em comparação à época em que, todas as noites, os pontos de ônibus viviam lotados de pais, à espera do retorno dos filhos da escola ou do trabalho, para garantir que eles chegassem em casa em segurança.

Apesar de as taxas de homicídios no Jardim Ângela permanecerem altas - são quase o dobro da média do estado, de 35,9 para 100 mil habitantes -, as iniciativas originadas no fórum mostraram que a mobilização comunitária foi responsável por uma evolução considerável do quadro. Prova disso é que, até o final de setembro, segundo a PM, o distrito ficou 76 dias sem homicídios. O que é uma grande conquista para uma região que já conviveu com uma média de oito por noite, no início da década de 1990.

Fórmula da mudança

Daniel Calazans e Eliomar Pereira, o Mazinho, são moradores do Jardim Nakamura, mais um entre as centenas de áridos jardins que compõem a constelação do Jardim Ângela. No caso deles, o hip hop venceu a batalha contra o tráfico. "Caretas" convictos, fazem parte da banda Família NK, referência ao bairro onde moram.

Um computador, um aparelho de som e a vontade de transformar o local onde vivem é tudo de que precisam para compor "um hip hop que agrada a gregos e troianos", segundo eles. "Mostramos a violência, mas também o lado bom da comunidade", explica Daniel. Num estúdio improvisado na casa de Mazinho, gravaram e produziram boa parte das músicas que farão parte de seu primeiro álbum, quase terminado.

São jovens - Daniel tem 23 anos e Mazinho, 27 - que se preocupam com outros que, como eles, viveram a falta de opção da adolescência na periferia de São Paulo. "Cantando, nosso objetivo é acrescentar pra molecada", diz Mazinho. "Aqui, a gente não tem em quem se espelhar. Com a Família NK, queremos fazer com que a galera tenha até orgulho de morar no Jardim Ângela", emenda Daniel.

Falando sobre os dados mais otimistas quanto à violência na área, Paula Miraglia, doutoranda em antropologia pela USP, explica que "ainda é cedo para perceber mudanças no cotidiano. Mas o fato de a região ocupar as manchetes por bons motivos gera um impacto positivo". Segundo ela, a evolução se deve a uma interação de três fatores. "A fórmula foi a combinação de políticas públicas - estaduais e municipais - mais eficazes, com a presença do terceiro setor e uma maior mobilização comunitária", afirma.

Somados a isso, não se podem esquecer as campanhas pelo desarmamento, a chamada lei seca, que obriga ao fechamento dos bares às 23 horas, e o programa Escola da Família, que determina a abertura de milhares de escolas públicas nos fins de semana. Segundo o Mapa da Violência de São Paulo, isso explica, também, a evolução dos índices do estado de maneira geral, o que comprova, mais uma vez, que a particularidade que justifica um desempenho melhor do Jardim Ângela em relação a outras áreas é a articulação da comunidade no combate à violência.

Uma das iniciativas que melhor simboliza esse fato é o projeto Redescobrindo o Adolescente na Comunidade (RAC), que atende jovens que tenham cometido infrações e cumpram medidas socioeducativas, ou que estejam em situação de vulnerabilidade, isto é, convivam de perto com miséria e criminalidade graves. As atividades começaram em 1997, com um curso de DJ para 25 adolescentes, dos quais quatro estavam em liberdade assistida, por terem cometido delitos. Devido ao sucesso inicial, uma parceria entre a Paróquia Santos Mártires, a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do município e a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) expandiu o público para cem adolescentes.

Atualmente, a entidade conta também com algumas parcerias privadas e atende mais de 300 jovens em suas oficinas de hip hop e cursos profissionalizantes, como de cabeleireiro e montagem de computadores. Mas, segundo Sérgio Bosco, coordenador pedagógico do RAC, "o foco não são os cursos, e, sim, o desenvolvimento de potenciais. Em 1996, não havia na comunidade nenhuma alternativa para esse público. Por isso, mais do que profissionalização, oferecemos perspectivas de vida", explica ele.

A principal virtude do RAC, que no início do ano chegou até a publicar um livro sobre a experiência, é demonstrar que é muito mais viável investir em prevenção da violência do que em repressão. "Aqui, um adolescente custa entre R$ 300 e R$ 320 por mês. Na Febem, esse valor é de R$ 1,2 mil, oficialmente", declara Bosco.

Rap na porta da PM

Na época do auge da violência, a área de atuação das delegacias do Jardim São Luís, do Capão Redondo e do Jardim Ângela ficou conhecida como "triângulo da morte". E a denominação era válida tanto do ponto de vista dos policiais, pelo número de crimes, como da população, pela alta incidência de abusos por parte da polícia. Por isso, a mudança de atitude do policiamento local também foi importante no basta que o distrito deu à violência, segundo a maioria dos movimentos sociais.

