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A maior atleta do mundo

Geni, no momento em que se tornou a maior atleta do mundo.
Geni, no momento em que se tornou a maior atleta do mundo.

Na última edição da Semana Move 2019, a proposta era dar foco para o propósito. Ou seja, deveríamos promover um diálogo sobre o que move as pessoas a praticarem atividades físicas e esportes. Cada um de nós sabe porque saímos de nossas zonas de conforto, o que nos motiva para as mudanças e nos incentiva a experimentar coisas novas.

Na segunda prova Aquathlon Sesc Bertioga, por onde andávamos, ou melhor, corríamos ou nadávamos, encontrávamos propósitos diferentes e um mais lindo que outro.

Cada um e uma com suas razões ou motivações, ao seu modo e no seu ritmo. Nos encontramos em um lugar pessoal e comum de bem-estar.

Deixamos vocês com o de Geni. Pelo olhar de Marcela Oliveira Fonseca, escritora caiçara "disfarçada" de programadora que nos apresenta a história de sua mãe, desde domingo passado, a maior atleta do mundo.

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Por Marcela Oliveira Fonseca*

Geni nunca foi atleta, mas com certeza sempre foi posta a muitas provas. Teve uma infância sem recursos e na competição da vida aprendeu logo como jogar. Nasceu em uma bela equipe de mais treze irmãos e aprendeu cedo a dividir o peixe, o inhame, as roupas, o carinho e cuidado dos pais. Teve que se dividir entre a vontade de brincar e ser criança e os cuidados com a casa e irmãos mais novos. O que não quer dizer que não treinou, pelo contrário, treinou muito. Diz que foram tantas peripécias que me coloco a pensar em como ela deve ter sido uma criança levada. E briguenta. Naquela época, era tempo de marcar território e o que não se conseguia no grito, se arrancava na carne, com as unhas. Um horror.

No seu tempo de infância, não tinha esse negócio de fazer aula de natação, lutas, nada disso. Talvez até existisse isso na cidade grande, para as crianças que vinham de férias em suas casas de veraneio. Aqui, o que tinha mesmo era lugar para correr, árvore para subir e mar para nadar. Não tinha bicicleta, só nas temporadas, contando com a solidariedade alheia, que podia se revezar para dar uma volta no equipamento dos amigos abastados. Mas nas baixas temporadas também queria dar suas voltas e criativa que sempre foi, junto com seus irmãos, criou sua bicicleta imaginária. Uma geringonça com tocos de madeira e telhas, que não permitia que se saísse do lugar, mas podia chegar muito longe. Fico imaginando quantos quilômetros rodados e países percorridos no quintal.

Cresceu, se casou e teve filhos. Parou de trabalhar para cuidar da casa e da família, era comum. Desde que começou essa temporada, Geni sempre cuidou. Dos outros. Cuidou da casa, dos filhos, do marido. Quando os filhos cresceram, ajudou a cuidar dos netos, cuidou da mãe doente. Muitas alegrias, mas também acumulou dores. Nas pernas, no braço, nas costas, artrose, algumas internas. Nesse tempo, não aprendeu mais a se cuidar, deu overtraining.

Mas Geni é como fênix e se reinventou, aos sessenta anos tomou gosto pelo esporte, por exercícios, por se amar. Encontrou no Sesc o significado de ter direito a um lugar digno, de fazer parte de um grupo, do acolhimento e carinho de professores excelentes. Professores que além de extremamente competentes vieram carregados de doses aumentadas de paciência, porque a baixinha é danada. Chega atrasada todas as aulas, mas eles entendem que é sempre culpa de algum fator externo que atrapalha a organização exemplar dela. Ou é culpa de Sergio, que fica vendo jornal e demora para levá-la, ou alguém que para no caminho para conversar e atrapalha, não importa, a culpa nunca é dela. Tem também o lado tagarela, que conversa mais que o homem da cobra, fala com todo mundo. Mas penso que os professores devem aceitar porque é exercício para o coração, não deixa de ser treino.

Todo esse contexto ajudou minha mãe a se sentir empoderada e capaz de novos desafios, a essa altura da vida. Hoje, com sessenta e cinco anos, participou da sua primeira prova de natação, no mar. Nadou quinhentos metros e não desistiu. Não deve ter sido nada fácil, ela não está acostumada, treinou pouco para a especificidade da prova, tem também as dores. Foi até o fim. Conseguiu a sonhada medalha, prometida para um dos netos. Ela já tinha uma medalha, que ganhou outra vez em uma corrida, que já estava prometida para o outro neto. Ah, tem também a neta, mas essa ela ainda não tem a medalha, vai esperar a próxima competição. Haja prova para garantir medalhas para uma família e um coração tão grandes. Geni nunca parou de cuidar, mas agora aprendeu também a cuidar de si, até virou atleta. A maior atleta do mundo.

Nunca mais ninguém vai tacar pedra na Geni. 

*Marcela Oliveira Fonseca é técnica de programação do Sesc Bertioga

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Consulte abaixo a classificação da prova.