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Juristas debatem contribuição social

"Categorias devem ser preservadas em um regime democrático"

 


A partir da esquerda: Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
Ives Gandra e Everardo Maciel / Foto: Bruno Leyte

Com a mesma regularidade das estações que se sucedem ao longo do ano, quando é preciso dar alguma satisfação a setores da opinião pública alarmados com a carga tributária, a primeira lembrança dos legisladores é eliminar a contribuição ao Sistema S, como se com isso pudessem, de fato, desonerar significativamente a folha de pagamento. Em nenhum momento, no entanto, fazem a contabilidade dos benefícios que o sistema traz para a sociedade.

As contribuições sociais, aquelas de interesse das categorias profissionais e, é claro, o Sistema S, que tem tratamento diferenciado na Constituição, foram o tema da última reunião de 2007 do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), debatido pelo professor de direito constitucional Manoel Gonçalves Ferreira Filho e pelo ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.

O ponto de partida do debate foi um parecer que o presidente do conselho, Ives Gandra Martins, elaborou para a Fecomercio, em que interpreta o sistema tributário na Constituição e sua divisão em cinco partes. A primeira é a dos princípios gerais; a segunda estabelece as limitações constitucionais ao poder de tributar; e a terceira, a quarta e a quinta cuidam dos impostos da União, estados e municípios. As duas primeiras partes são importantes, porque nelas estão os três princípios gerais que regem o direito tributário brasileiro: o princípio das espécies tributárias, o da capacidade contributiva e o da lei complementar. A lei complementar é aplicável, em normas gerais, a todo o sistema brasileiro e o organiza. Do contrário, haveria 5,5 mil entidades federativas com sistema próprio, ou seja, seria o caos no direito tributário.

Segundo Ives Gandra, a contribuição de interesse das categorias é destinada às que devem efetivamente ser protegidas por meio do aparelho do Estado, prevalecendo o princípio da legalidade. "Isto é, o governo não pode, em nome do interesse público, reduzir, minimizar ou tornar inócua uma contribuição cujo papel é fortalecer as representações das entidades e das categorias, de trabalhadores ou patronais. Na esfera da negociação política tenho visto a tentativa de enfraquecer o movimento sindical por meio da eliminação das contribuições, ou de valorização de um setor em relação a outro, ferindo o princípio constitucional de que essas contribuições só podem ser dirigidas ao interesse das categorias que é definido por elas."

O presidente do conselho afirmou que, "por essa razão, embora o Sistema S tenha tratamento específico na Constituição, é também uma contribuição de interesse das categorias. Não pode, portanto, ser esvaziado, transformado em meio e modo de punir determinado segmento ou em um instrumento para privilegiar outros. Antes de tudo deve prevalecer o interesse das categorias". Ives Gandra concluiu afirmando que "nessa matéria, é inconstitucional qualquer tentativa do governo de esvaziar as contribuições de interesse das categorias, procurando eliminá-las. A contribuição confederativa só os filiados a devem pagar. As contribuições a que se refere a Constituição, e que são aquelas do interesse das categorias, como a contribuição social e as contribuições do Sistema S, não podem sofrer pressão política, pois está em jogo não o interesse público mas o das categorias, que devem ser preservadas em um regime democrático".

O equilíbrio da Constituição

Para o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "a interpretação da Constituição não comporta excessos. Não convém interpretar isoladamente um texto constitucional sem levar em conta outros. Ou seja, é preciso bom senso e equilíbrio no aspecto global e no isolado".

Em sua opinião, como a contribuição é um tributo, a União poderia isentar as microempresas e as empresas de pequeno porte. Entretanto, se a contribuição social é um tributo, ele é sui generis, porque não é um tributo estabelecido com interesse público predominante, mas no interesse das entidades específicas. Portanto, diz o professor Ferreira Filho, ao contrário do que Ives Gandra sustenta, as contribuições sociais não estão entre as obrigações tributárias. "No caso, as obrigações tributárias que poderiam ser objeto de dispensa para favorecer aquelas empresas seriam as de interesse predominante da União, dos estados ou dos municípios. Ou seja, aquelas de interesse público predominante e não aquelas em que o interesse predominante não é o público, mas o particular."

