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“Nego Fugido” associa resistência de escravizados ao candomblé

Manifestação é uma tradição herdada dos escravizados do Recôncavo Baiano. Foto: Zeza Barral
Manifestação é uma tradição herdada dos escravizados do Recôncavo Baiano. Foto: Zeza Barral

O auto Nego Fugido, que conta a luta de negros escravizados contra capitães do mato e senhores de engenho, ganha apresentação na quarta, dia 16 de maio, em frente ao Teatro Municipal de Sâo Paulo. A encenação, que acontece às 14h, percorre os arredores do Sesc 24 de Maio e é finalizado no térreo da Unidade, onde haverá uma foto dos integrantes.

Nego Fugido é uma tradição popular na comunidade de Acupe, no Recôncavo Baiano; moradores (pescadores, comerciantes, marisqueiras etc.) retratam a perseguição, captura e libertação de negros. A manifestação começou no século XIX, foi originada por escravizados da origem africana Jeje-Nagô e acontece na região em todos os domingos de julho.

A expoente dessa história é a mãe de santo Loriana de Xangô, que fez do seu casebre de candomblé, em Acupe, um espaço de acolhimento, orientação e proteção espiritual para os ex-escravizados do Recôncavo e seus descendentes.

Segundo o mestre em Artes Cênicas pela Unesp e integrante da Associação Cultural Nego Fugido, Monilson dos Santos, os rituais do terreiro foram importantes para que os negros fugitivos encontrassem nos seus ancestrais a força para enfrentar a exclusão social que os cativos sofreram após a abolição.

Louriana, à luz de Xangô, simbolizou a esperança e sabedoria. Seus ensinamentos estão presentes até hoje na comunidade de Acupe, seja por meio dos cultos dos orixás, da culinária, das técnicas da pesca artesanal ou das manifestações culturais”, afirma Monilson em sua dissertação de mestrado Nego Fugido: o teatro das aparições.

No centro de São Paulo, a encenação é conduzida por danças e toques dos atabaques e agogôs do candomblé, a fim de simbolizar a presença espiritual afro-brasileira no Nego Fugido. Além disso, os rostos dos participantes são pintados com negrume e os lábios cobertos com tinta vermelha. Os figurinos são feitos com folhas de bananeiras, já que reza a lenda que os homens usavam esta vestimenta para se camuflar na mata ao fugir.

Faces pintadas

O pesquisador acredita que o uso da maquiagem não se associa à imagem estereotipada e ridicularizada da negritude. Segundo ele, pintar o rosto de preto é uma maneira dos participantes de Nego Fugido incorporar os fantasmas de seus antepassados. “A pintura do Nego Fugido é uma máscara que, ao invés de esconder, escancara as diferenças [raciais] na luta de classes e por direitos aos bens sociais. Este é um teatro da luta diária, assim como o teatro proletário buscado por Bertold Brecht”, escreve.

Além disso, o especialista explica que Nego Fugido não é um manifesto político. “Não há por parte do participante uma consciência sobre seu ativismo. São Pescadores e marisqueiras, ou seus filhos, que encenam o processo de aquisição da liberdade dos negros escravizados”, aponta em seu Mestrado.

A expressão cultural de Nego Fugido rendeu à comunidade quilombola de Acupe o título de Cidade Mundial da Paz, cedido pela instituição italiana Fundazione Campana degli Cadutti, em 2009. Esta ONG foi criada pelo papa Pio XII após a 2º Guerra Mundial com o objetivo de promover a paz por ações sociais ao redor do mundo.