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Contribuições sociais

 

A vinculação das empresas ao Sistema "S" à luz do direito

O Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, reuniu-se no dia 7 de agosto de 2002 para debater a questão do Sistema "S" – Sesc, Senac, Sesi e Senai.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS – Iniciamos nossa reunião dando posse ao doutor Luís Antonio Flora, que está na condução do Departamento Jurídico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e assume também a posição de conselheiro devido ao afastamento por motivo de doença do conselheiro Antônio Nicácio.
Hoje vamos colocar em discussão o Sistema "S", que se refere à contribuição social instituída pela Constituição em 1946, inicialmente para atender ao Sesc e Senac, e posteriormente ao Sesi e Senai.
Ultimamente, tem sido ventilada a desestruturação do Sistema "S", o que pode representar o fim de um processo de educação social – digo educação social porque se inclui na área de assistência social da Constituição, para a adequação e promoção do cidadão desde a escola básica. Esse procedimento é considerado de fundamental importância, tanto que, de todos os programas semelhantes, o Sistema "S" é o único que tem funcionado a contento.
As contestações, as decisões e a multiplicação de confederações e entidades que procuram se afastar do Sistema "S", alegando que prestam serviços e, portanto, não estariam na área vinculada à Confederação Nacional do Comércio (CNC), e que o artigo 577 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não teria recepcionado, estão causando muita intranqüilidade. Pela primeira vez houve uma manifestação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, à luz da legalidade, pretende retirar diversos setores do Sistema "S", sob a alegação de que eles não têm de contribuir nem para a CNC nem para a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Farei uma rápida introdução ao assunto para que a seguir o professor Roberto Rosas possa tecer suas considerações. O meu ponto de vista é de natureza eminentemente constitucional, razão pela qual convidei o professor André Tavares, que coordena conosco o curso de direito constitucional em nível de especialização do Centro de Extensão Universitária, a participar desta reunião.
A meu ver, podemos utilizar os mais diversos métodos de interpretação, mas o primeiro elemento a ser considerado é o que está escrito. Se abrirmos a Constituição no artigo 240 vamos encontrar a seguinte observação: "Ficam ressalvadas do disposto no artigo 195 as atuais contribuições compulsórias de empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical". E o artigo 195 diz: "A seguridade social será financiada por toda a sociedade". A alteração foi simplesmente o acréscimo de "receita ou faturamento", para solucionar um problema, já que havia decisões em que representariam dois conceitos distintos.
O que ocorreu a partir de então? Em meu entendimento, quando a legislação ordinária recebe tratamento constitucional, transforma-se em norma constitucional. Passamos a ter todo o Sistema "S" consagrado pelo artigo 240, com uma ressalva que só pode ser a legislação ordinária convertida, alterada por emenda à Constituição, uma vez que não se trata de cláusula pétrea. Isso mostra que é possível mudar esse sistema, que vem sendo preservado desde 1988.
Mas, quando se procura dizer que a lei da CLT não foi constitucionalizada, ou que estamos com o sistema de contribuições como era apresentado naquele momento, é evidente que há violação da norma constitucional. Repetidas vezes, o constituinte tem consolidado legislação ordinária, como ocorreu com as emendas 12 e 21 sobre a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). No próprio texto constitucional consta a lei complementar que regulamentou a CPMF; mais tarde, contestou-se que aquela norma poderia ser alterada. Mas o Judiciário reiterou que a CPMF era constitucional e que, uma vez que a norma fora constitucionalizada, teria de ser entendida daquela maneira. Levantaram-se inúmeras teses sobre a inconstitucionalidade, mas os tribunais confirmaram a tese de que a norma teria sido constitucionalizada. Com esse exemplo vemos que uma lei "ordinária constitucionalizada" só pode ser alterada por emenda constitucional, jamais por legislação ordinária.
As empresas que argumentam contra a contribuição ao Sistema "S" afirmam que não estão enquadradas numa obrigação de assistência social, considerada contribuição de natureza tributária. Se isso ocorresse, seria desarmado todo um sistema criado exatamente para proporcionar formação profissional ao cidadão.
A meu ver, o primeiro passo é verificar se há alguma disposição que fere o artigo 240, mesmo que seja antiga. O professor Roberto Rosas vai relatar, agora, como essas questões estão sendo tratadas e qual é o encaminhamento no STJ.

