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Rita Campagnoli, da exportadora Dahll Comercial /
Foto: Célia Thomé

Micro e pequenas empresas formam consórcios para exportar

ALBERTO MAWAKDIYE

Com uma produção industrial nada desprezível – está entre as dez maiores economias do mundo –, o Brasil procura, com décadas de atraso, seguir o caminho de italianos, espanhóis e asiáticos, que se ampararam nas pequenas empresas para se tornar grandes exportadores. Programas recentes destinados à inserção das micro e pequenas empresas no comércio exterior – como a criação de consórcios exportadores e de projetos setoriais integrados – têm pipocado em todo o país desde meados da década de 1990 e vêm ganhando cada vez mais impulso. Embora com resultados desiguais, já conseguiram o feito de ajudar a aumentar, num prazo de cinco anos, em 16% o número de empresas de pequeno porte que participam da exportação.

As vendas externas brasileiras são inexpressivas – cerca de US$ 58 bilhões por ano (menos de 1% do total mundial) –, e a exportação industrial está concentrada nas grandes companhias. Calcula-se que não mais de 400 empresas, a maioria multinacionais, respondam por 60% a 65% das vendas ao exterior, dentro de um universo de 17 mil indústrias que participam da exportação. Às micro e pequenas empresas correspondem meros 13% do volume total – US$ 7,7 bilhões. Só como termo de comparação, esse índice é de 48% em Taiwan, 41% na Espanha e 35% na Índia. Coréia do Sul e Estados Unidos ficam na casa dos 30%.

Segundo a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), do Rio de Janeiro, o número de pequenas empresas exportadoras saltou de 9.278 em 1997 para 11.074 em 2001. Relativamente bom em termos quantitativos, esse número revela, porém, a anemia do segmento, quando analisado do ponto de vista da quantidade de pequenas empresas existentes no país. Apenas em 2000, foram abertas quase 660 mil delas.

O quadro piora quando o volume de vendas é comparado com o de cinco anos atrás. De acordo com a Funcex, a participação das micro e pequenas empresas nas exportações caiu cerca de 16% entre 1997 e 2001. Em 1997 elas responderam por 17% das vendas externas, ou US$ 9,2 bilhões, contra 13% em 2001, ou US$ 7,7 bilhões. "O problema é que as pequenas empresas não conseguem se manter no mercado de exportação", analisa Fernando Ribeiro, pesquisador da Funcex. "Há sempre muitas iniciantes e, como exportam pequenas quantidades, o volume não compensa o daquelas que deixaram de exportar."

Considerando-se o faturamento e não apenas o número de funcionários (as microempresas têm até 19, e as pequenas de 20 a 99 empregados), a parcela diminui ainda mais. E, sem as pequenas exportadoras que trabalham com produtos de alto valor agregado, como os de informática e de telefonia celular – que em geral são automatizadas e deveriam enquadrar-se em outro segmento –, as micro e pequenas empresas seriam responsáveis por um percentual ainda menor do volume de exportação brasileiro.

Ferramenta estratégica

Os programas oficiais ou privados que tentam melhorar a posição das micro e pequenas empresas na exportação não vêem os exemplos da Europa e da Ásia apenas como um ideal a ser atingido. Os mecanismos usados para desenvolver o portfólio do pequeno exportador brasileiro foram todos "importados" daquelas regiões, e o mais promissor talvez seja o consórcio de exportação. Implementado inicialmente na Itália, trata-se de uma solução de cunho fortemente desenvolvimentista – não é à toa que conta com o suporte oficial do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), ao lado de entidades federais ligadas ao comércio exterior.

O programa abriga companhias do mesmo segmento em um único "guarda-chuva" exportador e estabelece estratégias comuns de produção e comercialização, incluindo itens como qualidade, design e transporte. "É uma ferramenta considerada tradicional no negócio de exportação, mas que adotamos de forma estratégica", explica Gláucia Pettini, técnica de comércio internacional do Sebrae de São Paulo. "Nosso objetivo é capacitar as empresas que querem entrar no mercado, e não apenas estimular as que nele já atuam."

