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Imaginação versus conhecimento

 


Foto: Gabriel Cabral

É preciso desenvolver a abertura para novas idéias

ALEX PERISCINOTO

Em palestra pronunciada no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo no dia 8 de agosto de 2002, o publicitário e homem de marketing Alex Periscinoto falou sobre o tema "Marketing Instintivo Versus Marketing Profissional"

Existe um estudo da Universidade de Yale que mostra o comportamento do ser humano, nas várias fases da vida. A imaginação tem seu pico entre os cinco e os sete anos de idade, época em que o indivíduo é mais imaginativo. Não digo criativo, mas imaginativo. A capacidade de julgamento também se desenvolve paralelamente e há um cruzamento entre essas linhas, mais ou menos na meia-idade, quando a pessoa deixa de ser "imaginativa" e se torna um profissional do conhecimento, de qualquer área. Segundo o estudo, o ideal seria que as linhas da imaginação e do conhecimento tivessem seguido paralelas antes da meia-idade. A pessoa que as mantém paralelas é um ser humano mais preparado (na idade adulta a imaginação passa a chamar-se criatividade).

O estudo revela que a criatividade humana está em queda e vem-se atrofiando, porque as pessoas são preparadas para operar robôs, dirigir máquinas em que basta apertar botões. Isso coloca quase que um país inteiro na mão do maior inimigo da criatividade, que é o condicionamento. A pessoa mais condicionada que se conhece é o ascensorista. Primeiro, ele nunca ouve uma história inteira na vida. Segundo, vive numa caixa de lata 80% do tempo em que está acordado. É uma profissão totalmente desvalorizada, aliás em extinção, porque os prédios novos dispensam essa função.

Vejamos alguns exemplos que mostram como cuidar da criatividade. Isso não tem nada a ver com cultura, com preparo escolar. Quem de nós, quando criança e mesmo depois de adulto, não desenhou uma casinha? Quando pequenos, uma professora pôs o modelo no quadro-negro, nós achamos bonitinho e repetimos a imagem sem melhorá-la, de maneira quase igual. A tristeza é que o desenho que fazemos é de uma casa que nem sequer é brasileira, é da Europa, com lareira e telhado para queda de neve, que alguém trouxe para cá. Criança que mora em apartamento, que nunca viu uma casa, muito menos com chaminé, acha que isso é uma casinha brasileira.

Uma pessoa pode ser criativa sem ter conhecimento. Vejam o caso de um humilde pescador de Ubatuba (SP). Como é um sujeito bonzinho, empresta dinheiro para os amigos. Mas como não tem recursos para contratar o serviço de cobrança do Bradesco, ele escreveu na porta de casa: "Nome das pessoas que me devem e não pagam". E relacionou ali os devedores, acrescentando embaixo, como se fora um publicitário: "O nome sai quando se prova", ou seja, "Se pagar, eu apago". Esse homem não tem escolaridade, não tem cultura, mas quebra paradigmas, tem a criatividade desenvolvida.

Outro exemplo: "Cão fila – km 26". Alguém escreveu isso nas estradas e porteiras do Brasil, como a Casas Pernambucanas fez numa época. O "Cão fila – km 26" é um canil que vendeu muitos filhotes de cachorro. A pessoa criativa é observadora. Os condicionados são contemplativos, vêem as coisas como elas são e não perguntam o porquê. Os criativos vêem coisas que não existem e perguntam por que não. Essa é a diferença.

Um português pôs no bar o seguinte cartaz: "Pão com manteiga R$ 1,20. Pão com margarina R$ 1,00. Pão sem manteiga R$ 0,80. Pão sem margarina R$ 0,60". Perguntei: "Como é isso?" Ele explicou: "O que está certo é o de baixo, o resto é marketing".

Quem passa por Chicago vê uma igreja gótica na praça principal, a Praça da Biblioteca. Como se sabe, as igrejas ocupam os melhores terrenos do mundo, porque chegam antes da padaria, fazem o ponto. Onde há um templo, o terreno sempre é mais valorizado.

Essa igreja fez uma mudança criativa. Em vez de pedir esmola ou esperar doações milionárias, demoliram a construção, levantaram um prédio de 35 andares e reconstruíram o templo lá em cima. Imaginem o que representa esse prédio em aluguel, numa área que aparentemente não permitia inovação.

Observem que ser criativo numa agência de publicidade ou num escritório é mais fácil, há um ambiente de criação ali. Imaginem fazer isso no Vaticano, onde não se pode mudar uma vírgula do livrinho de reza. Aliás, fizeram uma alteração outro dia, muito séria, e não percebemos, nem minha mãe percebeu. A mudança teve razões técnicas ou financeiras, e foi feita suavemente. Eu posso imaginar quantas reuniões o Vaticano teve de organizar para mudar o Padre-Nosso, uma oração secularmente sagrada. Era assim: "Perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores". Hoje, sem que ninguém percebesse, foi alterado para: "Perdoai as nossas ofensas". Por que essa mudança? Primeiro, a maioria das igrejas atualmente vive de dinheiro de alunos, ou seja, de colégios e faculdades – São Luís, PUC, Mackenzie, entre outras. Isso não tem nada de errado, aliás oferecem à sociedade um produto muito bom. Só que a economia está lá. Será que um pai inadimplente não poderia dizer a eles: "Não posso pagar e, como mandaram rezar ‘perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores’, talvez eu seja perdoado"? Alguma coisa aconteceu, porque ninguém mudou aquilo por nada.

Para se ter uma idéia do que é condicionamento, do perigo que é não desenvolver a criatividade e não quebrar os paradigmas, vejam este exemplo:

Vou pedir a vocês que voltem ao começo dos anos 60 e perguntar que comentário utilizariam diante desta expressão: made in Japan. Naqueles anos, que palavras viriam à mente quando vocês vissem tais produtos? Lixo, barato, má qualidade, cópias, pirataria, proibitivos, limitações.

Agora, vamos fazer a mesma pergunta hoje. Que tipo de comentário vem à mente quando vocês encontram a expressão made in Japan? Excelente qualidade, tecnologia, preço alto, liderança, balanço de pagamentos, inovação.

Isso representa uma mudança de paradigma, que começou nos anos 50, quando o norte-americano W. Edwards Deming foi ao Japão e introduziu uma série de regras que denominamos de produção com defeito zero. Hoje chamam isso de administração japonesa ou gerência participativa, isto é, comprometer as pessoas com a perfeição dos produtos. Os japoneses criaram uma epidemia de qualidade no mundo todo. E se você não pegar essa doença, talvez não sobreviva.