ROBERTO ROSAS – Tive a honra de ser convidado pela CNC para estudar e examinar uma estratégia para a contribuição social criada para atender o sistema Sesc-Senac-Sesi-Senai e afins.
O primeiro setor a se insurgir contra as contribuições foi o das empresas de vigilância e segurança. Desde 1988 construíram a idéia de que não deveriam contribuir, alegando que não eram empresas comerciais e, portanto, não se vinculavam à CNC. No mesmo ano, pouco antes de sancionada a Constituição, o antigo Tribunal Federal de Recursos (TFR) decidiu que as empresas de vigilância e segurança não estavam obrigadas a esse pagamento. Essa foi a origem de toda a complicação. O assunto ficou em discussão por algum tempo. Posteriormente, em 1992 ou 1993, o STJ retomou essa decisão do ministro Carlos Veloso e, sem grande debate, simplesmente aplicou-a como um precedente. A partir de então surgiu uma avalanche de decisões contrárias ao Sistema "S", partindo do pressuposto do julgamento anterior.
Com esse precedente, a grande questão gira em torno da vigência do artigo 577. Qual a discussão jurídica que se coloca? Uma vez que a Constituição adotou abertura, liberdade, pluralidade e unicidade sindical, alguns sustentam que não há mais razão para a vigência do artigo 577, que institui um quadro de atividades, vinculando-as a cada uma das confederações: indústria, comércio, agricultura e transportes. Por isso, não existiria mais o quadro. E, se não existe, o artigo 577 não está mais em vigor.
Se essa discussão prevalecesse, atingiria o Sistema "S" inteiro, incluindo todas as categorias profissionais, mas parece-me que essa tese não procede, pois o artigo 577 está em vigor e é recepcionado pela Constituição por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A liberdade sindical colocada nos artigos 7º e 8º, que tratam dos direitos sociais, não está em conflito com o 577 e outros artigos da CLT que abordam essa matéria.
Uma coisa, porém, é certa: todas as decisões que se encontram em litígio não negam que o artigo 240, discutido pelo professor Ives Gandra, continua em vigor. Há algumas decisões de tribunais e juízes que insistem nesse ponto da não-vigência do artigo 577. É uma tese interessante, uma vez que toda atividade empresarial deve estar enquadrada num sistema qualquer. Se fugir do Sesc e do Senac, terá de contribuir para outra entidade da sua categoria profissional, de acordo com o artigo que alega não estar em vigência.
Devemos, portanto, insistir na predominância do artigo 577, por força da decisão do ministro Marco Aurélio, no mandado de segurança 21.305 do STF. Esse é um ponto muito importante e fundamental para o debate.
A grande discussão, como já frisei, está em torno das empresas de vigilância e segurança, que afirmam não ser categoria comercial nem exercer atividade de comércio. Esse setor admite a vigência dos artigos mas nega fazer parte do comércio, assim como estar vinculado ao grupo terceiro do quadro do artigo 577, relacionado a Sesc-Senac.
Há uma nova vertente que, à luz do novo Código Civil, da idéia do direito da empresa e do empresário, está muito acima da discussão a respeito de simples estabelecimento que não tem uma característica comercial. Em alguns casos, principalmente no Rio Grande do Sul, juízes do Tribunal Regional Federal (TRF) já aceitaram essa proposta.
No final de junho deste ano, houve uma decisão muito significativa do STJ, em que o Sesc e o Senac tiveram parecer favorável contra uma casa de saúde no Tribunal Regional Federal de Brasília. A empresa recorreu ao STJ e a relatora foi a ministra Eliana Calmon, que tem um ponto de vista contrário ao Sistema "S"; os outros quatro ministros votaram diferentemente e ganharam. Essa foi uma nova vertente, em que pela primeira vez no STJ encontramos luz no fim do túnel, ou o contrário. Acho que é um túnel no fim da luz, porque os ministros não discutem nada; simplesmente decidem que as empresas não têm de contribuir, principalmente as do setor de vigilância e segurança.
A ementa do acórdão que está sendo feita afirma que as prestadoras de serviços médicos e hospitalares devem recolher, a título obrigatório, contribuição para o Sesc e o Senac. Em síntese, esse é o panorama de uma discussão que não é meramente jurídica, uma vez que tem um contorno social muito importante.