Os consórcios não são uma novidade no Brasil. Eles provaram sua eficiência nos anos 70, quando ajudaram produtores de carne e de frango a vender seus produtos lá fora. A diferença do programa do Sebrae é que ele enfatiza mais a produção do que a comercialização. Por meio de convênios com institutos de pesquisa, o órgão dá orientação sobre qualidade e normas internacionais, embalagens e formação de preços. O negócio de exportação fica a cargo do próprio consórcio, embora debates e workshops sejam realizados de maneira quase permanente para ensinar os empresários a penetrar no verdadeiro emaranhado que é o comércio exterior.

Nesse ponto, o governo federal também faz sua parte. Os ministérios das Relações Exteriores e de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, por meio de seus vários órgãos, encarregam-se de descobrir mercados no exterior e promover os produtos via feiras e eventos. Os resultados têm sido animadores. Apenas no estado de São Paulo, o Sebrae já ajudou a criar 25 consórcios de exportação ou Projetos Setoriais Integrados (PSI), uma espécie de "embrião" dos consórcios, que inclui toda a cadeia produtiva de um setor – em geral menos amadurecido para a exportação – e tem alcance quase sempre regional.

O número médio de participantes é extremamente variável. Os consórcios têm, em geral, de cinco a dez filiados, enquanto um PSI – como o pólo de calçados femininos de Jaú, no noroeste do estado de São Paulo, o de café "premium" em São Paulo e Minas Gerais ou o de cachaça no nordeste – pode agregar até 200 empresas, se considerada toda a cadeia produtiva.

"Por conta do PSI, já conseguimos montar três shoppings de calçados em Jaú", diz Geraldo Chaves Júnior, consultor do projeto na cidade. "Em alguns casos a produção aumentou em até 50%, e a exportação já ultrapassou os US$ 3 milhões desde julho do ano passado". Chaves ressalva, entretanto, que apenas 20 indústrias calçadistas participantes do PSI de Jaú são responsáveis pela exportação, do total de 62 associadas. A capacidade de produção é de 195 mil pares por dia.

Variedade

Os produtos envolvidos nos consórcios e nos PSIs são bastante diversificados: de autopeças a jóias e bijuterias, de instrumentos cirúrgicos a móveis, de bebidas a artigos têxteis e alimentos. Na verdade, o caminho da exportação passa pela qualificação da empresa no mercado interno. É o que acontece, por exemplo, com quatro consórcios do setor de jóias e pedras lapidadas que atuam em conjunto em São Paulo e na cidade de Limeira, na região de Campinas. Eles representam 17 empresas e já respondem pela exportação de US$ 70 milhões por ano, principalmente para a América Latina e a Europa. "A vantagem é que podemos também atuar em conjunto no mercado interno", diz Écio Moraes, diretor executivo do grupo. "Isso facilita as compras e nos permite planejar melhor a produção."

A queixa geral das empresas participantes refere-se à falta de linhas específicas de financiamento. Embora o governo federal e as agências internacionais tenham inundado o mercado com créditos para exportação este ano – apenas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) comprometeu-se a liberar cerca de US$ 7 bilhões –, são os bancos privados que operacionalizam esses recursos. Como os consórcios não são figuras jurídicas, os exportadores são analisados individualmente. "Nunca conseguimos passar pelo filtro", declara Doriédson Marianelli, vice-presidente do Consórcio Convix, de Vitória, que reúne oito empresas da cidade especializadas em moda praia. "O dinheiro vai todo para as mãos dos grandes exportadores." Segundo ele, encomendas feitas ao consórcio não puderam ser atendidas porque alguns sócios não possuíam os equipamentos necessários nem conseguiram empréstimos para comprá-los.

O desnível entre as pequenas empresas talvez seja um dos grandes obstáculos no caminho dos consórcios. Poucas estão maduras o suficiente para participar – daí o reduzido número de associadas em cada grupo. "Muitas acabam por desistir", diz Vicente Mazzarella, diretor do Programa de Apoio Tecnológico à Exportação (Progex) do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo. "Pelo menos uma parte tem de ser periodicamente reciclada para continuar a exportar." De acordo com Mazzarella, o programa tem em vista atender exatamente as empresas que já exportaram mas foram obrigadas a desistir por perda de capacitação tecnológica ou mercadológica.