Há uma verdade profunda e crucial atrás dos exemplos de mudança de paradigma. Chamo isso de regra de volta a zero: quando o paradigma muda, todos voltam a zero. Não importa o tamanho de sua fatia no mercado, não importa sua reputação ou se você é bom no velho paradigma. Com o novo, você volta a zero. O sucesso passado não garante nada.

Se acham que é exagero, deixem-me ilustrar. Que país dominava o mundo da relojoaria em 1968? A Suíça, é claro, com mais de cem anos de reconhecida experiência. Nesse ano eles detinham 65% do mercado mundial. Dez anos depois a fatia de mercado havia mergulhado para menos de 10%, e nos três seguintes tiveram de demitir 50 mil dos seus 65 mil relojoeiros. Hoje, que nação domina a relojoaria no mundo? O Japão, que em 1968 não tinha nenhum mercado. Como puderam os suíços ser tão rapidamente derrotados? A resposta é dolorosamente simples: voltaram a zero com a mudança de paradigma. Muitos estão usando esse novo paradigma no pulso agora: relógios de quartzo, totalmente eletrônicos, movidos à bateria, incrivelmente versáteis, mais precisos que os mecânicos. Eles merecem ser o novo paradigma de marcação do tempo, uma idéia brilhante. Quem inventou o relógio de quartzo? Foram os próprios suíços, em seus laboratórios de pesquisa. Mas quando os pesquisadores apresentaram a idéia aos fabricantes, em 1967, ela foi rejeitada. Afinal, o relógio não tinha engrenagens, não tinha mola mestra, e portanto nunca poderia ter futuro, e por isso eles nem patentearam o invento. Assim, mais tarde aqueles pesquisadores mostraram o relógio ao mundo no congresso anual de relojoaria. A Texas Instruments, dos Estados Unidos, e a Seiko, do Japão, estavam lá, deram uma olhada e o resto é história.

Por que os suíços não perceberam essa fantástica invenção que sua própria gente havia criado? É a força dos paradigmas. Eles estavam tão ofuscados com o sucesso de seu velho paradigma e de todos os seus investimentos nele que, quando confrontados com um mundo totalmente novo e diferente, o rejeitaram porque não se ajustava às regras em que se consideravam tão bons.

Mas essa história não é só sobre suíços, é sobre qualquer um, qualquer organização, qualquer nação que suponha ter obtido sucesso no passado e que continuará a tê-lo no futuro. E quando um paradigma muda, todo mundo volta a zero. Nem mesmo os melhores relojoeiros do mundo podem parar o tempo. É por isso que é preciso desenvolver a abertura para novas idéias, a disposição para explorar modos diferentes de fazer coisas, porque somente assim se podem manter abertas as portas para o futuro.

Vejamos agora um pouco de marketing político. Alguém me perguntou recentemente: O que é esse marketing que faz um político virar produto de publicidade como se fora um sabonete? Onde está a fronteira entre a campanha exatamente política e a campanha política do tipo produto? Vamos pegar alguns casos. A diferença é fácil de entender. Por exemplo, Roseana Sarney praticamente não falou nada e a imagem dela subiu. Não vamos aqui mencionar as razões por que caiu, não é o caso, mas ela aparecia na tela e o locutor dizia: "Ela é mãe, ela é mulher, ela é nordestina, ela tem capacidade, ela governou com louvor". Isso é uma publicidade típica de sabonete, o produto fica mudo e os argumentos vêm em off.

O presidente Ronald Reagan, quando candidato, fez uma campanha do tipo sabonete, ou seja, ele não debatia, não afirmava, não prometia nada. Phil Dosenberry achava que a campanha de Reagan teria de continuar no sistema de o locutor vender uma idéia, e o candidato ser mero coadjuvante dessa idéia, sem falar nada. O grande perigo mora no debate. Quando ele acontece, como vimos na Rede Bandeirantes outro dia, o produto fala. Aí não é sabonete. A gente capta na televisão até as coisas não verbalizadas, o gesto, o nervosismo, como a pessoa mexe a caneta, o nó da gravata. Essas coisas todas acontecem quando o produto é vivo. Quando é gravado, é bem mais fácil para o candidato, e nós, consumidores, estaremos satisfeitos sem analisar se ele é do tipo sabonete ou não. O que interessa é o conteúdo.

Foi o conteúdo de um filme que fez Reagan perder a preferência na reeleição. Era a época da guerra fria, que estava no auge, e o marqueteiro disse o seguinte: "Você tem de ser o xerife deste país. Vamos vender a idéia de que você vai resolver o problema da segurança dos Estados Unidos em relação à Rússia, de que é o homem forte, usando uma analogia sem que você apareça". Então colocaram a Rússia representada por um urso andando na mata e o texto dizia: "There is a bear around" (Há um urso nos rondando). Surgia então um homem, menor do que o urso naturalmente, e o animal parecia dar uma marcha a ré. Isso para vender a idéia de que Reagan estaria protegendo o país inteiro contra a Rússia num momento em que a mídia toda se ocupava com a guerra fria.

Aparentemente é um ótimo filme, mas deu errado. Vendia a idéia de que ele assegurava a paz. Era muito racional, e o consumidor do produto chamado "nosso presidente" não quer necessariamente saber de macroproblemas. Quer saber do problema micro, não se considera participante da macrossolução. Nós, cidadãos, queremos viver bem, ganhar melhor salário, ter mais segurança, não necessariamente uma segurança internacional. Diante do efeito negativo do filme, Phil Dosenberry utilizou uma imagem no estilo American way of life com este texto: "É uma nova manhã na América. Nossos filhos vão para a escola, nós vamos comprar tapetes, minha filha vai casar, estamos morando bem". Esse é o conteúdo que interessa. Não aparece o slogan, só o nome do candidato, o sabonete. E Reagan subiu nas pesquisas.

Duda Mendonça enviou-me alguns filmes para ilustrar o que chamo de sabonete. Um deles é aquele "Maluf que fez", cujo texto diz que o candidato fez a rodovia tal, linha do metrô, ruas, avenidas, etc. Maluf nem aparece.

O marqueteiro tem condições de fazer esse tipo de trabalho, que ele domina totalmente. O problema, como já disse, é quando o candidato vai ao debate.

Uma vez pegamos a conta das sandálias Havaianas, da Alpargatas. Até então, os comerciais das Havaianas lembravam a concorrência de maneira pejorativa. Chico Anísio dizia assim: "Não tem mau cheiro e não solta as tiras". Nós colocamos Malu Mader saindo do banho com a sandália. Hoje o produto tem uma imagem de bom gosto, de colorido, e nunca falamos que a borracha é macia. Não é preciso falar do produto. No caso de Reagan, o marqueteiro nem teve de falar dele no segundo filme. Foi só estabelecer aquele clima do qual ele é componente importante. Nós somos consumidores do clima.

