Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Imagens da esperança

 


Alunos do curso na Febem / Foto: João Kulcsár

Curso de fotografia na Febem busca o resgate da cidadania

REGINA HELENA DE PAIVA RAMOS

São 800 os jovens da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) de São Paulo que já passaram pelos cursos de fotografia que o Instituto Brasileiro Pró-Desenvolvimento Social (Prodes) e o Senac criaram e que o fotógrafo João Kulcsár dirige. O projeto tem um nome: "Fotografia e Cidadania".

"A imagem é uma opinião. É uma linguagem. Pela imagem captada pela fotografia as pessoas podem se expressar. E os meninos da Febem, se expressando, acabam compreendendo a realidade e refletindo sobre suas experiências", diz o fotógrafo João Kulcsár. "A conseqüência imediata é o resgate da auto-estima e da identidade. A intenção primeira das aulas de fotografia é, portanto, o resgate da cidadania. A preocupação maior é permitir a expressão. O que vale é o que o garoto quer dizer. Uma outra conseqüência pode ser a profissionalização. Dois dos meninos que passaram pelos cursos saíram da Febem e estão trabalhando no mercado."

Em 1999 o engenheiro Cyro Laurenza era presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) e criou o Instituto Brasileiro Pró-Desenvolvimento Social. Músico amador – faz parte de uma orquestra de jazz –, pensou com o então diretor da Febem, Eduardo Silva, em uma apresentação dentro da entidade. Na primeira visita viu que não era com o jazz que poderia trabalhar na Febem. Surgiu a idéia do curso de fotografia, apoiada pelo Sinaenco.

"Quem fotografa tem o prazer de ver alguma coisa que produziu. A fotografia desenvolve a percepção. O indivíduo começa a ver", diz Cyro.

Para implantar o projeto, o então presidente do Prodes procurou o Senac e em seguida a Fujifilm e montou-se dentro da Febem um laboratório para o curso. A primeira providência foi formar monitores entre os funcionários. Hoje cada monitor trabalha com um grupo de oito meninos. E já são 15 monitores treinados para ensinar fotografia. Cada garoto recebe da Fujifilm uma câmara, e o curso leva quatro meses.

"Estamos realizando esse programa há dois anos e nunca tivemos nenhum incidente, mesmo nos momentos de crise. Nunca o laboratório foi atingido pelos quebra-quebras que aconteciam dentro da instituição", completa Cyro.

Engenharia abandonada

João Kulcsár é engenheiro mecânico. Fotografia era só um hobby. Mas a partir de certo momento resolveu abandonar a profissão e trabalhar com educação visual utilizando a fotografia. Seu projeto para a Febem foi baseado no mestrado em arte que foi defender na Inglaterra, na Universidade de Kent, como bolsista do British Council e da Fundação Vitae e em experiências realizadas em diversas entidades, como a Fundação Gol de Letra, o Itaú Cultural, a Favela Monte Azul, entre outros.

Kulcsár já tinha feito um trabalho no Presídio Feminino do Carandiru, usando a imagem fotográfica para conscientizar sobre as doenças sexualmente transmissíveis. O projeto realizado na Febem tem sido muito gratificante para o fotógrafo, que leciona também na Faculdade de Artes do Senac. Já foram feitas várias exposições. As fotos são exibidas com o nome do autor e com legendas feitas por eles. E João Kulcsár conta que alguns garotos voltaram para a escola para poder escrever as legendas.

O que é que eles fotografam? O cotidiano dentro da Febem, os jardins, as flores, os muros, os corredores, as paredes descascando – uma das fotos mostra um descascado de parede que tem o formato do mapa do Brasil –, os esportes que praticam. E fotografam-se uns aos outros. Já foram realizadas três exposições – que geraram catálogos. A primeira foi sobre o cotidiano dentro da Febem. A segunda sobre prevenção da Aids. E a terceira sobre meio ambiente.

Imagens que "falam"

Fotos e legendas dos meninos da Febem mostram que o desejo de liberdade, o desejo de vitória, o desejo de paz está sempre presente. As legendas são a tradução da imagem feita pela ótica dos garotos. E provam, também, o desejo do resgate da cidadania e o surgimento da esperança.

Uma foto que mostra uma escada tem a seguinte legenda: "A escada é o caminho da vitória. Todos que caem não devem desistir de se levantar". A imagem de uma árvore, vista de baixo, significa, para o autor, "subindo na vida, escalando os galhos na direção do céu". Rolos de bambu em forma de túnel mostram, para o autor da foto, "uma luz no fundo do túnel". Grades fotografadas em primeiro plano afirmam que "a liberdade está do lado de lá". E um hibisco rosa sobre fundo negro tem como legenda: "Os internos da Febem não visualizam apenas o lado negativo da vida, visualizam também o lado positivo".

Cyro Laurenza, que hoje é presidente do conselho fiscal do Sinaenco, continua interessado no projeto: "O Instituto Prodes, o Centro de Educação Comunitária para o Trabalho do Senac, a Fujifilm e a Febem estão no meio de um processo, abertos a novas parcerias para proporcionar aos jovens em conflito com a lei um meio de remover pedras e abrir novos caminhos".

Uma das fotos da última exposição mostra uma grande pedra encostada a uma árvore, no meio de um gramado. A legenda: "Uma pedra no meu caminho".