O objetivo do Progex, que segue uma linha de atuação calcada nas experiências italiana e sul-coreana, é capacitar 6 mil micro e pequenas empresas entre 2002 e 2005, seguindo normas internacionais de produto e tendências de mercado. Até agora, no entanto, apenas mil conseguiram ser certificadas e voltar a vender no exterior. "Exportar é muito difícil", justifica Mazzarella. "As exigências variam quase que de país para país, e é necessário um investimento enorme em adequação." Contudo, segundo o técnico do IPT, as empresas que passam pelo processo de reciclagem conseguem, em média, multiplicar por dez o volume anteriormente exportado.

Periferia

O reduzido potencial financeiro é apontado como um dos principais entraves à maior participação das micro e pequenas empresas na exportação. Para começar, elas já têm um papel secundário no mercado interno, cujos setores mais dinâmicos e voltados para as classes de poder aquisitivo mais alto são dominados pelas companhias de grande e médio porte, fruto da política de substituição de importações que de tempos em tempos é adotada pelo Brasil. Sem dúvida, essa medida reduz a dependência de produtos estrangeiros, mas pressupõe a existência de demandas já consolidadas e não cria novos mercados.

As micro e pequenas empresas são praticamente obrigadas a trabalhar na periferia da cadeia produtiva ou do mercado. As de tecnologia mais avançada e com maior disponibilidade de capital servem quase sempre como fornecedoras de semi-acabados ou de componentes para as grandes companhias – o caso mais exemplar talvez seja o da indústria de autopeças. As outras acabam limitadas a atender aos segmentos de menor poder aquisitivo, o que puxa os preços para baixo e dificulta a modernização tecnológica. Esses dois fatores impedem o aumento da escala de produção – que é suprida com a abertura de outras pequenas empresas, tão frágeis como as primeiras. O fenômeno é visível em setores como o alimentício e o têxtil.

Por conta disso, esses empreendimentos ficam muito mais à mercê das conjunturas do mercado e estão mais sujeitos ao desaparecimento precoce, uma das características da economia brasileira. De acordo com estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56% das empresas brasileiras morrem nos primeiros três anos de vida, contra 40% nos Estados Unidos, 38% na França e 30% na Alemanha. Quando o intervalo sobe para cinco anos, o quadro fica ainda mais dramático, pois 71% delas fecham nesse período.

Além de tudo isso, embora responsáveis por 25% do Produto Interno Bruto (PIB), 60% da oferta de empregos e 42% da massa salarial, as micro e pequenas empresas sofrem com as deficiências de planejamento e a falta de experiência, fatores que as fariam lutar antes pela sobrevivência do que pela expansão de mercados – a exportação é considerada um luxo ao alcance de poucos.

Parcerias

"A melhor maneira de uma pequena empresa sobreviver é se juntar a outras para atuar no mercado, e o comércio exterior pode se revelar uma belíssima ferramenta para isso", afirma José Cândido Senna, coordenador do projeto de incremento às exportações da Federação das Associações Comerciais de São Paulo (Facesp). A federação tem estimulado o uso intensivo das comerciais exportadoras – tradings de menor porte que, em geral, são especializadas em famílias de produtos ou áreas geográficas. Não há uma estimativa confiável – esse é um mercado por definição fragmentário –, mas acredita-se que ao menos algumas centenas de pequenas empresas já estejam utilizando rotineiramente esse mecanismo para vender seus produtos no exterior. "A empresa pode perder um pouco da sua individualidade, mas em compensação tem mais garantia de mercado", sublinha Senna.

Salvador Pezutto, diretor da paulistana Hannover Exportadora, que trabalha com cerca de 15 pequenas indústrias especializadas em peças para tratores e caminhões, declara: "O volume de produção de uma empresa isolada não compensaria financeiramente a exportação, mas reunido ao de outras dentro de uma comercial passa a justificá-la".

As comerciais só não vão buscar o produto na porta do fabricante. "Nós fazemos praticamente tudo, desde a organização dos produtores até a identificação dos mercados-alvo, passando pela resolução das formalidades burocráticas", revela Rita de Cássia Campagnoli, da também paulistana Dahll Comercial, que opera no setor metal-mecânico. Essas comerciais exportadoras são, em geral, complementadas pelas chamadas operadoras logísticas, que cuidam principalmente do trânsito do produto no exterior. "É um trabalho que está fora do alcance do pequeno exportador", diz Jairo Antonio, diretor da JA Despachos Aduaneiros, de Santos, litoral de São Paulo. "Sem conhecer o caminho das pedras, o exportador corre o risco de desperdiçar tempo e dinheiro."