Hoje a publicidade procura trazer proteção à imagem do consumidor. Quem estiver de sandálias Havaianas no fim de semana estará protegido pela marca. A publicidade não só vende, mas também protege a imagem de quem compra o produto. Vou dar um exemplo. Quem pararia na porta do restaurante Parigi com um Subaru? Acho que nenhum jovem faria isso hoje. Ele pára de Audi, de Mercedes, de Golf ou sei lá de que carro, mas de Subaru não. É um carro de R$ 78 mil, custa o preço de um Volvo, mas as pessoas vão de Volvo. Se for de Subaru, o manobrista é capaz de esconder o carro na rua de trás. Vale dizer, ele é um carro de grandes qualidades, mas a imagem é de carro Subaru, não adianta. Não tem atmosfera, não tem clima. O que os outros têm.

Quando se faz um anúncio do Audi e se escreve no outdoor "Esse queixo que eu vi no chão é seu?", estamos vendendo não somente o produto. Nos Estados Unidos, na crise dos anos 30, Franklin Roosevelt apanhou feio porque a Bolsa quebrou, pessoas se suicidavam, não havia fábricas, o país estava mais pobre do que nossa periferia hoje. Roosevelt convidou um cidadão chamado Frank Capra e produziram juntos um trabalho de mídia. Na época não existia televisão, a mídia era o cinema em preto-e-branco. Fizeram vários filmes, todos com personagens pobres. Não era nobre ser pobre, mas era digno não roubar, ser honesto, ter uma família unida. Havia pouca comida, nenhum dinheiro, mas eles eram alegres, tinham a união familiar. Os títulos eram assim: Do Mundo Nada se Leva, A Felicidade não se Compra, etc.

Foi feita uma série de 12 filmes. Em um deles James Stewart, o Tom Cruise da época, era gerente de um pequeno banco de uma cidade minúscula. Thomas Mitchell, que fazia o papel de tio dele, deixa um documento no banco, o concorrente o pega e desaparece algo assim como US$ 80 mil, uma fortuna naquele tempo. O banco vai à falência, há uma corrida para retirar o dinheiro, suspeita-se dos dirigentes. James Stewart decide se matar. Então há um corte e aparece o céu, onde um anjo de segunda classe, sem asas, recebe um desafio: "Se você for à Terra e salvar esse homem honesto que quer se matar, vai ganhar asas". O anjo desce, a corrida ao banco é evitada e o gerente, salvo. Isso tudo não era de graça, era para vender uma atmosfera de confiança.

No Brasil não temos isso. Primeiro, ainda discutimos esquerda e direita. Hoje a diferença entre elas já está mais diluída, ninguém quer ser direita nem esquerda totalmente. Um dia chegaremos ao estágio em que será besteira falar nisso. Nos Estados Unidos tanto faz esquerda ou direita. Lá é possível chamar as pessoas mais inteligentes e fazer roteiros de cinema e vender uma idéia. Aqui, se quisermos fazer uma novela que venda um clima de família coesa, etc., não se conseguirá porque os novelistas são quase todos de esquerda. Uma exceção é o caso de Glória Perez, que trouxe ajuda à sociedade quando combateu drogas com personagens de novela. Foi um sucesso, valeu por 200 mil filmes de 30 segundos.

Certa vez contatamos a Globo para tentar viabilizar uma comunicação voltada para a auto-estima. Pediram um modelo e sugerimos incluir na Escolinha do Professor Raimundo um personagem estrangeiro. Olivier, o nome dele, passou a ser um dos alunos da escola, onde está porque quer aprender português. E ele, com aquele sotaque francês, fala de coisas do Brasil que nós não sabemos, tão positivas que só o estrangeiro vê e a gente não enxerga. Isso faz elevar a nossa auto-estima.

Estive em Buenos Aires para fazer um trabalho em conjunto com os argentinos sobre como vender o Mercosul à África do Sul. A primeira idéia era mostrar o que a Argentina tem de trigo, petróleo e tudo o mais para fazer uma proposta de venda. Sugeri uma introdução explicando de que tamanho é nosso mercado, para que não pensassem que somos quatro gatos-pingados que querem vender coisas para eles. O Produto Nacional Bruto dos quatro parceiros do Mercosul é US$ 800 bilhões. Não é de se jogar fora, não somos um zé-ninguém.

O Brasil é o segundo país do mundo em consumo de biscoitos, pouca gente sabe disso. Somos o terceiro do mundo em consumo de refrigerantes, o quarto em máquinas de lavar roupa – não estou me referindo a produção, mas a vendas. Então não é um país de se jogar fora. Somos o segundo em consumo de jeans. É claro que a China tem uma população maior, mas eles não usam jeans. Somos também o segundo mercado em helicópteros e jatos executivos e o terceiro em motocicletas, o quarto em geladeiras e a sétima frota de veículos do mundo. Vejam, portanto, nosso poder de consumo, ainda que se leve em conta a desgraça brasileira da não-distribuição de renda.

 

Debate

JOSUÉ MUSSALÉM – Em 1998 ou 99, o governo fez um programa, que resultou em 25 vídeos, "O Retrato do Brasil". Isso foi feito para mostrar na Europa o lado positivo do país. Mas o projeto parou. Do ponto de vista institucional o momento é oportuno para entrarmos com uma campanha publicitária forte no exterior, em especial porque ganhamos a Copa, somos pentacampeões, e isso trouxe uma visibilidade muito grande. Mas precisamos também sair da crise, que é séria. Outra questão: como conselheiro ou consultor de marketing ou de publicidade de uma WorldCom ou de uma Vivendi hoje, o que você faria?

PERISCINOTO – Temos uma falha muito grande, por razões até financeiras, mas diria que nem é tanto isso, trata-se mais de uma questão de planejamento. O Brasil teria de fazer campanha lá fora, mostrando seus vários aspectos positivos, porque somos conhecidos pelas manchetes negativas, aliás o que não falta. A pergunta sempre é: de onde virá o dinheiro? Eu imitaria a iniciativa privada. No governo, quando se faz uma campanha, utiliza-se a verba pública. Deveríamos mudar esse nome. Um exemplo: a Volkswagen destina 0,8%, às vezes 1%, de seu faturamento para comunicação, para campanhas, para divulgar a qualidade dos veículos.
No caso do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), se antes de assinar o contrato tivéssemos falado com os norte-americanos para tirar não 1%, que seria muito (o total foi de US$ 1,4 bilhão), mas 0,05% do seu dinheiro para explicar aos brasileiros o que é o projeto, eles teriam aceito. Então não deveria ser verba pública, mas porcentagem mínima de cada programa. Quando se tem um projeto, como no caso da seca, aparece uma montanha de dinheiro. Outro dia fiquei sabendo que abriram mais de 5 mil poços de água. A seca é uma indústria, e uma pequena porcentagem serviria para explicar o que está acontecendo e onde. Quanto à WorldCom e à Vivendi, eu contaria a verdade. Ou se faz isso ou eles vão embrulhar tudo de novo. Seria preciso dizer: "Aconteceu o seguinte: mandamos embora fulano, sicrano, houve uma trapaça, o culpado é fulano". Isso para salvar a companhia, os acionistas, principalmente, e mostrando um projeto para pôr a casa em ordem.