De acordo com o tenente Cássio Novaes, do Batalhão da Polícia Militar responsável pela área, no início da década de 90, havia apenas oito viaturas e cerca de 135 policiais para uma população de mais de 200 mil pessoas. Atualmente, o quadro mudou bastante: são 710 agentes, 62 viaturas e mais 12 motos. Mas apenas o maior volume de investimentos em segurança na região não é suficiente para explicar a melhora, uma vez que o aumento do orçamento para essa finalidade ocorreu em todo o estado. Segundo o Mapa da Violência de São Paulo, entre 1998 e 2004 o incremento das verbas destinadas à Secretaria de Estado de Segurança Pública foi de 150%.

Mais importante que o maior aporte de recursos foi a mudança de filosofia da corporação. "O policiamento tradicional, diferente do comunitário, não cria laços com a comunidade", explica o tenente Novaes. Essa alteração teve início em dezembro de 1998, com a inauguração da Base Comunitária do Jardim Ângela, no centro do distrito. Desde então, verificou-se uma redução não apenas dos homicídios, mas também de outros crimes, como roubo e furto, que caíram cerca de 50%. Os flagrantes de tráfico de drogas também cederam. Hoje, a média mensal desse tipo de ocorrência é de 15 casos.

"Quando vim trabalhar aqui, foi um choque, mas a situação melhorou muito", garante o sargento Creomar Souza. "Criamos uma polícia comunitária inspirada nos moldes japoneses, pioneira no estado", afirma Souza, que atua na base há três anos. Para confirmar sua opinião, o sargento realizou um levantamento de dados na própria PM. Constatou que, num raio de um quilômetro em torno da base, área que abriga cerca de 80 mil pessoas, houve 98 homicídios no ano da inauguração do posto. Em 2004, o número caiu para 36.

Hoje, a PM, por intermédio de sua base comunitária, organiza cinco eventos anuais, com o intuito de se aproximar da comunidade. O maior deles é a Corrida pela Paz, que mobiliza atletas de todo o estado. "Partimos do seguinte raciocínio: se o fórum pode andar, por que não podemos correr?", brinca o sargento Souza, aludindo à caminhada criada pela organização coordenada pelo padre Crowe. No ano passado, mais de mil atletas se inscreveram, mediante doações de alimentos que totalizaram 3 toneladas e foram distribuídos entre entidades carentes. Além disso, em frente à base, foi construído um palco, onde acontecem shows musicais nos fins de semana. "Quem poderia imaginar um show de rap na porta da PM?", diverte-se ele.

Mas o sargento reconhece que, mais do que fruto de iniciativas isoladas, a redução da violência no distrito foi um esforço coletivo. "Não foi só devido à atuação da polícia comunitária. As organizações não-governamentais (ONGs) e o fórum contribuíram muito."

Que redução?

Do alto do Cemitério São Luís, até onde o olhar alcança, o panorama é uma massa homogênea de barracos e moradias precárias: é a região pobre da zona sul da cidade de São Paulo em todo o seu abandono. Olhando das casas, a vista é diferente: uma infinidade de lápides. Lado a lado, túmulos e favelas parecem compor uma equação que a história teima em confirmar.

Esse é o trajeto que Luís Campos percorre há dez anos. Morador do Capão Redondo, ele é coveiro e jardineiro do São Luís, destino de grande parte dos que morrem no vizinho Jardim Ângela. "Aqui, a gente trabalha sob tensão, a todo minuto esperando que aconteça alguma coisa, principalmente porque a maioria dos enterros é de gente que foi assassinada", conta. Segundo ele, antes da instalação de uma base da Guarda Civil Metropolitana na entrada do cemitério, ocorreram casos de acerto de contas entre facções rivais durante os próprios funerais.

Apesar disso, ele diz se sentir mais tranqüilo, devido ao policiamento mais atuante. "Mas, quando cai a noite, os problemas voltam", afirma. Enquanto abre uma nova quadra de covas, para garantir espaço para a média de 20 a 25 enterros por dia do cemitério, Campos desconfia das pesquisas que dizem que a violência diminuiu na região. "Continua a mesma coisa", garante.

Apesar de não ser possível afirmar categoricamente que a causa da violência é a pobreza - e vice-versa -, é fato que ambas caminham muito próximas. E, segundo um consenso entre os movimentos sociais que atuam na região, se a queda da violência é motivo de comemoração, é também de incerteza, já que o rol de carências do Jardim Ângela permanece o mesmo. "Estamos felizes com a melhora dos índices, mas preocupados com até quando essa situação vai durar. As drogas e o desemprego continuam, e nossa situação de abandono ainda é muito grande", lamenta o padre Crowe.

