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Contra-ataque aos piratas

Vendas e downloads ilegais trazem prejuízo para gravadoras e autores

OSWALDO RIBAS

Nunca se gravou e ouviu tanta música no Brasil. São centenas de lançamentos de todos os ritmos e tendências, do popular ao clássico, e estima-se que mais de 50 milhões de unidades, entre compact discs (CDs) e digital video discs (DVDs), chegaram a ser vendidas em lojas durante 2006. Mas, ironicamente, por trás desses números vigorosos esconde-se uma outra realidade: a indústria fonográfica nacional está fraquejando e vem apresentando sinais de forte retração.

De acordo com os dados consolidados da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), as vendas do setor fonográfico têm contabilizado nos últimos anos queda de cerca de 20% por exercício. Segundo o balanço mais recente, essa tendência persistiu no primeiro semestre de 2006, quando a comercialização de CDs voltou a apresentar decréscimo, desta vez da ordem de 16,65%, na comparação com o mesmo período de 2005.

Para se ter uma idéia melhor do que está acontecendo, no entanto, é preciso ir um pouco mais para trás. Ao observar dados do ano 2000, também da ABPD, podemos ver que o setor como um todo encolheu pela metade no curto período de seis anos. Na virada da década, quando, comparativamente, o preço do CD para o consumidor era mais elevado, a indústria chegava a comercializar cerca de 100 milhões de unidades, e conglomerados de gravadoras multinacionais como EMI, Universal, Sony BMG e Warner, bem como as nacionais independentes, como Biscoito Fino, Deckdisc, Kuarup Discos e Trama, estavam a todo o vapor.

Mas, se nunca se ouviu tanta música como agora, o que explica essa queda geral de vendas? Resposta: novas tecnologias e, principalmente, a pirataria. Essas são as razões da retração da indústria fonográfica. De um lado, a ebulição das músicas baixadas livremente em computador, que dispensam o formato físico dos CDs, e, de outro, a explosão da pirataria, para uso comercial ou pessoal, estão drenando a indústria não só no Brasil, mas no mundo todo. De 2000 a 2004, cerca de 60 mil empregos no setor simplesmente evaporaram.

"A indústria fonográfica e os hábitos de consumo de música estão em fase de transição em escala global", afirma Paulo Rosa, diretor-geral da ABPD. Segundo ele, o fato de estar ocorrendo um aumento significativo nas vendas de aparelhos de MP3 (os tocadores portáteis de música carregados nos computadores) e também no número de usuários de internet por banda larga "favorece em muito os downloads ilegais de conteúdo protegido por direito autoral". Em tom dramático, ele adverte: "Continua alarmante a oferta de CDs e DVDs piratas em todas as regiões do Brasil e, claro, não podemos ficar de braços cruzados".

Para se ter noção do que representam as novas tecnologias nesse novo cenário da indústria musical, em 2005, só no Brasil, foram baixadas livremente via internet, ou seja, sem nenhum tipo de remuneração às gravadoras e aos artistas, cerca de 1 bilhão de músicas online. Aproximadamente 3 milhões de brasileiros utilizaram-se do expediente, quer disponibilizando os arquivos na rede, quer acessando-os para conseguir gratuitamente diversos acervos musicais, populares ou clássicos, nacionais ou internacionais. Os domicílios residenciais respondem por 56% das práticas ilegais, seguidos pelos cybercafes e lan houses (estabelecimentos comerciais nos quais os freqüentadores alugam acesso à internet por hora), com fatia de 24%; locais de trabalho e instituições de ensino respondem pelos restantes 20%.

Uma pesquisa inédita realizada pela empresa de marketing Ipsos Insight constatou que a grande maioria das músicas baixadas na internet, no Brasil, é proveniente de redes de compartilhamento de arquivos (chamadas peer to peer, ou P2P). "Se esses downloads fossem feitos de forma legalizada, o setor teria arrecadado acima de R$ 2 bilhões, ou seja, três vezes mais do que o montante faturado pelo mercado oficial no ano passado com a venda de CDs e DVDs originais, que foi de R$ 615,2 milhões", comenta Rosa, da ABPD, fornecendo valores objetivos da perda causada à indústria. "Os prejuízos do setor fonográfico como um todo, incluindo gravadoras, artistas, compositores e músicos, são estarrecedores", acrescenta.