SAMUEL PFROMM NETTO – Diz Philip Kotler, um dos papas do marketing, que é preciso encantar o cliente. Isso vale para tudo, desde vender sabonete e camisinha a ganhar eleições. Esse tema está muito longe de ser, como alguns pensam, pacífico. É controverso, há muita confusão em torno do marketing, e bastante superficialidade também. Acontece que marketing é muita coisa ao mesmo tempo – é uma disciplina acadêmica, é campo de atuação profissional, é área de teorização e pesquisa científica e muito mais. Cada vez mais me convenço de que marketing no século 21 é um estado de espírito, uma maneira de ser nestes tempos de globalização, de competitividade muito intensa. E é um desafio para organizações de qualquer porte, desde a pequenina até a macro, e para o país como um todo.
Pergunto: em que extensão você acredita que há uma consciência de marketing compartilhada no Brasil? Em segundo lugar, por que vamos tão mal em matéria de marketing de varejo? Há pessoal despreparado na área de atendimento, instalações precárias, primarismo e mau gosto na exposição de mercadorias. Quando cliente e vendedor estão frente a frente ou ligados por meio eletrônico, via Internet, é desalentador ver o contraste entre o atendimento sofrível, péssimo ou desatencioso e mensagens publicitárias glamorosas, o refinamento das instalações. Veja-se, por exemplo, o que ocorre em numerosas agências bancárias, em lojas, farmácias.
Em terceiro lugar, por que o Brasil ainda não acordou para a nova realidade da psicologia do consumidor, que teve um desenvolvimento verdadeiramente espetacular lá fora, principalmente nos Estados Unidos, nos últimos 50 anos? É desalentador ver que são poucas as instituições e pessoas que se devotam ao ensino, à pesquisa e à divulgação de tudo quanto se sabe hoje sobre comportamento do consumidor. Trata-se de uma área séria, comprometida com ciência de muito bom nível, como se tem oportunidade de ver e aprender nos múltiplos congressos que se realizam na Europa e na América do Norte por entidades respeitabilíssimas de estudo científico. Será que não há entre nós demanda para esse tipo de conhecimento? Por fim, que nota você dá, de zero a dez, ao nosso marketing político em geral neste Brasil pré-eleitoral, em comparação com o que se faz nos países mais desenvolvidos?

PERISCINOTO – No Brasil existe defesa do consumidor, que não há num país desenvolvido. Lá o que acontece é: "Eu processo você". A defesa do consumidor já está errada, porque é um funil estreito onde todo mundo tem de passar. Nos Estados Unidos tem I sue you, quer dizer, se você fizer algo errado, eu o processo. Um dia vamos chegar lá. Aqui ficamos a reboque do nobre, do esforçado, do útil e do inteligente código de defesa do consumidor. Mas é pouco. Nosso comportamento tem de ser diferente. Eu sou cidadão e processo quem me fizer qualquer coisa errada. Se você entregou um produto errado, vai ver o que é bom para a tosse. Se isso se espalhasse pelo país, mais da metade dos problemas citados por você se dissolveria diante do poder do cidadão.

JULIAN CHACEL – Os Estados Unidos, em contraste conosco, levam ao extremo a cultura do litígio. Essa é a explicação. Lá por qualquer motivo se processa.

PERISCINOTO – É a indústria dos advogados, e trata-se de uma defesa mais ampla do que só a do consumidor. É a do cidadão. Uma pequena ilustração, para responder a parte comportamental. Antes de começar uma palestra, na escola da Fundação Getúlio Vargas, um jovem me pediu: "Alex, explique o que é marketing". Isso é complexo. Tentando simplificar, perguntei: "Você namora?" Respondeu: "Namoro uma gata maravilhosa". "Então, isso que você faz com ela é marketing, só que intuitivo. Quer ver como você faz tudo direitinho? Por exemplo, antes de encontrar sua consumidora, você fica 15 minutos se arrumando diante do espelho, porque quer apresentar uma embalagem impecável. Enquanto isso ela está se arrumando há três horas e meia: foi ao cabeleireiro, fez manicure, limpou a pele. A embalagem dela vai aparecer impecável para conquistar você. Isso é marketing. Antes disso, você fez a primeira coisa que se faz em marketing, a pesquisa. Você quer saber quem é ela, com quem namorou, se o pai é bravo, etc. Ela por sua vez quintuplica sua pesquisa: se você é drogado, se trabalha, etc. Isso é pesquisa mesmo, só que intuitiva. Faz parte do marketing, só que você não percebe. Depois vem a fase promocional. Se ela é gorda, você leva chocolate. Se é romântica, flores. Daí você capricha no texto e chega dizendo que os olhos dela de dia têm uma cor ainda mais bonita e fala coisas que ela quer ouvir."
Depois há o consumo, eles se casam. Após o casamento, se ele engordar, deixar cair os dentes, virar alcoólatra e bater nela, ela não poderá ser fiel ao produto, vai trocá-lo. Tudo isso é marketing pessoal.
Quanto ao marketing político, a nota que eu daria hoje é média, uma nota 5, porque estamos começando. Primeiro, porque a palavra marqueteiro é cheia de aspas, parece um cretino querendo fazer um truque para vender um produto errado. Phil Dosenberry, o diretor que fez o filme publicitário Morning Again in America, não é um marqueteiro, mas um profissional de comunicação que trabalha para o setor político ou para candidatos. Aqui a palavra ficou, vamos dizer, numa zona cinzenta. Em segundo lugar, não há muitos especialistas, temos dois baianos que são os melhores, sem dúvida nenhuma, e mais um paulista. Esse trio é que está fazendo todo o esforço para enobrecer a profissão. Outra coisa: o marqueteiro aparece mais quando faz trabalho "sabonetado", material que ele domina. O esforço é menor quando o candidato é o próprio marqueteiro. Por exemplo, um dos políticos menos assessorados e que fez sucesso foi Jânio Quadros. Ele era intuitivamente marqueteiro. Pendurou a chuteira na porta da prefeitura, ninguém mandou, ele sabia. Então um marqueteiro para assessorar Jânio Quadros teria de ser muito mais esperto do que ele, e não apareceu ninguém na época.
Alguns profissionais fazem o trabalho do galo. Eu uso essa expressão porque o galo toda manhã canta e nasce o sol; um dia ele fica doente e não canta, e o sol nasce do mesmo jeito. Então, no caso de alguns marqueteiros, a despeito de estarem cantando todo dia, a força do candidato é que resolve. Eu diria que, quando Paulo Maluf ganhou a eleição, era a vez dele. Quando Mário Covas ganhou, era a vez dele. O marketing ajuda, dá uma maquiada, mostra um texto inteligente, muitas vezes é útil, mas, dependendo do produto, o marqueteiro sofre.