Na condição de ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel perguntou se tinha ido direto ao ponto ao afirmar que, segundo a Constituição, "as contribuições de interesse das categorias profissionais são instituídas pela União. Dessa forma, é competência da Receita Federal determinar a isenção. Ora, se a norma estabeleceu isso, então na verdade existiu a isenção. Concordo que é tributo e que, de fato, a contribuição de interesse profissional não é matéria de política fiscal. O Fisco joga a favor do contribuinte, e não o inverso. Aumentar ou diminuir não interessa ao Fisco e nem é matéria do Fisco, mas da lei. E a lei determina a regra, a escala, e que a micro e pequena empresa deveriam ser isentas".

Ives Gandra afirmou "estar convencido de que no sistema democrático em que vivemos, quando se cria uma intervenção de domínio econômico, os representantes do povo precisam saber como garantirão aquela contribuição em favor do interesse das categorias. Se sob determinados aspectos o sistema é irracional, o problema desse tipo de contribuição não ter sido adequado tem origem na representatividade da sociedade".

Apesar de sua experiência, o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho admitiu sua perplexidade a respeito do assunto e reafirmou que "a interpretação da Constituição é complicada, porque não foi revista e tem muitas imperfeições técnicas, entre elas a questão das contribuições previdenciárias. Por que a Constituição fala em contribuição e depois previdenciária? Para que separar a menção? Eis um problema bem brasileiro ou de raciocínio abstrato: pretender colocar tudo na categoria tributo. A contribuição é um tributo na medida em que é imposta pelo Estado, embora sua destinação não seja aquela típica do tributo, porque serve para remunerar uma associação particular ou privada. Portanto, a idéia de que contribuição seja tributo também é uma generalização que parece avançar além do objetivo do constituinte".

O conselheiro Américo Lacombe, no entanto, afirmou que, a partir de um parecer que assinou em favor do Conselho Federal de Farmácia, convenceu-se de que, sendo a função de um conselho de categoria fiscalizar o exercício profissional, as contribuições foram classificadas como taxa de polícia, porque os conselhos fiscalizam e disciplinam o exercício profissional, o que é inerente ao poder de polícia.

O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Rio Claro, Célio Simões Cerri, perguntou se é possível criar uma categoria de sindicato patronal. Como resposta, Everardo Maciel ressaltou a imprecisão da Constituição: ora as fundações públicas têm natureza fundacional, como as fundações civis, ora têm natureza autárquica. "Eu não quero dizer qual deva ser a forma de tratamento. O que existe é a contribuição sindical dos empregados, não dos empregadores. Não há impedimento para a lei estabelecer uma contribuição sindical para os empregadores", afirmou o ex-secretário da Receita Federal.

Lucro presumido

As reuniões do Conselho Superior de Direito possibilitam um rico embate de idéias e conceitos, o que ocorreu também no caso das contribuições sociais. Para Ives Gandra, "quando o Poder Legislativo produz uma lei, ela pode ter lá suas incoerências, mas deve retratar o máximo de bom senso. De modo geral, o Parlamento oferece às categorias o mecanismo legal para produzir a contribuição necessária. Existir o máximo de bom senso não significa perfeição absoluta. Erros podem ocorrer e isso não impede que se chegue ao máximo de satisfação dentro dessas limitações que o princípio da diferença provoca na existência de uma sociedade de desiguais. O que não pode acontecer é a lei sair do razoável e do bom senso. O próprio Everardo Maciel lançou, sem alterar a Constituição, o que me parece ser a maior revolução tributária no Brasil, o lucro presumido das médias e pequenas empresas. Atualmente mais de 90% das empresas estão sujeitas ao lucro presumido, em que não se paga imposto de renda com base na renda, mas com base na receita bruta, e é o contribuinte quem decide". Everardo Maciel se surpreendeu ao ouvir do presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo, Álvaro Furtado, que "ainda se faz correção [monetária] a partir de um índice extinto, calculado não sei por quem. A correção monetária foi, talvez, uma das coisas mais perversas em matéria socioeconômica neste país. Produziu uma concentração de renda sem limites, porque beneficiava somente a quem tinha ativos. Quem recebesse em dinheiro vivo não tinha correção monetária no dia-a-dia. Em 1992, a correção monetária do balanço transformou em simbólica a arrecadação do imposto de renda das pessoas jurídicas no Brasil. Não faço juízo de valor, mas a grande maioria das empresas dobrou o seu patrimônio líquido e, com a correção monetária de balanço, não recolheu nenhum centavo de imposto". 

 

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