É papel das operadoras também descobrir novos mercados – necessidade premente dos pequenos exportadores. Cerca de 55% das vendas externas brasileiras têm como destino apenas sete países – também por conta de o mercado ser dominado pelas grandes companhias, que sempre detiveram o poder de decidir para onde exportar, a despeito de qualquer política oficial. Só agora os produtos brasileiros começam a ganhar espaço na Rússia e no Leste Europeu, Oriente Médio, África e China. O grosso das exportações – tanto das grandes como das pequenas empresas – tem como destino os Estados Unidos, a Europa e a América Latina.

Há que se registrar, contudo, a situação atual do Mercosul, abalado pela crise argentina. "Já estávamos exportando cerca de US$ 6 bilhões por ano para esse mercado", diz Michel Alaby, vice-presidente executivo da Associação de Empresas Brasileiras para a Integração no Mercosul (Adebim). "Com a crise, o movimento caiu 70%." De acordo com Alaby, as pequenas empresas – principalmente as do sul do país – já respondiam por quase 10% do volume exportado para o Mercosul.

Há também empresários desse segmento que estão tentando buscar mercados por conta própria. É o caso da HDL Produtos Eletrônicos, que fabrica equipamentos prediais de segurança em Itu (SP) e na Zona Franca de Manaus. "Entramos no negócio de exportação há três anos e descobrimos que existe enorme demanda por nossos produtos na América Central", conta Alberto Soares Moreira, presidente da empresa, que atende também vários países da América do Sul. No caso da HDL, no entanto, houve um imperativo logístico que a forçou a alçar vôo solo: os equipamentos que produz necessitam de uma rede de assistência técnica mais ou menos consolidada e em contato permanente com o fabricante. Uma comercial exportadora ou uma operadora logística jamais poderiam fazer isso por ela.

Outras pequenas empresas, embora trabalhem com comerciais exportadoras, descobriram não novos mercados em termos geográficos, mas nichos inesperados. A fabricante de radiadores Marechal, que existe há 35 anos e está sediada em Curitiba, é uma delas. A crise da economia brasileira fez com que sua produção de radiadores para tratores e caminhões fora de estrada – que foi sempre escoada para as montadoras multinacionais instaladas no Brasil – ficasse comprometida. Pesquisando aqui e ali, com a ajuda de parceiros, ela encontrou um imenso mercado de reposição dessas peças, disponível praticamente no mundo todo. "Até donos de máquinas agrícolas estão comprando nossos radiadores, que são muito mais resistentes e baratos do que os originais", diz João Carlos Hoeffling, diretor da empresa.


Novos recursos

Em setembro, foram assinados com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) três convênios, no valor total de aproximadamente US$ 37 milhões, que poderão fazer deslanchar muitas micro e pequenas empresas do país. O maior deles destina US$ 30 milhões ao Banco do Nordeste para financiar projetos do CrediAmigo, um programa voltado para o desenvolvimento de microempresas da região. Outro convênio, com o Sebrae-RJ, o BNDES e a Mercatto Venture Partners, prevê investimentos de até US$ 4,5 milhões em um fundo mútuo destinado a empresas emergentes de base tecnológica no Estado do Rio de Janeiro.

Outros US$ 2 milhões irão para o Projeto Promos, programa do Sebrae nacional que visa desenvolver distritos industriais compostos de empresas de pequeno porte e do mesmo ramo – os chamados clusters.

O convênio irá beneficiar quatro clusters: o de moda íntima de Nova Friburgo (RJ), o de artefatos de couro e calçados de Campina Grande (PB), o setor moveleiro de Paragominas (PA) e o de confecções e artesanato de Tobias Barreto (SE). O Sebrae, no entanto, entrará com o grosso dos investimentos: US$ 3,4 milhões. A Promos, agência de promoção de negócios da Câmara de Comércio de Milão, na Itália, que foi a inspiradora do programa, participará com outros US$ 400 mil. No total, serão US$ 5,8 milhões.

Os recursos serão utilizados em pesquisa e desenvolvimento, compra de novas máquinas e sondagem do mercado externo. A idéia é, no médio prazo, transformar os clusters em distritos industriais à moda italiana, ou seja, com alto grau de modernidade tecnológica e com estratégia de vendas focada principalmente no mercado externo.