PFROMM NETTO – Um colega seu há alguns anos me dizia com muita propriedade: "Em marketing não se vende gato por lebre, vende-se lebre por lebre. E que lebre". Na política a visão enganosa que infelizmente existe, de vender gato por lebre, não dá certo, não funciona. O produto tem de ser bom mesmo, só que sozinho não se vende, é necessário o trabalho de marketing para que apareça, cresça e seja depois consumido.

PERISCINOTO – Sem cometer uma heresia, peço desculpas aos religiosos, eu também sou católico, mas diria que o primeiro caso de lançamento de personalidade foi Jesus. Ele tinha 12 apóstolos falando bem dele, o que quase equivale a uma campanha. Se Serra tivesse hoje (para mencionar um candidato) 12 apóstolos falando bem dele nos diferentes meios de comunicação, teria uma chance de crescer mais do que sozinho. Já Fernando Collor de Mello, falando sozinho, tapeou todos nós. Depende da pessoa.

JACOB KLINTOWITZ – O dado fundamental é a idéia de paradigma. Recordo-me de que, na década de 80 e no início dos anos 90, participei de um projeto junto com Alex, na Almap, onde criamos produtos culturais para dois clientes, Rhodia e Volkswagen. Num caso, tratamos da antropologia e da cultura, no outro, da arte popular e da erudita, em ambos com um produto da mais elevada qualidade, na forma de livros, calendários, filmes, pôsteres, cartões-postais, etc. Esse trabalho na verdade destinava-se à valorização do ego nacional, para usar essa expressão. E foi feito sem o uso de leis de renúncia fiscal.
Nesse período, que vai aproximadamente até 1995, se estimulou o marketing cultural no Brasil, mas depois se inverteu o processo, e passaram a ser utilizados recursos oficiais, através das leis de incentivo fiscal, basicamente para trazer do exterior grandes mostras e eventos culturais, muitos deles de qualidade duvidosa. Usamos então nossos recursos, que são parcos, para louvar o que já é louvado, a cultura britânica, francesa, etc. Penso então que aquele paradigma foi abandonado em troca de algo que não se sabe o que é. De que maneira se poderia mobilizar as pessoas para que retorne o processo de valorização das coisas brasileiras?

PERISCINOTO – Você mexeu num vespeiro. É exatamente isso. Primeiro, trabalhamos juntos na Bienal, foi a única mostra feita com dinheiro privado na história da exposição. Não estou puxando a brasa para minha sardinha, é que desgraçadamente aquele era o último ano da administração José Sarney, e vocês sabem bem o que foi esse final de governo, uma desgraça. Não havia dinheiro para nada, ele comprou o quinto ano, segundo a imprensa. Era o último ano também de Orestes Quércia em São Paulo. Como não se podia falar com os políticos, resolvemos conversar com os banqueiros, a iniciativa privada, e fizemos uma Bienal de algum nome, com uma filosofia: não trazer obras de museu. Queríamos coisas novas, a Bienal é avançada, é para surpreender. O que tem de gente talentosa neste país escondida, sem chance de aparecer, é incrível, e ficamos nesse círculo vicioso. Não que não gostemos de ver, por exemplo, Renoir. Mas ele cabe mais no Masp, que tem o nome de museu. Bienal é vanguarda.
Aceitamos as coisas com muita facilidade, não reagimos. Vi no "Fantástico" uma história que já conhecia: quatro amigos depuseram um prefeito corrupto e restabeleceram os valores de sua cidadezinha. Uma beleza de comportamento. Num lugar pequeno dá para fazer, é um exemplo. Se somos contemplativos ou criativos, essa é uma decisão que temos de tomar um dia.

MALCOLM FOREST – Tenho observado ao longo dos anos que há realmente um merchandising institucional no cinema que vem desde antes da 2ª Guerra Mundial. Na Europa, Hitler produzia verdadeiras encenações teatrais em seus comícios, tudo engendrado, ensaiado, marketing puro. Mussolini também, com trajes criados por ele mesmo, segundo se relata. Nos Estados Unidos a idéia foi fabricar vários astros e estrelas que passaram a ser paradigmas e instalar salas de exibição em cada bairro. Depois surgiu também o merchandising de produtos. O cigarro era introduzido na maioria das cenas dos filmes, assim como o uísque. O personagem entra em qualquer ambiente fechado e vai logo tomar um trago. Walt Disney recebeu a encomenda de criar personagens latino-americanos, porque os caudilhos, como Getúlio Vargas, Juan Domingo Perón e outros, tendiam ao autoritarismo de Hitler. Foi assim que surgiu o Zé Carioca, Cármen Miranda foi para lá. Tudo foi uma ação de merchandising poderosa, uma ferramenta espetacular. Mas nunca vi quem paga e se não há por trás disso uma enganação do público, porque no crédito do filme não aparece "patrocínio de tal e tal empresa".
O que se nota agora no Brasil e no mundo é uma grande incidência de filmes americanos com muita violência, merchandising de armas de grosso calibre e drogas, isso em todos os horários na TV. E parece que essa fórmula acabou caindo talvez nas mãos do crime organizado, porque há armas americanas pesadas nas favelas do Rio de Janeiro, e em grande quantidade sendo vendidas nos bolsões de pobreza do Brasil. Por outro lado, essa ferramenta tão boa, por que não a estamos aproveitando de forma educativa, positiva, como no caso da novela em que se atacou o uso de drogas? Enfim, para promover o Brasil, o turismo, a qualidade de vida?