Quanto aos gêneros musicais mais procurados pelos brasileiros na rede mundial de computadores e, conseqüentemente, mais prejudicados, o rock internacional e nacional aparece no topo da lista, com 51%, seguido pelas canções de MPB. Também têm destaque na preferência do público os gêneros pop internacional; samba/pagode; axé music; música regional/forró; sertanejo e música clássica. A Ipsos apresentou ainda na pesquisa o perfil dos usuários de internet que baixam músicas gratuitamente através da rede: ele é predominantemente jovem, do sexo masculino, na faixa etária entre 15 e 34 anos.

No outro front das cópias ilegais, estima-se que as vendas de CDs e DVDs pirateados, só no Brasil, alcancem anualmente 50 milhões de unidades, rivalizando com as da indústria formal. De janeiro a novembro de 2006 foram apreendidos cerca de 26 milhões de produtos fonográficos pirateados, "o que dá uma mostra da magnitude do problema para o setor", revela pesquisa efetuada pela Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais (Socinpro). Dados da Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF) mostram que, por conta das apreensões, mais de 1,5 mil pessoas foram indiciadas por crime de violação ao direito autoral. Para conter essa onda, a indústria fonográfica iniciou no fim do ano uma série de ações que fazem parte de uma campanha nacional de conscientização quanto aos riscos de baixar e disponibilizar músicas na internet sem a autorização dos titulares dos direitos autorais.

Essa campanha sobre o uso seguro da internet para a aquisição de músicas e outros arquivos protegidos por direito autoral contempla quatro ações: 1) a apresentação de mensagens instantâneas nos computadores dos usuários dos programas de P2P no momento em que estejam baixando músicas de forma ilegal (ver texto do "Aviso" abaixo); 2) o estímulo à utilização do programa DFC (Digital File Check), desenvolvido pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), que evita a troca ilícita de arquivos na internet; 3) a distribuição em todo o Brasil de um folder de quatro páginas para as 500 maiores empresas do país, instituições de ensino superior e cybercafes e lan houses das principais cidades, com o intuito de informar o caráter criminoso da troca de arquivos protegidos por direito autoral e, 4) a publicação de um guia para os pais sobre compartilhamento de arquivos: são dez páginas com orientações e informações sobre o uso dos computadores domésticos por jovens e crianças.

Esse guia, desenvolvido pela IFPI em parceria com a organização sem fins lucrativos Childnet International, além de alertar sobre riscos jurídicos e a possível imputação legal do responsável pelo acesso à internet, informa sobre outros perigos, como invasão de privacidade e contaminação do computador doméstico por vírus.

"As pessoas deveriam entender que podem ser pegas em qualquer rede que estejam usando", revelou o presidente da IFPI, John Kennedy, em recente visita ao Brasil exatamente para lançar o programa de prevenção antipirataria. "Já que a venda de música caiu ao mesmo tempo em que o compartilhamento de arquivos explodiu, me parece lógico que pelo menos uma parte dessa perda de faturamento se deva aos downloads ilegais", disse.

Polêmica

A questão do uso legal ou ilegal da internet para arquivar músicas, além de fundamental para garantir o futuro da indústria fonográfica, assume, paralelamente, status dos mais polêmicos em vários foros de discussão da sociedade civil. Durante a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, realizada recentemente em Brasília, o debate sobre a troca e a digitalização de arquivos pela internet ganhou extraordinária projeção com a divulgação de manifesto favorável à transferência de conteúdo pela rede mundial de computadores, por parte de representantes da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e de organizações não-governamentais.