Essa é também a opinião de Sérgio Bosco, do RAC. "A redução da violência deve se manter, mas as causas persistem." Para ele, existe a "periferia da periferia", onde a situação é ainda pior. "No projeto, recebemos mais casos do ‘fundão’ do que do centro do Jardim Ângela", constata. "O que continua fazendo falta lá [nas regiões mais distantes do centro do distrito] é o que faz a diferença aqui: maior presença do estado, mais investimento social e em infra-estrutura", finaliza.

Talvez o maior exemplo do abandono a que se referem Bosco e o padre Crowe esteja na possibilidade de que o Centro Utilitário de Intervenção e Apoio aos Filhos de Dependentes Químicos (Cuida) feche suas portas. Inaugurado em 2001, com auxílio de fundos do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), o projeto atende crianças e jovens de até 18 anos que convivam com problemas de dependência química na família. "São casos de depressão, ansiedade e auto-estima muito baixa", diz Neliana Buzi, psicóloga e coordenadora do Cuida. "Recebemos um menino de 5 anos cujos pais eram alcoólatras. Ele tinha uma irmã de 1 ano, e era obrigado a fazer arroz e feijão, ou ela não teria o que comer. Por conta disso, estava sempre queimado, o que nos fazia pensar que era agredido", conta Neliana.

Hoje, o projeto presta atendimento psicológico, psiquiátrico e assistência social a 112 jovens e mais 49 adultos, familiares dos dependentes químicos. E tem apresentado resultados. Uma avaliação realizada pela equipe constatou que o nível de satisfação com a vida era de 54% para as crianças e pré-adolescentes que já vinham recebendo auxílio do Cuida há algum tempo, contra 33% daqueles recém-chegados.

Entretanto, desde agosto deste ano, o projeto depende de doações da Paróquia Santos Mártires, já que a verba do CMDCA foi cortada, sob alegação de que não há uma portaria que garanta financiamento ao Cuida. A justificativa apenas confirma o que diz Neliana: "Não existe política municipal relativa a álcool e drogas voltada para crianças e adolescentes". Para piorar, o projeto tem muita dificuldade de conseguir verba da iniciativa privada. "As pessoas acham que não vale a pena dar dinheiro para filhos de dependentes químicos, pois acreditam que eles também se tornarão viciados", critica ela. O custo total de manutenção do Cuida por mês é de R$ 18 mil.

O Lado B da Comunidade

Ao contrário de Daniel e Mazinho, da Família NK, o tráfico ganhou a batalha contra Jonathan e Bruno. Por sorte, não foi uma vitória definitiva. Ambos foram presos por crimes relacionados às drogas. Jonathan, apelidado de Carabina, trabalhava numa "boca". Bruno era responsável pelo "157", código para assalto à mão armada, que reforçava o caixa do tráfico.

"A gente não tem mordomia como na cidade. Da ponte pra cá, são outros quinhentos", diz Bruno. "No meu tempo de criança, nem tinha onde brincar", complementa Jonathan. Assim, pela velha rota da falta de opção, o tráfico acaba se tornando uma alternativa.

Em 2001, Bruno ficou um mês preso, após ter sido pego na fuga de um assalto a banco. "Bateram tanto em mim, que até o legista se assustou no exame de corpo de delito", recorda. Jonathan foi delatado e pegou nove dias de internação na Febem. "Lá dentro, você tem de ficar na sua, não deve arrumar confusão, mas também não pode baixar a cabeça", conta.

Ambos se encontraram no projeto RAC, após conseguirem liberdade assistida. Lá, perceberam a falta de perspectiva da vida de traficante. "Isso não é pra mim. Ver a própria mãe chorando no fórum é muito sofrimento", garante Bruno. E completa: "O tráfico é como uma torre. Quem está lá em cima, está legal. Quem está embaixo, fica no veneno".

Por meio do projeto, constataram que poderiam fazer parte do processo de reabilitação por que passava todo o Jardim Ângela. "Antes, eu só conhecia o lado da violência. O RAC foi como um espelho, onde pude me olhar e chegar à conclusão de que posso mudar e conseguir algo melhor", relata Bruno.

Além de terem tomado contato com o hip hop, que hoje praticam através das letras das músicas, da dança e do grafite, fizeram uma oficina de cinema, na qual produziram um vídeo de curta-metragem chamado O Lado B da Comunidade, que retrata a face do Jardim Ângela que não precisa ter vergonha de se mostrar.

 

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