PERISCINOTO – Para dizer telegraficamente, você tem toda a razão. Um exemplo: para saber como está a situação do comércio, basta ligar a televisão. Descobre-se quem está com problemas de venda assistindo ao Shop Tour. Ninguém vai lá para fazer uma imagem positiva, mas para faturar porque as vendas caíram. É uma ferramenta necessária, é venda imediata. Esse exemplo menor serve para tudo, para a imagem do país ou das forças armadas. Artistas aparecem fardados de aviador, de soldado do exército. Tudo isso é pago, sabe-se bem quem pagou, é só perguntar a quem interessa que a imagem seja feita. Existem filmes comerciais como Com o Dinheiro dos Outros (Other People’s Money), com Danny De Vito. É a história de um advogado que comprava as ações de uma firma familiar. A empresa estava ficando cada dia pior, e descobre-se que esse advogado está adquirindo as ações da periferia para depois dominar a companhia, o que lá se chama take over. Só que no final se revela que ele está fazendo uma coisa correta para salvar os empregados da companhia e ganhar algum, claro. Era uma fábrica de fios de cobre, aonde ele chega e diz: "Vocês estão indo de mal a pior, pois fazem fios de cobre, um produto nobre até ontem. Quero comprar as ações, porque vem aí uma coisa chamada fibra ótica e vocês vão quebrar. Se não venderem as ações para mim por US$ 17 hoje, não vão vender nem por US$ 5 amanhã. Não sou seu melhor amigo, mas o único. Ou salvo vocês ou vocês quebram". E comprou as ações. Os financiadores do filme, que enalteceu a figura dos take over, foram os advogados de Wall Street, para melhorar sua imagem, pois eram vistos como cretinos. O enredo é tão inteligente que vale a pena assistir ao filme.
E como funciona isso, quem paga? A marinha norte-americana entrou com US$ 30 milhões e um filme foi feito. Primeiro, ninguém pode errar no casting, que é responsável por metade da audiência. Filme com Demi Moore e Jack Nicholson, você já vai ver, não interessa o que seja. Segundo, o roteiro vale US$ 1 milhão no mínimo, porque não pode errar. Nos créditos vemos nomes de almirantes que aparecem como advisers para que não apareça uma vírgula contra a própria marinha. É quase um trabalho de ourives. Se o filme der prejuízo, foi a marinha que gastou US$ 30 milhões para fazer. Se der lucro, o capital volta para a marinha e os ganhos ficam com os empresários de Hollywood.
Quanto ao armamento, existe outro segmento da comunicação que é a bilheteria. Por exemplo, em um filme com Charles Bronson, um cabeça-raspada estupra a filha dele, mata um colega, e você fica intoxicado de tal maneira que, se sair depois das primeiras três partes do filme, vai querer o dinheiro de volta porque só viu coisa ruim. Só que na última parte do filme Charles Bronson aparece com uma arma daquelas, uma bazuca, pega o cabeça-raspada com um tiro no peito, ele sai pela janela do oitavo andar em câmera lenta com cacos de vidro e tudo. É isso o que as pessoas querem, ser recompensadas pela intoxicação que aquilo provocou. Isso é um truque de bilheteria, agressividade gratuita para vender ingressos.

MALCOLM – Mas você acredita que haja um capital do crime organizado ou dos produtores de armamento para vender bazucas? Porque é tão freqüente...

PERISCINOTO – Creio que não. Geralmente, as armas são ficção, é mais um truque de bilheteria. É uma receita fácil, um produto rentável. Ainda há gente que vai assistir a Charles Bronson 14.
Quanto a Frank Capra, um italiano naturalizado norte-americano, eu diria que foi o melhor "soldado", o homem mais importante depois do presidente Roosevelt. Uma coisa é ter um marqueteiro vendendo gato por lebre, outra é ter um parceiro chamado Frank Capra, capaz de fazer um texto daqueles. Imagine um país quebrado, com aquela pobreza e algo mais que o Brasil não tem, um inverno rigoroso.
Outro exemplo de Frank Capra, só para ver a força desse homem na época. Vamos nos transportar àquela miséria, um filme preto-e-branco quase que subvencionado, o cinema era barato. Dama por um Dia é a história de uma senhora que vende maçãs, expostas em um caixote, mas não tem mais do que meia dúzia delas empilhadas em triângulo, porque não tem capital para comprar mais do que isso. Vendia as frutas numa esquina, diante de um hotel. Nesse filme estão também os gângsteres, aqueles de roupa listada, camisa escura, gravata clara, chapéu, carro Chevrolet ano 30. O porteiro do hotel, com pena dela, empresta o papel de carta da empresa e ela escreve para a filha que mora longe: "Estou bem, na suíte 21 do hotel, sou muito bem tratada. John, meu companheiro, é maravilhoso, trabalha. Não se preocupe comigo". E mandava cartas, e a filha não sabia que ela era uma vendedora de maçãs, naquele ambiente gelado, com a luva rasgada. Quando vinha uma carta endereçada à "suíte 21", o porteiro a levava para a mulher na esquina. Ela lia e chorava: "Mãe, estou feliz porque a senhora está bem. Eu estou namorando fulano".
E vinham aqueles gângsteres de palito na boca, e toda vez um deles comprava uma maçã. Um belo dia chega uma carta para a suíte 21: "Mãe, casei e vou visitá-la em Nova York". A música sobe, ela entra em pânico, chuta o caixote da maçã, sai correndo, quer se atirar de uma ponte, desaparece. Corta para outra cena, o gângster falando: "Pega uma maçã da velha que eu quero fechar um negócio aqui". Não acharam a mulher. Cadê a velha, cadê a velha? A maçã tem de ser dela. Encontraram-na e a levaram ao gângster: "O que houve com você que sumiu?" Aí ela conta a história. O gângster diz: "Você produz essa velha, aluga a suíte 21". E monta todo o enredo da carta. "Ô, gordão, você fica sendo o marido dela." "Eu, marido disso aí?" Quando ela sai de uma certa sala, toda produzida, com o cabelo mais azuladinho, é uma mulher linda. É Ethel Barrymore, uma senhora elegante. O chefe até tira o palito da boca: "Opa, eu sou o maridão dela". E a farsa acontece. Eis que a filha vem e vê a suíte, aquela coisa toda. Só que numa dessas ocasiões a moça custa a encontrar a mãe, que está num dos banheiros chorando. A mãe diz: "Ah, filha, eu sou uma farsa, é tudo mentira. Eu vendo maçãs, quando consigo vender". Conta a verdadeira história, com música de violino ao fundo, os americanos morrem de compaixão. Eles têm legítima admiração pela verdade, isso os Estados Unidos têm. Quando está todo mundo triste, a música sobe e a filha então fala estas frases que, eu deduzo, Roosevelt e Frank Capra escreveram juntos: "Mãe, não é quanto a senhora tem que me faz gostar da senhora, é quem a senhora é. A senhora me criou, me fez gente, me deu calor humano, abraçá-la vale mais do que qualquer coisa que a senhora possa ter, não interessa se vende maçã ou pêra. Eu estou junto da minha mãe". Isso num país quebrado. Essa coisa nós, brasileiros, não sabemos fazer. Escrevemos uma novela voltada mais para o sexo, fulano com sicrana. Com raras exceções, no momento não existem aqui textos construtivos como esse de Dama por um Dia.
Certa vez eu estava na Califórnia e liguei o rádio. Queria gente falando para me fazer companhia, naquelas três horas de estrada. This is the radio 740. É uma rádio dirigida por psicólogos e eles falam coisas do what about them, what about quem está ouvindo. Eles falam muito sobre the sign of God, ou seja, aguarde o sinal de Deus que ele vai te ajudar; era uma rádio religiosa. Então toca o telefone e uma senhora diz: "Sou Mary, moro em Pasadena e estou ouvindo vocês falarem sobre the sign of God. O que quer dizer isso? Tenho um filho de 18 anos que bate no pai e não fala comigo, é muito agressivo. O que faço com ele?" "Mary, esteja disponível, esteja preparada, aguarde o sinal de Deus que você vai ser atendida." De repente vem o intervalo – o que é muito bonito para nós, publicitários –, e entra alguém dizendo: "I’m Christian, I sell cars. Se você quiser comprar um carro de uma pessoa honesta, tudo certinho, meu endereço é tal". Depois vem o comercial da rádio, assim: "Quanto vale a palavra certa no momento exato? O valor da palavra certa no momento exato é US$ 1. Vamos ficar no ar 24 horas por dia, e se você enviar US$ 1 para nós pode receber a palavra certa no momento exato. Como no caso de Mary". Toca o telefone de novo: "Liguei para vocês, me falaram para esperar o sinal de Deus, e eu queria contar o que aconteceu. Meu filho batia no meu marido. Certa vez fui servir sopa e, a um gesto brusco dele, me assustei. Ia caindo e me segurei no ombro dele. Aí senti que estava equilibrada, não corria perigo. Mas também percebi que deixei minha mão no ombro dele mais tempo do que o necessário para me equilibrar e ele permitiu. Outro dia fui servir café, hesitei um pouco e ele pôs a ponta dos dedos nas costas da minha mão que segurava o bule, como quem diz: ‘Sim, quero café’. Não falou uma palavra, mas os dedos dele ficaram na minha mão mais tempo do que o necessário para eu entender que queria café. Será isso o sinal de Deus?" "Sim, Mary. As pessoas não falam só com palavras."
Puxa vida, uma rádio como essa, fiquei com vontade de mandar US$ 5, não US$ 1. Um texto desses, que faz a vida da gente melhor, você tem de aplaudir. Aqui isso não existe, com raras exceções. Sou do tempo em que Manuel da Nóbrega falava coisas bonitas no rádio de casa para minha mãe. Ele tinha um programa às 6 horas da tarde, em que fazia uma pregação. Minha mãe fazia sabão em casa, fazia pão, lençóis, aquela vida de imigrante. Essa mulher parava tudo para ouvir Manuel da Nóbrega, que tinha um texto construtivo. Não era religioso, era uma crônica quase que à la Frank Capra, que ele sabia fazer tão bem.