IVES GANDRA – Gostaria de fazer uma observação sobre a exposição do professor Roberto Rosas. No meu parecer, procuro vincular o artigo 577 da CLT ao 240 da Constituição. Se o 577 foi recepcionado nos termos do 240, ele foi constitucionalizado. Não se discutiu o 240, apenas se constitucionalizou o direito de contribuir para o Sistema "S", e a conclusão foi que as atuais contribuições "ficam ressalvadas do disposto no artigo 195". De acordo com a recepção do 577, as atuais contribuições são as de empregadores sobre a folha de salários destinadas a entidades privadas do serviço social e de formação profissional vinculadas ao esquema sindical já existente. Isso significa que todo o sistema foi preservado e só poderá ser modificado com uma alteração do artigo 240, apontando uma nova esperança para o exame a ser realizado pelo STJ.

NEY PRADO – Um dos problemas que enfrentamos é o do sistema sindical. De origem fascista, foi bastante modificado em 1988, mas não o suficiente para se tornar pluralista. Como foi mantido o sindicalismo uno, não se pode criar um mesmo sindicato na mesma base territorial. Ora, qual foi a forma utilizada para fugir disso? A criação de um sem-número de sindicatos – há mais de 20 mil no país –, que não passam de meros expedientes cujo objetivo é participar da contribuição confederativa.

ANDRÉ TAVARES – No fundo, todo o problema deriva de uma péssima técnica utilizada pelo próprio constituinte, como acabou de demonstrar o professor Ney Prado. Seria mais adequado que o constituinte tivesse expressado o que considera como sistema atual sindical ou de contribuições. Ao não fazê-lo, incorporou a legislação existente. Portanto, parece-me que o sentido mais correto na interpretação seria o da constitucionalização, não o da mera recepção.

MARCELO BARRETO DE ARAÚJO – Gostaria de comentar o capítulo do artigo 240 que expressa que ficam ressalvadas as atuais contribuições compulsórias, ou seja, as de 1988. Folgo em verificar que não é uma norma transitória, pois está nas disposições gerais da Constituição, o que significa que não é uma regra temporária, mas definitiva.
A Constituição de 88 preservou a liberdade sindical, valorizando-a – na medida em que retirou a influência do Estado –, e manteve a velha contribuição sindical no inciso IV do artigo 8º.
Pela legislação específica do Sesc-Senac, as entidades privadas de serviço social e formação profissional continuam vinculadas ao sistema sindical ex lege. O que temíamos creio ter sido afastado pela manifestação maior do STF, que foi a recepção do artigo 577. Tenho observado o seguinte: mesmo que algumas categorias incluídas nesse artigo não fossem por sua natureza comerciais, elas o seriam por ficção legal para fins de recolhimento das contribuições para o Sesc-Senac.
Vejo com muito desprazer a revogação do artigo 156 da instrução normativa 70/2002, em que o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), ousadamente, considera que são indevidas essas contribuições pelas prestadoras de serviço. Publicada no jornal "Valor Econômico" de 7 de agosto de 2002 sob o título "Prestadoras de Serviço Estranham o Recuo do INSS", a notícia afirma que "a instrução normativa 70/2002 do Instituto Nacional de Seguridade Social causa estranheza entre as prestadoras de serviço". Ela revogou a previsão da instrução normativa 70, editada no mês anterior pelo próprio INSS. Embora reclamem do vaivém das normas, as empresas pretendem usar o fato como mais um argumento em seu favor, o que gera um conflito sindical entre as áreas de serviço e comércio.

ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAL – Uma questão que se coloca é a da interpretação do artigo 240, ao lado do 577. Parece-me que o artigo da CLT está constitucionalizado, na medida em que não pode ser alterado pelos incisos do artigo 8º. O conflito de interpretação ocorrerá se o artigo 8º puder ser modificado, por exemplo, para se criar uma Confederação Nacional de Serviços. Nesse caso, estaríamos ante a mesma situação da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Não poderemos excluir os serviços de qualquer nível de tributação, uma vez que estão previstos na Constituição.