A preocupação do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da FGV está mais voltada para a descriminalização da atividade e a adequação do conceito de propriedade intelectual às novas mídias. Professor do CTS e coordenador do projeto Acesso ao Conhecimento (A2K, do inglês Access to Knowledge), que atua no credenciamento de documentos e informações na rede, Pedro Paranaguá ressalta não ser a favor da pirataria, mas defende que o preço do download seja compatível com a renda da população brasileira. "Se a própria indústria passasse a cobrar uma taxa mensal viável para que os usuários baixassem músicas de forma legal, certamente o comércio ilegal seria reduzido", opina o professor. O CTS da FGV administra, no Brasil, o projeto Creative Commons, criado pelo professor Lawrence Lessig, da Universidade de Stanford. O Creative Commons tem por objetivo expandir o acervo disponível ao público, de modo a permitir, por meio de licenças jurídicas, a elaboração de novas obras a partir do material baixado da internet. O CTS trabalhou ativamente na adaptação das licenças do Creative Commons para o ordenamento jurídico brasileiro.

Até profissionais da música cuja atividade é afetada pelos downloads reconhecem a necessidade de adequação da indústria e das leis aos novos modelos. O músico Fernando Brant, presidente da União Brasileira de Compositores e conhecido na cena musical brasileira por suas parcerias com Milton Nascimento e o chamado grupo mineiro da MPB, diz que o uso da internet para baixar músicas não deve ser encarado como crime. "Desde que os direitos sejam de alguma forma repassados aos autores, não vejo problemas", afirma.

Segundo ele, em tempos de transição, é necessário que as gravadoras e as entidades que apóiam o livre direito de acesso cheguem a um equilíbrio. "Os downloads gratuitos certamente não podem continuar", afirma Brant, defendendo campanhas de informação para os usuários, criação de mecanismos de controle menos policialescos e formas de cobrança automática. Ele cita a elaboração, por parte das gravadoras, de uma marca-d’água digital para monitorar quem baixa canções pelo computador.

Superintendente executiva do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que controla a receita de direitos autorais na indústria musical no Brasil, a advogada Glória Braga afirma que nessa discussão toda não se pode perder de vista o fato de as obras intelectuais, e no caso as músicas, serem protegidas pelas legislações do mundo todo e consideradas bens integrantes do patrimônio privado de seus criadores. "Os autores exercem esses direitos de forma exclusiva, durante o prazo de proteção de suas criações, as quais não podem ser utilizadas sem autorização, salvo poucas exceções contempladas na legislação autoral", afirma Glória.

Como poderão, então, conviver no mundo digital criadores e cidadãos sedentos de acesso aos bens intelectuais, que podem se valer das mais variadas formas de acesso via internet? "Como sempre conviveram", responde Glória, "respeitando regras criadas para disciplinar a utilização de obras protegidas: afinal, as leis de direitos autorais são elaboradas com essa finalidade."

Mais incisivo, o diretor da Associação de Defesa da Propriedade Intelectual (Adepi), Carlos Alberto de Camargo, protesta contra a impunidade no Brasil. "Em andamento", afirma ele, "há centenas de processos criminais por pirataria de audiovisual e, até agora, quem foi preso?" Em sua opinião, é preciso que o Estado demonstre maior agilidade e estabeleça penas exemplares, para mostrar à sociedade em geral que a prática da pirataria é um crime como qualquer outro.

Já o secretário executivo do Ministério da Justiça e presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), Luiz Paulo Barreto, falou recentemente à imprensa sobre as medidas que estão sendo tomadas contra a pirataria. "O conselho possui três linhas de ação: a de repressão, que envolve a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Receita Federal; a de educação, que prevê a conscientização do consumidor sobre os malefícios da pirataria; e a econômica, em que se busca, com as indústrias, formas de reduzir a diferença de preço entre o produto original e o pirata." Essa questão, diga-se de passagem, segundo os observadores, é a mais contundente. Se os preços praticados pela indústria fossem mais justos, certamente os consumidores prefeririam obter seus produtos de forma legal, podendo assim evitar complicações com a Justiça e ao mesmo tempo assegurar-se da qualidade do produto, algo impossível quando se trata de falsificações.