EDUARDO SILVA – Penso que a criatividade precisa ser fomentada, isto é, ela sempre significa uma quebra de alguma coisa usual, e isso exige espírito de tolerância. As antenas da sociedade são os artistas e intelectuais, que têm a capacidade de superar barreiras. O que me chama a atenção é o movimento de jovens, às vezes o que fazem dá certo. A campanha do Betinho, por exemplo. Virou moda entre os jovens coletar alimentos. De repente eles fazem uma corrente. E essas coisas são estimuláveis, precisamos perceber isso. Será que os adultos não estamos impermeáveis a essas iniciativas?

PERISCINOTO – O Betinho que mora em nós é pequeno, deve estar dormindo ou inconsciente. A própria mídia gostou dele, esqueceu-se até de sua ideologia política, e ele se transformou em ser humano acima do bem e do mal. Como você diz, a criatividade do Betinho foi dirigida para uma causa nobre.
Uma vez ouvi o ministro Camilo Pena dizer o seguinte na televisão: "O país está numa situação difícil, recomendo a vocês não comprarem supérfluos". Fiquei imaginando o que seria supérfluo. O quinto batom para a minha mulher é supérfluo. Ela já tem quatro, por que mais um? Estava indo para a Volkswagen para uma reunião quando passou por mim um caminhão, e vi que ele tinha calotas. Se há uma coisa de que o país não precisa, é disso. Sem calotas o caminhão vai a todo lugar entregar mercadorias e volta. Mas a lição só se completou quando passei pelo Canindé, vi uma fábrica de calotas, entrei e perguntei como eram produzidas. E descobri, a partir daquela indústria, que 70 ou mais por cento dos empregos no Brasil existem por causa dos supérfluos. E mais de 80% das compras que se fazem no país, que geram empregos, são emocionais, não são racionais. Uma compra racional, por exemplo, é trocar os pneus do carro. A emocional é ir à loja para adquirir uma gravata e levar duas. Ou quando você já tem um pulôver azul e compra um cinza. Portanto, gerar emprego está inserido na compra emocional, essa que sustenta os shoppings. Nesses centros hoje há 10% de compras racionais, talvez na farmácia, e ela tem cremes, não só remédios. Camilo Pena que me desculpe, mas jamais gostaria de tê-lo ouvido falar "não comprem supérfluos". Nossas gravatas geram emprego e não temos uma nem dez, devemos ter muito mais. Então aleluia para a compra emocional.

IRANY NOVAH MORAES – A classe médica hoje está com um conceito baixo entre a população. Não poderia ser diferente, pois temos o dobro de faculdades de que precisamos, a gerar médicos em número muito maior do que o Brasil necessita. Temos 5 mil locais de trabalho e formamos quase 10 mil médicos por ano. Então é fácil entender como muitos ficam fora do mercado e, pior ainda, não conseguem aprender o suficiente. Isso produz no público a idéia de que nenhum médico é capaz, nenhum presta. E destruiu a relação médico-paciente, sem a qual nada dá certo para o doente. A quem caberia – à Associação Médica Brasileira, à Associação Paulista de Medicina, à Academia de Medicina de São Paulo – a tarefa de utilizar o marketing para separar o joio do trigo? Ninguém aceita médicos mal preparados, incompetentes, formados em escolas inadimplentes que não têm professores à altura, ou, pior, que não têm hospitais, onde portanto a prática não acontece. Quem deveria fazer isso é o governo, que nada faz. O que se poderia fazer para conscientizar o povo de que existe médico bom e médico ruim?