ELISABETH LIBERTUCI – Gostaria de fazer uma rápida observação, uma vez que estou lendo e relendo o artigo 240 e cada vez chego a uma interpretação diferente. Mas, de certa forma, entro em convergência integral com o professor Antonio Carlos. Na primeira leitura, destaquei a tônica do artigo: "Ficam ressalvadas do disposto no artigo 195". O texto não afirma que são mantidas as contribuições até então existentes. Em vez disso, faz ressalva em relação ao 195, o que, a meu ver, determina que essas contribuições não precisariam se submeter ao regime do artigo, o que não solucionaria o problema relativo à manutenção das contribuições ao Sesc-Senac.
É nesse aspecto que o professor Antonio Carlos aborda o ponto-chave da questão, que, na minha avaliação, é o artigo 8º, porque é ele que constitucionaliza o 577, não o 240. Dentro desse cenário, o 240 tem o objetivo de revigorar as contribuições instituídas em 1988, retirando o caráter marcadamente arrecadatório do 195. Na verdade, ele simplesmente dá um reforço para que essas contribuições sejam especificamente destinadas à seguridade social relativa a entidades privadas de serviço social.
Na inter-relação que faço, o 577 foi consolidado pelo artigo 8º, e o 240 simplesmente retira da disciplina do 195 essas contribuições, com a simplificação de que todos os empregadores – e não mais os prestadores de serviços – tenham de se submeter a elas.

IVES GANDRA – A partir dessa colocação do artigo 8º, quando examinamos o parecer de Antonio Carlos, que teve respaldo judicial, a idéia é saber até que ponto o 577 teria sido recepcionado. Embora o artigo 8º seja importante, na verdade ainda apresenta alguns problemas que não foram solucionados. Ao analisarmos o título II da Constituição em toda a sua extensão, verificamos que trata de três direitos fundamentais: os individuais e coletivos, os sociais e os políticos. Mas existe uma tendência na doutrina em considerar que entre os direitos individuais estariam incluídos os sociais e políticos.
Por outro lado, há uma liberdade absoluta no artigo 5º no que se refere à associação, pois de um lado garante a pluralidade e, de outro, a unicidade. Ao mesmo tempo, não teria sentido as contribuições obrigatórias serem definidas por categorias no momento em que existe liberdade de sindicalização. Mas, se uma empresa não-sindicalizada é obrigada a pagar a contribuição social, é evidente que essa liberdade não existe. Se o empresário exercer a liberdade de não se associar, automaticamente tornará o exercício da liberdade mais oneroso do que se não a exercesse, porque não tem o bônus de ser associado mas tem o ônus de pagar. Naquela ocasião discutimos amplamente esse problema do artigo 8º e tentamos mostrar que estava destinado apenas a definir o espírito de sindicalização.
Entendo que o 240 receba um tratamento diferenciado, uma vez que foi criado especificamente para garantir as contribuições de estruturas formadas daquela maneira, que só poderiam ser mantidas se continuassem as mesmas. Em 1946 foram constituídas as instituições que hoje exercem uma função definitiva, mas, se admitirmos que isso possa ser multiplicado e que uma confederação qualquer, desde que forme um sindicato, passe a ter uma legitimidade à parte, toda essa estrutura poderá ser desmontada. Feita essa análise, parece-me que o raciocínio que norteou o artigo 240 foi a existência de uma instituição que depende disso, colocada a partir daquilo que se encontra no 577, com um perfil definido exclusivamente para efeito dessas contribuições.
Por esse motivo é que se ressalvou o 195, um artigo que pode ser modificado. Discutimos muito o problema da unicidade, mas desvinculamos um pouco a análise para nos fixarmos no artigo 8º. E foi colocado de forma definitiva que o Sistema "S" só pode ser alterado por emenda constitucional. Como não há antecedente, significa que temos de examinar a questão – e parece ter sido essa a intenção do constituinte – senão não estaria nas disposições gerais.
Considero relevante esse raciocínio a partir do artigo 8º, mas na minha interpretação, que pode ser até unitária, entendo que são duas coisas bem segmentadas. Com um artigo como o 195, podem-se criar os parágrafos que se quiser.