Nova era

Como destaca a especialista Glória Braga, a história da humanidade é marcada pelo descompasso entre a evolução social e a proteção legal. "As leis caminham sempre atrás dos fatos e das mudanças ocorridas nas mais diversas sociedades", diz ela, reconhecendo que, de fato, estamos numa fase transitória de mídias. Assim como no final dos anos 1980 e início dos 90 os consumidores presenciaram o fim do disco de vinil, que cedeu lugar ao CD, hoje, menos de 20 anos depois, o que estamos vendo é a substituição do CD como principal veículo de difusão musical pelos aparelhos de MP3 e iPods, que dominam o mercado de música digitalizada, e pela música ouvida por telefonia celular, aparentemente o novo grande filão.

Para acompanhar as mudanças, evitar a pirataria e recuperar receitas, as gravadoras, no Brasil e no mundo, estão se adaptando às novas tecnologias e, elas próprias, se unindo e criando sites de distribuição pela rede mundial. "O mercado de música pela internet no Brasil, seguindo tendências de países mais desenvolvidos, dá claros sinais de crescimento em 2006 e 2007, com o expressivo aumento de repertório disponível para download legítimo, através de websites como o iMusica e seus parceiros (MSN Music, Yahoo! Music, Americanas.com), bem como com a entrada em operação das lojas virtuais dos portais UOL e Terra", afirma Rosa, da ABPD. Para ele, "essa é uma estratégia importante que a indústria fonográfica brasileira está começando a incorporar".

Para comprovar essa tendência, dados disponíveis da IFPI indicam que a receita das gravadoras referente a vendas digitais vem apresentando expressivo crescimento no mundo – saltaram de US$ 380 milhões em 2004 para US$ 1,1 bilhão em 2005 e devem encerrar 2006 com pelo menos o dobro desse valor. A quantidade total de faixas digitais unitárias (ou singles) baixadas online ou para telefones celulares aumentou de 160 milhões em 2004 para 454 milhões em 2005. Essa, aliás, passou a ser a preferência dos consumidores: comprar ou alugar por música e não mais por disco.

Os Estados Unidos continuam sendo os líderes globais em termos de vendas de downloads, com cerca de 300 milhões de faixas adquiridas em 2005, mais que o dobro de 2004. De acordo com uma pesquisa da SoundScan, a tendência de crescimento continuou em 2006. E o que mais impressiona é que a base de dados começa do zero em 2003. A quantidade de usuários de serviços de assinatura, tais como Rhapsody e Napster, aumentou de 1,5 milhão para 2,8 milhões no mundo em 2005. Os catálogos de músicas online contam com mais de 2 milhões de faixas licenciadas nos principais serviços. As vendas de música para celular totalizaram US$ 211 milhões no Japão, ou seja, 96% das vendas digitais no mercado, durante os nove primeiros meses de 2005. Enquanto isso, no que pode ser a nova tendência mundial, a quantidade total de arquivos ilícitos baixou 20% em relação ao pico de 1,1 bilhão em 2003.


AVISO IMPORTANTE

A rede de compartilhamento de arquivos à qual o seu computador está conectado indica que você pode estar compartilhando arquivos musicais deste seu computador.
Fazer isso sem autorização expressa dos detentores de direitos autorais, como produtores fonográficos, artistas e autores, por exemplo, é ilegal.
Essa ação causa prejuízos a todos os envolvidos na criação musical e artística.
Quando não se respeita a lei há risco de penalidades. As leis de direitos autorais existem para proteger os detentores desses direitos.
Evite esse risco e não compartilhe ou copie arquivos sem permissão em um serviço P2P como este.
Desabilite a possibilidade de compartilhamento de arquivos e/ou desinstale o software P2P.


 

 

 

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