PERISCINOTO – Quem mais chegou perto disso, falando de governo, foi o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, quando criou o Provão. Ele quis qualificar as faculdades, mas apenas arranhou o problema. Quanto à questão da imagem, volto a falar do cinema, que também fez a imagem dos médicos nos Estados Unidos (não sei se vocês se lembram das séries "Marcus Welby" e "Dr. Kildare"), num momento em que deixava de existir o maravilhoso médico de família, substituído pelo de comboio, de massificação, como são os dos planos de saúde.

IRANY – Plano de saúde já é conseqüência. Antes disso o governo abriu escolas médicas em número exagerado. Na época de Jarbas Passarinho entraram em funcionamento 11 escolas médicas num ano, sem preparo para professores, sem planejamento, sem estudos sobre o mercado de trabalho. Passarinho acabou com os excedentes e transferiu o problema para seis anos depois.

PERISCINOTO – É verdade. Isso acontece também em outras profissões. Por exemplo, em publicidade formam-se quase mil pessoas por ano e não existe emprego para 10% delas. Outras profissões são piores ainda. Precisaríamos divulgar a carência de vagas existente no mercado de trabalho, e não só alimentar o marketing das faculdades que convidam os jovens para estudar e dizem que assim ganharão a vida. Quanto à qualidade, penso que o Provão ou a própria associação de médicos é que devem cuidar disso.

JOSEF BARAT – Em relação ao marketing político, nos debates da televisão os candidatos parecem uns bonequinhos amestrados que falam de coisas ininteligíveis para o público. Pergunto: esse comportamento é decorrência da camisa-de-força que os marqueteiros impõem ou a política mudou mesmo? Será que não há mais políticos capazes de debater, de desafiar, de até usar certo humor nessas discussões? O que está acontecendo realmente?

PERISCINOTO – Você tem razão, eles ficam engessados mesmo. Primeiro, a própria televisão institui aquela ordem, combinada com os políticos e marqueteiros para ter controle da situação. Mas fica muito patente que a disciplina tira um pouco do brilho. Outro fato é que, por incrível que pareça, eles discutem mais macroeconomia e macrossoluções do que microssoluções, o what about me. Eu não estou interessado em "x" milhões de empregos, estou interessado em what about me. Não houve nesses debates aquilo que Phil Dosenberry colocou no Morning Again in America.

MOACYR VAZ GUIMARÃES – Até que ponto os condutores da publicidade e da comunicação, as agências altamente qualificadas poderiam assumir o dever de influenciar os seus clientes com vistas ao aprimoramento ético e construtivo de suas mensagens, notadamente os jovens, nos quais influenciam preferências, comportamentos e até opções de vida?

PERISCINOTO – Eu diria que hoje estamos um pouco melhor do que ontem. Algumas companhias já descobriram a ação social, a participação, ainda que mais cultural. O Bradesco, por exemplo, tem um trabalho social maravilhoso. É um começo, e o próprio governo ajuda, com a Lei Rouanet. Mas ainda é muito pouco. As multinacionais todas têm creche e refeitório, oferecem vale-refeição, vale-transporte. Fui operário na fábrica Matarazzo, não tinha nada disso, tomava o bonde com meu dinheiro e comia banana. Hoje não se concebe uma indústria sem essas coisas. Temos uma lei, mas é uma lei, não se caracteriza como comportamento.
Outras empresas estão querendo cuidar do ambiente. Fizemos um filme sobre preservação de matas para um cliente, mostrando um tronco serrado, em que se vêem os círculos todos. No primeiro deles o texto diz: "Aqui nasceu Mozart". No segundo: "Aqui nasceu Beethoven". No terceiro: "Aqui nasceu Einstein". E no último: "Aqui nasceu o filho da puta que cortou essa árvore". É uma linguagem jovem, destinada a despertar a consciência. Mas isso é um conta-gotas perto do que sonhamos. Isso tem de ser feito como comportamento. Já existe um pouco mais de treinamento também. A Rhodia fez um projeto empresa-escola para preparar melhor as pessoas para o mercado. Hoje um publicitário se forma e vai aprender mesmo é no estágio, porque o bom profissional nem sequer está lecionando, com todo o respeito aos professores que estão nas faculdades.
Nos Estados Unidos há uma organização que congrega 37 milhões de pessoas, todas acima de 50 anos. Esse pessoal criou uma comunidade chamada American Association of Retired Persons, para pessoas acima dessa faixa etária. Alguém organizou isso a partir de uma idéia geral de marketing que beneficia a sociedade. Essa entidade freta navios para que os associados possam ir à Europa conhecer arte, e eles já recebem aulas durante a viagem de ida. É uma idéia maravilhosa de marketing cultural. A associação constrói casas com campo de golfe a partir de US$ 39 mil. A General Motors participa vendendo Buicks a preço menor. O slogan dessa organização é: The beginning of a new life. Não fala em terceira idade, em velhice, mas em vida nova, porque a pessoa acima de 50 anos nos Estados Unidos é uma grande consumidora. Diz também: Now you have no boss, now you are free. Com essas palavras a associação criou uma comunidade de 37 milhões de pessoas, com cooperativa, planos educacionais e médicos especiais. As revistas que envia vêm com um cupom para comprar remédios com 60% de desconto, porque não embutem o lucro das farmácias. Mas só os associados podem usá-lo. Agora ela duplicou o cupom, acrescentando: For your friend. Vai dobrar o mercado, porque o vizinho também quer ser beneficiado. Essa inteligência de organização não temos aqui. E isso pertence aos fundos de pensão.
Os fundos brasileiros de pensão têm uma soma de dinheiro por volta de US$ 100 bilhões, ninguém tem tanto quanto os fundos somados. Eles estão agora construindo hospitais, mas é para gerar renda.
Para terminar, uma história rápida. A criatividade tem dois flancos. Um boy de nossa agência achava que ser criativo era vestir roupa preta e ganhar bem. Não é isso necessariamente, precisa ter um conteúdo. Então ele desenhou um painel de automóvel, a lápis, preto-e-branco. Você vê o porta-luvas, o rádio no painel, o volante, o velocímetro, tudo desenhado com razoável talento. E pôs cor só em duas bolotinhas, uma vermelha e outra verde, do lado do painel. Perguntei o que era aquilo. Ele ganhou um quilômetro de tempo antes de responder: "Isso aqui é, mais ou menos, por exemplo, o seguinte, é, mais ou menos, o seguinte, para táxis. Se o passageiro for fazer uso do táxi para fins criminais, quando o passageiro entra, acende essa luz vermelha. Aí o motorista sabe que é perigo, tem um revólver no lugar do breque, e se defende. Se o passageiro for apenas usar o carro, aí ele entra e acende essa luz verde". "Puxa, que negócio interessante, como é que funciona?" "O negócio é mais ou menos, por exemplo, o seguinte, seu Alex. Como funciona não sei, mas a idéia é boa, fala a verdade".