ELISABETH LIBERTUCI – Como o artigo 577 foi recepcionado pela Constituição, esse assunto já está superado.

IVES GANDRA – Ficou superado, sim. Na minha interpretação, o artigo 577 foi constitucionalizado e, por isso mesmo, não poderia ser modificado por lei ordinária, só por emenda constitucional. Na linha que vocês adotam, uma legislação ordinária poderia modificá-lo, porque a recepção se daria no sistema ordinário não constitucionalizado, certo?

RODRIGUES DO AMARAL – Porque a recepção, evidentemente, não significa não alteração; simplesmente afirma a compatibilidade.

IVES GANDRA – Aliás, esse aspecto também foi colocado por André Tavares. Quando a norma constitucional puxa a lei ordinária e afirma que aquela norma constitucional passa a valer, a lei ordinária foi constitucionalizada.

ANDRÉ TAVARES – A sua tese é brilhante, mas minha posição é um pouco diversa. Quando ocorre essa possível contradição, para saber se na regulamentação da Constituição prevalece o 240 ou o 8º, eu diria que no 8º temos um princípio e no 240 uma regra. Uma regra porque é concreta, específica, dirigida a um caso determinado. Sempre que isso acontece, tentamos solucionar pelo seguinte sistema: a regra constitui, digamos, uma exceção ao princípio, senão em determinado momento ela acaba sendo anulada. Pela aplicação do princípio em termos totalizantes, posso chegar a um ponto em que a regra poderá ser anulada. Como foi colocado pelo professor Ives, em certo momento o sistema não só vai ser desestruturado, mas simplesmente desaparecer.

IVES GANDRA – Essa é uma interpretação do direito constitucional de extrema relevância. Não existem princípios cuja rigidez seja de tal ordem que não comportem exceções, mesmo aqueles que dão a impressão contrária. Por esse motivo, uma regra da Constituição que está em conflito com um princípio pode ser interpretada, quase sempre, como uma exceção.

RODRIGUES DO AMARAL – Particularmente, creio que a Constituição possa sofrer algumas alterações sistemáticas, senão estaríamos engessando todo o sistema. Não há dúvida de que o artigo 240 busca a preservação de um sistema eficaz. Tenho a impressão de que a existência do vocábulo "empregador" traz um consectário jurídico importantíssimo, porque o universo já foi ampliado para todos aqueles que empregam no Brasil. Por essa ótica não posso me excluir como prestador de serviço. Todavia, ao final do artigo 240 há a seguinte limitação ao parágrafo: "Destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical". É preciso saber o que é sistema sindical, tal como foi recepcionado pela Constituição. Dentro da dinâmica constitucional posso admitir que esse sistema venha a sofrer modificação, não estou discutindo o limite dessa alteração. Não coloco em questão se é possível mudar o 577 para essa finalidade.
A tese do professor Ives é nítida no sentido de que, para a finalidade do 240, não se pode mudar o 577. Se essa análise prevalecer, está claro que foi uma interpretação legítima do artigo 8º. No meu ponto de vista, é esse artigo que define o sistema sindical. Se no futuro sua interpretação permitir a alteração desse sistema, o que acontecerá com o 240?

IVES GANDRA – Parece ter sido intenção do constituinte afirmar que, para os efeitos vigentes, esse é o sistema que foi garantido. Posso alargá-lo, mas não reduzi-lo. Ele admite outra interpretação? Certamente; comporta a análise de Elisabeth e a sua, Antonio Carlos.

JORGE CÉSAR MOREIRA – O artigo 195 elencou as contribuições que iriam financiar a seguridade social, e o 240 reafirmou que elas continuariam. De certa forma até torceria para que a palavra "ressalvadas" fosse mantida, para mostrar que as contribuições não foram extintas.

RODRIGUES DO AMARAL – Quero defender o professor Ives por ter afirmado que o artigo 240 não era necessário, pois esse assunto já se encontrava no 149. Essa é uma linha de raciocínio lógica. Ele não seria necessário, mas dá garantia ao sistema.

IVES GANDRA – O debate apontou duas vertentes interpretativas, que serão encaminhadas às autoridades para que possam refletir melhor sobre o assunto.